Quente e aromática tradição | Arcano9 | Digestivo Cultural

busca | avançada
99796 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Terreiros Nômades promove encontro entre Salloma Salomão, escolas municipais e comunidade
>>> Instrumental Sesc Brasil apresenta Filó Machado no Sesc Consolação em show gratuito
>>> Escritor e diplomata Ricardo Bernhard lança obra pela editora Reformatório
>>> Teatro Portátil chega a São Paulo gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
>>> Platore - Rede social para atores
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Gerald Thomas: Cidadão do Mundo (parte III)
>>> Mondrian: a aventura espiritual da pintura
>>> A proposta libertária
>>> A recessão está chegando
>>> A poesia concreto-multimídia de Paulo Aquarone
>>> Não quero encontrar você no Orkut
>>> Inferno em digestão em Terra sonâmbula
>>> Jorge Drexler, no Bourbon Street, em 2009
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> O bode das drogas
Mais Recentes
>>> Como Educar Sua Mente. O Guia Para Ler E Entender Os Grandes Autores de Susan Wise Bauer pela É Realizações (2015)
>>> Qorpo - Santo Teatro Completo de José Joaquim de Campos Leão pela Mec Funarte (1980)
>>> Arqueologia da Violência de Pierre Clastres pela Cosac Naify (2004)
>>> 1001 Musicas Para Ouvir Antes De Morrer de Robert Dimery pela Sextante (2012)
>>> Trilogia Orestéia De Ésquilo - Box Orestéia Trilogia de Jaa Torrano pela Iluminuras (2004)
>>> A Filosofia e Sua História de Gérard Lebrun pela Cosac Naify (2006)
>>> Maçonaria - Simbologia e Kabbala de Ali A´L Khan pela Madras (2010)
>>> Fundamental Chess Endings de Karsten, Lamprecht, Frank Müller pela Gambit Publications (2009)
>>> Es Roman de Stephen King pela Heyne (1987)
>>> HQ/Gibi O Livro do Zorro - Volume 8 de Desconhecido pela Ebal (1980)
>>> HQ/Gibi O Livro do Zorro - Volume 5 de Desconhecido pela Ebal (1980)
>>> HQ/Gibi Reis do Faroeste - Volume 21 de Desconhecido pela Ebal (1984)
>>> A Elegância Do Ouriço de Muriel Barbery pela Companhia Das Letras (2008)
>>> HQ/Gibi Nevada Kid - Ai Mocinho! - Volume 11 de Desconhecido pela Ebal (1981)
>>> HQ/Gibi O Livro do Zorro - Volume 6 de Desconhecido pela Ebal (1980)
>>> Seis Passeios Pelos Bosques Da Ficção de Umberto Eco pela Companhia Das Letras (1994)
>>> HQ/Gibi Tarzan - Volume 15 de Edgar Rice Burroughs pela Ebal (1978)
>>> Apocrifos I. Os Proscritos Da Bíblia Vol. 1 ao 4 de Maria Helena Tricca pela Mercuryo (2005)
>>> HQ/Gibi Fantasma - Edição Histórica - Volume 33 de Lee Falk pela Saber (1997)
>>> Padre Sérgio de Liev Tolstói pela Cosac Naify (2015)
>>> Máscaras De Narcico - Estudos Sobre A Literatura Autobiográfica Em Portugal de Clara Rocha pela Almedina (1992)
>>> HQ/Gibi O Fantasma - Volume 19 de Desconhecido pela Saber (1971)
>>> HQ/Gibi ALmanaque do Fantasma - O Segredo das Ruínas de Desconhecido pela Rge (1978)
>>> Os Clássicos Da Política - Volume 1 e 2 de Francisco C. Weffort pela Ática (2010)
>>> Teoria Do Romance s) de Donaldo Schuler pela Atica (1989)
COLUNAS

Segunda-feira, 9/4/2001
Quente e aromática tradição
Arcano9
+ de 2700 Acessos

Pontualmente às três e meia, numa tarde cinzenta como de costume, atravessei a porta giratória e tomei o saguão de entrada de chão de granito, recepção toda de madeira escura. Porteiros de cartola entrando e saindo, homens com cachimbos lendo jornal nas poltronas à direita. Frisos de mármore em alto-relevo logo acima das portas me fizeram lembrar do Partenon do Museu britânico. Segui em frente até o salão. Atendido por um cordial maître de fraque e gravata, caminhei até minha mesa, ao lado de um abajur verde e bem próximo do colega ao piano de cauda branco. Desabotoei o paletó. Hello sir, would you like to have some tea?, surpreendeu-me a loirinha com seu uniforme tailleur/saia até o joelho, tudo azul escuro. Respondi o óbvio e ela me perguntou se eu queria o tradicional. Dessa vez, respondi apenas com a cabeça. Ainda estava meio zonzo para puxar mais conversa. Zonzo com aquela luz aveludada, aquele cheiro de conforto. Contei: quatro candelabros imensos, um em cada um dos vértices daquele salão quadrado. No centro do salão, o pianista tocando uma peça erudita, provavelmente Chopin; ao redor do pequeno palco onde trabalha o artista, sofás salmão, mesinhas ovaladas de madeira e cadeiras muito macias, forradas com tecido. Contei as mesas vagas - quatro. Quatro de um salão com umas trinta mesas que, pensava eu, estaria vazio numa terça-feira. Não me perdi longamente nos meus pensamentos, pois a loirinha me acordou com a chaleira de porcelana branca com o símbolo em S do hotel. Milk in your tea, sir? Sim, sim, eu quero tudo. Tudo. Três pratos vieram em seguida, três pratos num único porta-pratos pequeno, de prata, deixado na mesa. O prato inferior com sanduíches pequenos, de salmão, atum, ricota. O do meio com docinhos franceses e o superior com scones (um pão doce típico inglês, com passas). O chá, claro, Earl Grey. Assim é o chá da tarde no hotel Savoy, da Strand.

Londres, buscando um chavão inevitável, é uma cidade de tradições. Mas não há, talvez, tradição mais profundamente enraizada no cotidiano dos ingleses do que o chá. Por que diabos os ingleses gostam tanto de chá? O outro dia, pegando um táxi, perguntei ao motorista e ele deu uma sonora risada. "Tem a ver com nossas ex-colônias, a Índia produz um chá muito bom", explicou ele, "mas hoje as pessoas estão se esquecendo de como se deve tomar chá. Você deve colocar primeiro um pouco de água fervente no copo, para a porcelana ficar na temperatura ideal. Depois põe o saquinho, ou de preferência diretamente a erva, e joga mais água. Aí, tem que deixar descansar por cinco, seis minutos, senão você vai estar tomando só água colorida. A cor vem rápido, mas o sabor demora um pouco", explicou ele.

Desde 1658 (quando o produto começou a ser vendido em Londres, a princípio como remédio), o chá passou por várias fases por aqui. De cara, a novidade conquistou o gosto popular, mas a igreja, argumentando que o produto vinha de países pagãos, disse que ele não deveria ser consumido. Médicos, erroneamente, acharam que a bebida fazia na verdade mal para a saúde e, para piorar, o lobby dos produtores de cerveja entrou em ação, temendo que o chá tomasse o lugar das ales como a bebida do inglês no café da manhã (isso mesmo... cerveja no café da manhã!). O resultado foi que, ainda no século XVII, o rei Charles II determinou que o produto fosse sobretaxado em 119%, o que tornou o consumo de chá impossível para a maior parte da população. Só na segunda metade do século XVIII, por volta de 1780, que a situação iria mudar. Nessa época, o hábito de tomar chá passou a ser visto como uma boa alternativa para combater o alcoolismo, problema sério no país, e a sobretaxa foi extinta. Surgiram os chamados tea gardens - amplos jardins onde muitas mulheres e alguns homens se reuniam para degustar suas infusões - e, por fim, nos tempos vitorianos, ganhou força a tal cerimônia do chá da tarde. Entre 1901 e 1914, a mania havia conquistado tamanha popularidade que alguns dos hotéis mais suntuosos da capital britânica serviam três refeições na hora do chá. E mais tarde viria o jantar e a ceia...

Perdido nos meus pensamentos sobre a história do chá em Londres, não deixei escapar a bela seqüência em meus ouvidos. Smoke Gets in your Eyes. Depois, The Way you Look Tonight. Por minha conta, vi meu velho amigo Astaire sentado ao piano, sorrindo e quase chorando, pedindo desculpas para minha doce Ginger, That laugh that wrinkles you nose, qual era mesmo o filme? Requinte. Colunas de granito sustentando o salão. O chá se desfaz no céu da boca. Muitas mulheres de mais de quarenta ao meu redor, a maioria das mesas tomadas por pares de amigas. Mas há também senhores com suas gravatas e mulheres mais jovens com seus namorados. E as inevitáveis velhinhas, esplendorosas, revisitando o brilho de suas vidas, com seus lindos chapéus coloridos, andando devagar mas dando pulos de excitação. Este é um mundo de sonho. Are you all right, Sir? Sim, tudo bem, tudo muito bem.

Ir a um chá da tarde em um algum dos principais hotéis de Londres é, enfim, uma experiência inesquecível, pela qual toda pessoa deveria passar uma vez na vida. Você não precisa ser um milionário para ir ao Savoy. Nem um well-to-do para freqüentar o Ritz. Basta reservar um dinheiro, vestir seu terno e gravata ou seu vestido mais bonito e preparar os olhos, a língua, os ouvidos. Alguns lugares seguem com mais rigor a restrição à roupa, outros menos. Mas você não vai fazer o papelão de ir a um desses lugares com tênis e bermuda, né? Eu me produzi e passei duas horas como um rei no Savoy. A revista Time Out, um dos principais guias culturais de Londres, diz o seguinte: se você quer o interior mais suntuoso, deve tomar seu chá da tarde no Waldorf Meridien; se quer o melhor pianista ou os melhores docinhos, vá ao The Dorchester; o melhor serviço, ao Claridge's, e se você quer o lugar mais popular, ao The Ritz. Na dúvida, faça como eu, vá ao Savoy e transpire requinte e sofisticação.

Vinte e duas libras mais pobre, atravessei de volta o portal para o resto do planeta. Havia chovido e eu nem percebi. A Strand estava lotada. Nossa. Como o mundo pode ser um lugar muito melhor...

Para ir além

Mesas para o chá da tarde podem (e devem) ser reservadas com antecedência. O preço depende do hotel, mas não fica mais de 30 libras por pessoa. O horário também depende do hotel, mas a maioria serve o chá entre as 15h e 18h.

* Waldorf Meridien - Aldwych WC2. Perto do metrô Temple.
* The Dorchester - 54 Park Lane W1. Perto do metrô Hyde Park Corner.
* Claridge's - Brook Street W1. Perto do metrô Bond Street.
* The Ritz - Piccadilli W1. Perto do metrô Green Park.
* Hotéis cinco estrelas de Londres


Arcano9
Londres, 9/4/2001

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Carta ao(à) escritor(a) em sua primeira edição de Ana Elisa Ribeiro
02. estar onde eu não estou de Luís Fernando Amâncio
03. Hércules reduzido a lenda de Carla Ceres
04. Sideways Rain: Pausa, Choque, Fluxo e Corpo de Duanne Ribeiro
05. O espiritismo e a novela da Globo de Marcelo Spalding


Mais Arcano9
Mais Acessadas de Arcano9 em 2001
01. Duas formas de perder a virgindade no West End - 5/3/2001
02. O que realmente importa - 17/12/2001
03. Qualquer diversão é bem-vinda - 4/5/2001
04. Ler ao acaso - 19/11/2001
05. Quando road movie encontra inocência adolescente - 19/3/2001


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Dicionários Dicionário Completo da Língua Portuguesa: Folha da Tarde
Aleixo Rosut / Brasilino Feliciano da Silva Jr.
Melhoramentos
(1994)



Eugénie Grandet
Honoré de Balzac
Difusão Europeia do Livro
(1961)



O Salão De Beleza De Cabul
Ángel Rodrígues
Elsevier
(2007)



O poder da fé
John Fitzpatrick
Milesi
(1979)



Quase Tudo
Danuza Leão
Cia das Letras
(2005)



Cinco Semanas Em Balão
Julio Verne
Hemus
(2005)



O Conhecimento de Si e de Deus
Suelma de Souza
Fonte Editorial
(2010)



Os Impressionistas - Seurat
Georges Seurat / Louis Hauteceur
Ed. Três
(1973)



Química: um Curso Universitário
Mahan Myers
Edgard Blucher
(1995)



Quadribol Através dos Séculos
J. K. Rowling
Rocco
(2001)





busca | avançada
99796 visitas/dia
2,4 milhões/mês