Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
34956 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
>>> Feira do Livro: Karina Galindo lança obra focada na temática do autoconhecimento
>>> “Inventário Parcial”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Queridos amigos
>>> Agonia
>>> Sugerido para adultos?
>>> A literatura infanto-juvenil que vem de longe
>>> 2021, o ano da inveja
>>> O futuro político do Brasil
>>> David Foster Wallace e Infinite Jest
>>> Arquitetura de informação
>>> L’Empereur
>>> Fake-Fuck-Fotos do Face
Mais Recentes
>>> Samurai William: The Englishman Who Opened Japan de Giles Milton pela Farrar, Straus And Giroux (2003)
>>> Bom Dia, Doutor de Michael Escoffier pela Sm (2015)
>>> Tides Of War: A Novel Of Alcibiades And The Peloponnesian War de Steven Pressfield pela Doubleday (2000)
>>> The Genius Of Alexander The Great de N. G. L. Hammond pela The University Of North Carolina Press (1998)
>>> Louvor À Terra de Byung-chul Han pela Vozes (2021)
>>> Frozen Hell: The Russo-finnish Winter War Of 1939-1940 de William Trotter pela Algonquin Books (2000)
>>> Shiloh: The Battle That Changed The Civil War de Larry J. Daniel pela Simon & Schuster (1997)
>>> Índios No Brasil de Manuela Carneiro Da Cunha pela Claro Enigma (2012)
>>> The Battles For Spotsylvania Court House And The Road To Yellow Tavern, May 7-12, 1864 de Gordon C. Rhea pela Lsu Press (1997)
>>> The Revolt Of Owain Glyn Dwr de R. R. Davies pela Oxford University Press (1996)
>>> Evolution: A Theory In Crisis de Michael Denton pela Adler & Adler Pub (1986)
>>> Deus Lo Volt!: Chronicle Of The Crusades de Evan S. Connell pela Counterpoint (2000)
>>> Orchids in Australia de Fred Moulen pela Lausanne (1958)
>>> Sprint O Metodo Usado No Google Para Testar E Aplicar Novas Ideias Em Apenas Cinco Dias de Jake Knapp pela Intrínseca (2017)
>>> Guerra e Paz, de Portinari de Maria Duarte pela Projeto Portinari (2015)
>>> Amos E Boris de William Steig pela Companhia Das Letrinhas (2018)
>>> Corrosão de Vicente Gentil pela Ltc (1996)
>>> O Peso Das Dietas: Faça As Pazes Com A Comida Dizendo Não Às Dietas de Sophie Deram pela Sextante (2018)
>>> Duvida Cruel - Manual do Mundo de Thenorio Ibere; Mariana Fulfaro pela Sextante (2018)
>>> Os 4 Pilares Da Liderança Imbatível de Renato Trisciuzzi pela Gente (2025)
>>> O Espanhol por Imagens - (Com Exercícios) de I. A. Richards - Christine Gibson - Ruth M. Romero pela Hemus
>>> Alo Chics! de Gloria Kalil pela Ediouro (2007)
>>> A Educacao Prática Do Pensamento de Rudolf Steiner pela Antroposófica (2013)
>>> O Que Esperar Quando Você Esta Esperando de Arlene Eisenberg, Heidi Eisenberg Murkoff, Sandee Eisenberg Hathaway pela Record (2015)
>>> A Urgência De Ser Feliz de Sabrina Dourado pela Gente (2025)
COLUNAS

Quinta-feira, 27/11/2003
Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi
Ricardo de Mattos
+ de 24000 Acessos

Aquele homem atravessou parte d'uma cidade carregando sobre os ombros um lenho pesadíssimo em comparação com Suas forças do momento. Além de percorrer um labirinto de ruelas estreitas e mal calçadas, esbarrando todo o tempo, caindo e sendo obrigado a levantar-se com presteza, precisou subir uma elevação de terra com aquele peso todo.

Alcançando o local determinado, foi jogado ao chão. Os espinhos da coroa que trazia entraram na pele do crânio. O sangue escorreu pela face e cegou-O. Caído, cabeça ferida pelas farpas - anteriormente fora esmurrada -, sol a pino, calor, sede, olhos cheios de sangue. A multidão em torno vaia e comemora.

Pregos atravessam as mãos e fixam-nas na madeira. As operações são simultâneas pois há um serviço a ser cumprido sem perda de mais tempo. Como Ele será suspenso, Seus pulsos são amarrados para que as mãos não rasguem fazendo cair o corpo. Os pés também são pregados: olha teus pés e imagina o prego necessário para prendê-los firmemente n'um suporte. Cava-se um buraco no chão, arrastam a cruz, encaixam-na neste buraco e içam-na. O corpo cede, os pulsos torcem um bocado nas cordas e os rasgos das mãos aumentam. As costas foram chicoteadas e agora são esfregadas contra os nós da madeira brutalmente preparada. O peso do corpo faz os pés escorregarem e suas feridas também alargam-se. O homem tenta suportar tudo mas ainda é homem, condição revelada pela expressão do rosto. Trançam-se a dor e a dúvida: um instante pôde ser bastante para vir-Lhe à mente Sua real condição. O tumulto dos eventos e a carga de dores embotaram a percepção racional. Portanto, cair em Si quando já condenado à morte e posto para morrer deve ter sido uma aflição a mais. Poderia conhecer Seu futuro mas saberia dos detalhes? Tudo isso é realmente necessário? Alguém aproveitará algo? Haverá de todo este transe uma conseqüência minimamente útil? E se tudo foi o lento desenrolar d'um engano? "Pai, por que Me abandonas"?

Aquele homem questiona sem lamentar. Sabe que o lamento é precipitado e tem objecto parcial. Por que lamentar agora se logo o problema agravar-se-á? Foi crucificado a tanta dor já não mais sente pois até Sua sensibilidade foi superada. A dor precisa ser agravada para ser lembrada e para examinar se Ele ainda vive. O costume mandava quebrar as juntas, mas como Ele parecia ter sucumbido, o lanceiro apenas atravessa-Lhe o lado. Mostra-Se ainda com vida, tem sede, pede água e dão-Lhe vinagre. Se tivesse proferido uma palavra de lamento antes, precisaria repeti-la agora quando um gaiato encosta a escada na cruz, fazendo-a trepidar, e sobe para dependurar um cartaz com fúteis dizeres.

O homem é executado diante de Sua mãe. Fale-se e ela não escutará; mostre-lhe e ela não enxergará. Tão envolvida com o sofrimento do filho a ponto de não cogitar acerca da ferocidade do acto. Vê o sangue escorrendo e esquece de quem fê-lo vazar. Mesmo sendo a mãe, é com má vontade que a deixam alcançar a base da cruz. "Estava a mãe dolorosa, lacrimosa junto à cruz da qual pendia seu filho".

Como fazer a música transmitir tudo isso? Não basta musicar a oração, o fiel precisa de alguma forma presenciar a cena descrita. O compositor deve ter a intenção de transportar o ouvinte ao Gólgota e fazê-lo testemunhar o episódio. Não é um episódio qualquer, mas o principal de sua fé.

O cânone católico inclui uma oração para lembrar os fiéis deste momento de supino significado. Stabat mater dolorosa/ juxta crucem lacrimosa/ dum pendebat filius... Atribui-se ao franciscano Jacapone da Todi (m. 1.306) a elaboração desta sequentia somada em 1.727 às quatro sobreviventes ao Concílio de Trento realizado no século XVI. O Concílio excluiu-as devido às alterações provocadas nos textos e melodias do canto gregoriano tradicional. As outras permitidas são Victimae Paschali, Veni Sancte Spiritus, Lauda Sion e o já comentado Dies Irae. Entretanto, os dominicanos incluem nas suas celebrações natalinas a sequentia não oficial Laetabundus.

Coube a Giovanni Battista Pergolesi (1.710/1.726) a autoria de uma das peças mais representativas do barroco italiano, do mais expressivo Stabat Mater já composto. Este compositor, nascido no Vaticano e radicado em Nápoles, finado aos 26 anos deixou muitas obras n'este pouco tempo de vida. Antes tivesse vivido mais e composto menos. A sua desorganização incumbiu os críticos, séculos depois, de tentar separar as obras autênticas das atribuídas. É dele também a opereta-cómica La Serva Padrona que ganhou produção brasileira dirigida por Carla Camurati.

O Stabat Mater encomendado pelo Duque Madolini foi a última peça de Pergolesi, concluída no ano de sua morte. Composto para duas vozes - soprano e contralto -, dois violinos, viola e baixo contínuo. Talvez das execuções originais tenham sido encarregados os famosos castrados - castrati. O filme Farinelli é sobre um dos mais famosos destes músicos. Outro deles aparece n'uma cena de Ligações Perigosas. Difere do contratenor. Os testículos dos castrados eram inutilizados visando manter a voz original: um castrado poderia ter a voz de soprano, mezzo-soprano, ou contralto. O contratenor é o homem "inteiro" cantando em falsete, i. e., imitando a voz feminina. Tenho um CD com músicas medievais no qual, para tentar conferir autenticidade às gravações, recorreram aos contratenores em algumas delas. A audição vale para o novo conhecimento porém não é algo marcante.

Pergolesi distribuiu o texto em doze trechos. O primeiro e o último foram escritos em Fá Menor, o que confere coesão ao ciclo. A variação da tonalidade e da marcação do compasso nos trechos intermediários evita a monotonia, acentuando ou atenuando a dramaticidade. Os ornamentos das vozes são devidos mais ao estilo elaborado que a uma aproximação operística, como é o caso do composto por Rossini (1.792/1.868). Possuo três gravações distintas, sendo a melhor aquela com a contralto Teresa Berganza.

A obra é um retábulo musical. O primeiro trecho inicia com a aproximação de alguém. Não é a Virgem, pois ela já estava lá, e sim um narrador quem atinge o local do suplício e fala o que vê. Ainda melhor, considerando o tempo verbal, lembra o presenciado: "Estava a mãe dolorosa/ lacrimosa junto à cruz/ da qual pendia seu filho". A narrativa começa após a conclusão do momento crítico, pois se o Cristo está vivo, não será por muito tempo. Nas segunda, terceira quarta e sexta partes, o observador cogita acerca do estado de espírito de Maria: "Ó quão triste e aflita/ estava a bendita/ mãe do unigênito (...) Viu seu doce filho/ morrendo, desolado/ ao entregar Seu espírito". Quem já presenciou uma mãe no velório ou enterro do próprio filho consegue aproximar as sensações. A ligeireza do quarto trecho é de enganosa leveza, não passando de um fôlego para o drama seguinte, voltado a refletir a respeito do impacto da visão sobre os circundantes: "Qual é o homem que não chora (...) Quem não poderia entristecer-se/ ao contemplar a mãe piedosa/ sofrendo com o filho?".

Se na primeira metade do Stabat Mater o fiel contempla os instantes finais da Paixão, na segunda ele deseja participar das dores como forma de aproximação de Cristo. Sofrer com Ele o martírio, declarando irrestrita fidelidade: "Eia ,Mãe, fonte de amor/ Faça-me sentir a violência da (sua) dor/e que contigo eu pranteie". Até o sétimo trecho mantém-se certa sobriedade. Sobriedade barroca, mas sobriedade. Sofrimento contido, de força interna. No dueto do oitavo trecho é que temos a explosão da dor, tão forte a demonstrar a insuficiência da força humana em contê-la. Pergolesi concentrou n'este trecho as notas mais altas, os ornamentos mais rebuscados, toda a tensão até agora represada. Daí a impressão de prostração do nono trecho. A tempestade passou, as conseqüências são apuradas, mas ainda vemos relâmpagos esporádicos. Por toda esta segunda parte, em suma, o desejo do crente é partilhar agora o sofrimento de Jesus para depois usufruir o Paraíso ao Seu lado.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 27/11/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Tito Leite atravessa o deserto com poesia de Jardel Dias Cavalcanti
02. Como sobreviver ao Divórcio de Ricardo Lísias de Isabella Ypiranga Monteiro
03. A polêmica dos quadrinhos de Gian Danton
04. O melhor do lado B de Tais Laporta
05. De como alguns de nós viraram escritores de Ana Elisa Ribeiro


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2003
01. Da Poesia Na Música de Vivaldi - 6/2/2003
02. Poesia, Crônica, Conto e Charge - 13/11/2003
03. Da Biografia de Lima Barreto - 26/6/2003
04. Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi - 27/11/2003
05. Estado de Sítio, de Albert Camus - 4/9/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Meet Caroline 1
Kathleen Ernst
American Girl
(2012)



Êxodo
Will Adams
Record
(2014)



Blacks Veterinary Dictionary
William C. Miller Geoffrey P. West
Adam and Charles Black
(1982)



A batalha da vida
Máximo Gorki
Edições Bloch
(1973)



Nos Idos De Março
Luiz Ruffato
Geração
(2014)



Código da Vida
Saulo Ramos
Planeta
(2007)



Tempos Idos e Vividos
Benedicto Valladares
José Olympio
(1966)



Espaço Real, Espaço Imaginário
Maria Helena Lisboa da Cunha
Uape
(1998)



A Concubina
Morris West
Círculo do Livro



O Caçador de Tempestade
Reynaldo Loyo
Topbooks
(1995)





busca | avançada
34956 visitas/dia
2,0 milhões/mês