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Quinta-feira, 7/7/2005
A besta que pateia na praia
Adriana Baggio
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Fluxo de consciência. Isso é uma coisa que pessoas consideradas normais não desenvolvem em público. Ou melhor, até desenvolvem, mas não de forma que os outros possam perceber. No consultório médico, por exemplo, de repente você percebe que deixou de ler há muitos minutos. As letras parecem servir apenas de apoio para que os pensamentos continuem seu caminho tortuoso e pedregoso, cada vez mais rápido, como um rio calmo que se transforma em perigosa corredeira, até despencar no abismo dos sentimentos proibidos e angustiantes que povoam nossa alma. O susto da água que desaba descontroladamente faz você focar novamente as letras e tentar encontrar o ponto onde parou de ler e começou a divagar. Você pensou coisas terríveis, humilhantes, medíocres, mas ninguém ficou sabendo. É assim mesmo. Em pessoas consideradas normais, o fluxo de consciência não deve ser percebido pelos outros. A não ser que estejam na boca de um personagem de ficção.

George e Martha, o casal interpretado por Richard Burton e Elizabeth Taylor no filme Quem tem medo de Virginia Woolf?, de 1966, são personagens que se entregam ao seu fluxo de consciência. O diálogo deles é esse rio caudaloso de enchente, cada vez mais feroz e destruidor, que só se acalma quando se esgota. Se George e Martha fossem pessoas reais, não seriam "normais". Afinal, quem pode permanecer são frente às poderosas ondas de ódio, rancor e mágoa que formam o fluxo de consciência desses personagens? Na história, o casal consegue se salvar da tormenta e desaba exausto, como dois náufragos que a enchente poupou. O nível da água baixou, as ondas se foram. Eles parecem ter sobrevivido com lucidez. Será? Quando George cantarola a Martha a paródia da canção infantil ("quem tem medo do lobo mau?") que ela própria usou para provocá-lo, "quem tem medo de Virginia Woolf?", ela responde: "eu tenho".

Uma das hipóteses para o significado do título deste filme de Mike Nichols, e que pontua o agressivo diálogo entre George, Martha e seus convidados, é a relação com a saúde mental da escritora inglesa Virginia Woolf. As angústias e a fragilidade de Virginia podem ser vistas no filme As horas (2002), de Stephen Daldry. O trauma do abuso sexual sofrido na infância, o desequilíbrio mental e os tratamentos impostos a ela por conta disso acabaram por levá-la ao suicídio, em 1941. Junto com James Joyce (e há quem torça o nariz para isso), Virginia Woolf é considerada um dos expoentes do modernismo literário do século XX. E a característica mais marcante da sua obra é, justamente, o fluxo de consciência.

A fragilidade da mente de Virginia não impediu que ela escrevesse muito, tanto em ficção como na crítica literária e da sociedade em que viveu. Seu ponto de vista e suas argumentações são muito lúcidas, pertinentes e realistas. Talvez por refletir e se posicionar com naturalidade sobre diversos assuntos, Virginia também tenha se sentido à vontade para fazer seus personagens pensarem. Daí a presença marcante desse fluxo de consciência, perceptível somente ao leitor, como se você pudesse ler a mente daquela pessoa imersa em pensamentos na sala de espera do médico.

Em As ondas, na 2ª edição pela Nova Fronteira (2004) e com tradução de Lya Luft, o fluxo de consciência chega ao ponto máximo na obra de Woolf. O livro retrata a vida de seis pessoas através de seus pensamentos. Como não poderia deixar de ser nessas condições, é extremamente denso e subjetivo. Para apresentar as reflexões de cada um deles, Virginia usa metáforas e descrições em abundância, a ponto de o livro ser considerado quase que uma prosa poética, ou uma poesia em prosa. Um recurso que enriquece a narrativa, mas que torna a leitura difícil. Não é um livro que se pegue despreocupadamente para preencher horas de lazer. É preciso concentração e disposição para conseguir acompanhar o tênue fio de narrativa que perpassa os pensamentos da maternal Susan, da fútil e sensual Jinny, da insegura e complicada Rhoda, do deslocado australiano Louis, do homossexual atormentado Neville e do frustrado escritor Bernard, sempre em busca da frase e da história perfeita (Virginia?).

Apesar de sutil, a narrativa existe. O leitor pode perceber a passagem do tempo e seus efeitos na vida dos personagens a cada início de capítulo. As fases da vida são apresentadas metaforicamente através da posição do sol em relação ao mar, às ondas e à natureza, nos únicos momentos em que a narrativa é em terceira pessoa. Da escuridão que começa a se desvanecer com os primeiros indícios do sol até as sombras que cobrem a terra no final do dia, acompanhamos o desenrolar da vida de cada um deles.

Os primeiros diálogos, correspondentes à infância, são mais curtos e falam de coisas simples - uma folha, um inseto, as roupas no varal. À medida em que o sol percorre sua trajetória diária, a linguagem mais profunda e complexa e a duração das reflexões representam o crescimento, a vida adulta, a maturidade e a velhice. Com esse desenvolvimento crescem também as angústias no coração de cada um. Não sei se é bem por isso que, em meio às belas descrições de sol, céu, mar e ondas de cada início de capítulo, Woolf acrescenta um elemento estranho, meio assustador: "a besta acorrentada pateia na praia". Essa besta presa seria o que cada um prende dentro de si de mais terrível, soltando apenas no seu fluxo de consciência?

Quando estava refletindo sobre Virginia e As ondas, não consegui deixar de pensar no filme de Mike Nichols. A hipótese de que o título refira-se ao medo que os personagens têm de se tornarem insanos como a escritora é possível. No entanto, me parece que a relação está mais na insanidade de se falar exatamente o que se pensa. É o que acontece com Martha e George. É só no final, depois de ter dito tudo, que Martha percebe o perigo do rio caudaloso desse fluxo de consciência exposto. No caso dela, a besta que pateia na praia soltou-se. Quando ela assume, no final do filme, que tem medo de Virginia Woolf, talvez queira dizer que tem medo dos estragos causados pela fúria da sua besta interior. Afinal, quem alguma vez já disse exatamente tudo o que pensa sabe o preço que se paga por abrir as comportas do seu fluxo de consciência.

Para ir além






Adriana Baggio
Curitiba, 7/7/2005

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