O abismo olhou | Rafael Lima | Digestivo Cultural

busca | avançada
64349 visitas/dia
2,9 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Arsenal da Esperança faz ensaios de teatro com moradores em situação de rua
>>> Vem pra Feira do Pimp Estoque: Economia Circular com catadoras, catadores e artistas!
>>> Companhia de Danças de Diadema apresenta Nas Águas do Imaginar no Brincando na Praça
>>> Projeto cultural ensina adolescentes de Uberlândia sobre alimentação saudável
>>> MAS.SP exibe mostras de Presépios em comemoração ao Período Natalino
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
>>> The Nothingness Club e a mente noir de um poeta
>>> Minha história com o Starbucks Brasil
>>> O tipógrafo-artista Flávio Vignoli: entrevista
>>> Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar
>>> Olimpíada de Matemática com a Catarina
>>> Mas sem só trapaças: sobre Sequências
>>> Insônia e lantanas na estreia de Rafael Martins
Colunistas
Últimos Posts
>>> Temer fala... (2023)
>>> George Prochnik sobre Stefan Zweig (2014)
>>> Hoffmann e Khosla sobre inteligência artificial
>>> Tucker Carlson no All-In
>>> Keleti: de engenheiro a gestor
>>> LeCun, Bubeck, Harris e a inteligência artificial
>>> Joe Satriani tocando Van Halen (2023)
>>> Linger by IMY2
>>> How Soon Is Now by Johnny Marr (2021)
>>> Jealous Guy by Kevin Parker (2020)
Últimos Posts
>>> Sarapatel de Coruja
>>> Culpa não tem rima
>>> As duas faces de Janus
>>> Universos paralelos
>>> A caixa de Pandora do século XX
>>> Adão não pediu desculpas
>>> No meu tempo
>>> Caixa da Invisibilidade ou Pasme (depois do Enem)
>>> CHUVA
>>> DECISÃO
Blogueiros
Mais Recentes
>>> É Julio mesmo, sem acento
>>> O Tigrão vai te ensinar
>>> O que não me mata, me fortalece
>>> A Caixa de Confeitos
>>> Não é assim um smartphone
>>> Cavernas e Concubinas
>>> A universalidade de Anish Kapoor
>>> Um texto com esmalte vermelho
>>> Como esquecer um grande amor
>>> Blogues: uma (não tão) breve história (III)
Mais Recentes
>>> Livro De Bolso Literatura Estrangeira O Evangelho Segundo Jesus Cristo de José Saramango pela Companhia De Bolso (2023)
>>> Livro Capa Dura Infanto Juvenis Quatro Gatos Serelepes Abc... Meus Primeiros Passos na Leitura e na Aprendizagem de Malgorzata Strzalkowska pela Salvat (2011)
>>> A Cozinha Rápida De Ana Maria Braga de Ana Maria Braga pela Agir (2012)
>>> Revista Veja Campeão da América Palmeiras Junho 1999 de Abril pela Abril (1999)
>>> The Elephant Man de Tim Vicary pela Oxford University Press (2008)
>>> Antologia do Humor Russo (1832 - 2014) de Arlete Cavaliere pela 34 (2018)
>>> Livro Infanto Juvenis Se essa Rua Fosse Minha de Eduardo Amos pela Moderna (1992)
>>> Livro Didático Teláris Português 9 de Ana Trinconi pela Ática (2019)
>>> Livro Pedagogia A Pesquisa Em Educação e as Transformações do Conhecimento de Ivani Catarina Arantes Fazenda pela Papirus (1997)
>>> Uma História dos Povos Árabes de Albert Hourani pela Companhia das Letras (2001)
>>> Cultivo das Emoções de Marlon Reikdal pela Ebm (2015)
>>> Extraordinário de R. J. Palacio pela Intrínseca (2017)
>>> Livro Infanto Juvenis A Casa na Arvore de Tino Freitas e Lucia Brandao pela Melhoramentos (2016)
>>> Livro Música Coragem para Sonhar Nossa Vida Como One Direction de Harper Collins pela Prumo (2012)
>>> Cozinha Passo a Passo de Keda Black pela Larousse (2009)
>>> Frankenstein de Mary Shelley pela Oxford University Press (2008)
>>> Livro Infanto Juvenis o Boi Espácio de Luiza de Teodoro pela Demócrito Rocha (2002)
>>> Livro Ensino de Idiomas Speakout Advanced Students Book Always Learning de Antonia Clare, Jj Wilson pela Pearson (2016)
>>> Possessão de A. S. Byatt pela Companhia das Letras (1992)
>>> Livro Linguística Coesão E Coerência Textuais Série Princípios de Leonor Lopes Fávero pela Ática (1999)
>>> O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil de Darcy Ribeiro pela Companhia de Bolso (2006)
>>> Getting Past Your Breakup de Susan J. Elliott pela Da Capo Lifelong Books (2009)
>>> The Complete Novels of Jane Austen de Jane Austen pela Wordsworth (2007)
>>> Livro Infanto Juvenis Bumba Boi de Fabiana Ferreira Lopes pela Comboio de Corda (2011)
>>> Livro Literatura Estrangeira Verônica de William Kennedy pela Francisco Alves (1986)
COLUNAS >>> Especial Terror nos EUA

Terça-feira, 18/9/2001
O abismo olhou
Rafael Lima
+ de 3200 Acessos



Não era nem um pássaro nem o Super-Homem o que cruzou os céus de Manhattan baixo demais para ser um objeto não identificado: era um avião, mesmo, a se espatifar contra uma torre do World Trade Center. Desabamento. Reação imediata: pânico. O que acontecera era tão inconcebível que dava vontade de procurar o Godzilla se escondendo atrás de algum prédio, pelas câmeras da CNN. As primeiras demonstrações das autoridades internacionais eram de choque. O lábio inferior de Arafat tremia de medo. Claro, ninguém assumia a responsabilidade - numa hora daquelas significaria declaração de guerra. Até o Fidel espertamente demonstrou sua reprovação. Depoimentos chocantes tomavam conta de várias páginas na internet, narrados em tempo real. Na verdade, a guerra já tinha sido declarada declarada; só faltava identificar o inimigo. O presidente Bush, enquanto isso, encontrava-se em algum lugar da Flórida.

* * *

O enorme número de ironias envolvendo o incidente me espantou desde o início. Por exemplo, os engenheiros com quem trabalho imediatamente ressaltaram a eficiência com que o sequestro foi conduzido. Deformação profissional, claro, de gente acostumada a buscar sempre a melhor solução, mas a eficiência sempre foi um dos abre-alas fundamentais dos Estados Unidos. Depois do ataque ao prédio 1 do WTC, funcionários do prédio 2 correram para o saguão do 76º. andar, onde a segurança avisou que todos deveriam voltar ao trabalho por se tratar de um problema no outro prédio, como contou o Cris, acabando por expôr os trabalhadores por conta de um desses procedimentos de segurança... A dificuldade dos EUA em identificar o provável autor do atentado, não por ser difícil imaginar um provável suspeito, mas porque a lista podia ser grande demais e e o que é pior, talvez a imensa logística necessária apontasse para a prata da casa: a turma do Tim McVeitch, um Unabomber desses, e por aí vai. Em seu discurso da noite, Bush falou em "our great nation", falou que "derrubaram a fundação de um prédio, mas não abalaram as fundações deste país", falou em "caçar e punir os culpados", enfim a eterna retórica de arrogante xerife e auto-proclamado dono do mundo, o mesmo comportamento ao qual é lugar comum se atribuir o ódio e o rancor dos menos favorecidos, dos excluídos, dos losers. Falou grosso, mas na hora do bombardeio estava escondido em alguma base militar de Nebraska. Em cada encadeamento de idéias a estreita relação de causa e efeito parecia querer gritar seu nome, para explicar porque aquilo tudo ocorrera.

* * *

Não consigo deixar de imaginar o ocorrido em 11 de setembro sem deixar de pensar num assalto de sinal em que o pivete acaba matando o dono do carro importado, com proporções mundiais. Claro que a comparação não é muito boa, porque raramente o pivete está movido por ideologia ou religião, e é preciso bem mais do que desespero para tomar um Boeing inteiro — um não, quatro - de refém. O atentado foi o sinal dos tempos, foi a primeira invasão de Roma pelos bárbaros, a primeira estátua quebrada. O início da queda do império... americano. E aqui abro espaço para uma rápida digressão acerca da natureza dos impérios.

* * *

Nos últimos 500 anos — e essa estimativa é muito modesta — todos os grandes impérios que se ergueram o fizeram calcados no poderio militar. Nesse período, e em provavelmente qualquer um anterior a ele, todas as civilizações que apareceram sem força ou conquistas militares, em determinado momento a meio caminho de sua história foi subjulgada, talvez por uma civilização não mais organizada ou desenvolvida cientificamente, porém, certamente, com maior poderio militar. Com muito esforço dá para encontrar talvez na Índia, talvez alguma civilização pré-colombiana que tenham aflorado sem o objetivo primeiro da conquista do território estrangeiro, mas nenhuma dessas progride o suficiente para que chegue a entrar na História. O que acontece é que ela ou é destruída ou incorporada por um conquistador, perdendo, neste processo, as suas características próprias. E aqui se encerra essa digressão.

* * *

Com o império norte-americano não foi diferente. Porque se o american way of life foi a maior invenção do século XX, se o cinema foi a maior indústria de exportação do planeta, se seus bens de consumo se tornaram padrão de qualidade em todo o mundo, resta lembrar que com uma bomba atômica debaixo do braço e um pelotão de fuzileiros navais na mão é mais fácil vender essas coisas. Atribuir apenas à excelência econômica a influência norte-americana no mundo é esquecer a miríade de ditadores que ajudaram a espalhar ao redor do mundo, do sudeste asiático à África e América Latina, à base de força militar e apoio econômico, durante o período da Guerra Fria e antes, a fim de garantir mercados potenciais que poderiam ser perdidos para o bloco socialista da União Soviética. Antes que venham a me interpretar errado, aviso que listar as atitudes norte-americanas reprováveis não é de maneira alguma justificativa o ato terrorista que se cometeu contra a maior cidade do mundo; o objetivo aqui é mostrar como o comportamento de um império que sempre caracterizou os USA. Além do que, terrorismo não tem justificativa. Justificativa é o nome que se dá quando se diz que jogar duas bombas atômicas em alvos civis no Japão era explicável para evitar a morte de mais soldados - e depois se vence a guerra.

* * *

Mas essa guerra, não a grande guerra dos cachorros grandes, donos de arsenal atômico, mas a pequena guerra, da convivência entre opostos, a travada dia a dia no cotidiano civilizado, essa parece cada vez mais perdida. Não que estivesse perto de ser ganha, embora o estado de Paz armada da Guerra Fria, ou de Pax Americana, depois que o muro de Berlim ruiu, nos enganasse satisfatoriamente com sua impressão de segurança, pelo respeito a certos limites. Mas os assaltantes estão nos sinais de trânsito, os canibais estão na sala de jantar, e os terroristas derrubam os maiores prédios do mundo. É um daqueles pontos de inflexão, um daqueles momentos singulares em que a História se olha no espelho e se pergunta a que ponto sua coerência a levou, afinal, os vencedores continuarão tendo o direito de escrevê-la e os cidadãos comuns continuarão achando que essa é a única e intransponível verdade. É num momento desses que Mister Kurtz questiona a moralidade de seus atos no meio da selva. É quando se olha para o abismo, e o abismo olha de volta. É quando alguém grita que o rei está nu.

* * *

Mas Bush já convocou a cavalaria enquanto gira os Colts 45, carregados de balas atômicas nos dedos. Pela internet os apelos populares se mutliplicam pedindo vingança, retaliação, destruição, até extermínio do inimigo. O mundo, assustado pela falta de segurança que o terrorismo cria, parece ratificar as ações mais radicais norte-americanas. Não é muito difícil imaginar qual caminho será o escolhido. De novo.

* * *

Viagra
Entreouvido de um dos populares, em frente a uma dessas lojas de eletrodomésticos que deixam as televisões ligadas para atrair o público, durante as cenas de destruição:
- Eu bem que vinha dizendo que os Esatdos Unidos estavam se tornando em uma potência fraca...

Botinadas
Nem todo mundo percebeu que entre os palestinos que apareceram comemorando o atentando, havia um garoto com a camisa da seleção brasileira, número 9. Já andam dizendo por aí que, dado o nível de violência do esquema tático, Felipão anda pensando em convocá-lo ("Vai lá, agarra o Zidane e depois puxa o pino da granada!")


Rafael Lima
Rio de Janeiro, 18/9/2001

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Pokémon Go, você foi pego de Luís Fernando Amâncio
02. Submissão, oportuno, mas não perene de Guilherme Carvalhal
03. Quem é o abutre de Marta Barcellos
04. Alcorão de Ricardo de Mattos
05. Humor x Desamparo de Carla Ceres


Mais Rafael Lima
Mais Acessadas de Rafael Lima em 2001
01. Charge, Cartum e Caricatura - 23/10/2001
02. O Tigrão vai te ensinar - 12/3/2001
03. A diferença entre baixa cultura e alta cultura - 24/7/2001
04. Sobre o ato de fumar - 7/5/2001
05. Um álbum que eu queria ter feito - 6/11/2001


Mais Especial Terror nos EUA
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Aluísio Azevedo Vida e Obra (1857-1913)
Jean Yves Mérian
Inl
(1988)



Profecia e Poder na Igreja Reflexões para Debate
Luiz Carlos Araújo
Paulinas
(1986)



A Turma da Rua Quinze - Série Vaga-lume
Marçal Aquino
Ática
(1999)



O Guardião
Nicholas Sparks
Arqueiro
(2013)



Investigação Científica na Área Médica
Álvaro Oscar Campana
Manole
(2001)



Planejamento Estratégico
Mauro Calixta Tavares
Harbra Business
(1991)



Não Se Apega, Não
Isabela Freitas
Intrínseca
(2014)



Perdas e Ganhos
Lya Luft
Record
(2004)



A Idade da Paixão
Rubem Mauro Machado
José Olympio
(1985)



Antes que a terra fuja
Julieta de Godoy Ladeira
Moderna
(2011)





busca | avançada
64349 visitas/dia
2,9 milhões/mês