A vida que cabe num cubículo | Marta Barcellos | Digestivo Cultural

busca | avançada
83554 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Drama da pandemia em Manaus é tema da peça Desassossego
>>> 14º Rio Festival Internacional de Cine LGBTQIA+
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Fim dos jornais? Desconfie
>>> Blogwise
>>> Site de Rafael Sica
>>> Reid Hoffman por Tim Ferriss
>>> Suspense, Crimes ... e Livros!
>>> Entrevista com Chico Pinheiro
>>> Mi casa, su casa
>>> Produtor Cultural Independente
>>> Descobrindo David Goodis
>>> Somente para quem quiser (souber?) sonhar
Mais Recentes
>>> O Colapso do Universo de Isaac Asimov pela Círculo do Livro (1987)
>>> Revista Refundar a IV Internacioanl - Janeiro 2001 de Vitoria Classista Na Associaçao de Pos Graduaçao da Usp pela Do Autor (2001)
>>> Aforismos Para A Sabedoria da Vida de Arthur Schopenhauer pela Melhoramentos (1953)
>>> Biblia Sagrada - Ediçao Contemporanea de João Ferreira de Almeida pela Vida (1990)
>>> Revista Ante A Luz da Verdade nº 63 Novembro 1965 de Francisco Cândido Xavier - Waldo Vieira pela Grupo Espirita Emmanuel (1965)
>>> O Adeus da Academia a Machado de Assis de Rui Barbosa pela Casa de Rui Barbosa (1958)
>>> Matemática Aplicada a Vida nº 03 - Prandiano de Aguinaldo Prandini Ricieri pela Prandiano (1991)
>>> São Luís: Alma E História de Albani Ramos pela Instituto Geia (2007)
>>> Arte Moderna de Giulio Carlo Argan pela Companhia Das Letras (1992)
>>> 100 Fabulas Fabulosas de Millor Fernandes pela Record (2003)
>>> Neuromancer de William Gibson pela Editora Aleph (2016)
>>> Hollywood de Charles Bukowski pela L&pm (2001)
>>> Bia na África (2º Edição - 6º Impressão) de Ricardo Dreguer; Thiago Lopes pela Moderna (2020)
>>> Seita: O Dia Em Que Entrei Para Um Culto Religioso de Paula Picarelli pela Planeta (2018)
>>> Os Quatro Compromissos de Don Miguel Ruiz pela Best Seller (2019)
>>> Comunidade Que Vem de Giorgio Agamben pela Autêntica (2013)
>>> Esta Casa E Minha (2º edição - 1º impressão) de Ana Maria Machado pela Moderna (2022)
>>> Como Analisar Narrativas de Cândida Vilares Gancho pela Atica (2006)
>>> Os Amigos de Kazumi Yumoto pela Martins Fontes (2000)
>>> Emma de Jane Austen pela Bestbolso (2011)
>>> Barba Ensopada De Sangue de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2012)
>>> Gênio Obsessivo de Barbara Goldsmith pela Companhia Das Letras (2006)
>>> Faz Muito Tempo (1º impressão) de Ruth Rocha; Helena Alexandrino pela Salamandra (2019)
>>> Clarice Bean Tem Um Problema de Lauren Child pela Ática (2005)
>>> Brasil: Terra À Vista! de Eduardo Bueno pela L&pm (2017)
COLUNAS

Sexta-feira, 7/5/2010
A vida que cabe num cubículo
Marta Barcellos
+ de 4700 Acessos
+ 1 Comentário(s)


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

Fila da xerox. Como mais de duas décadas se passaram, eu esperava por impressões mais relevantes na minha volta aos bancos universitários. Mas tudo o que consigo pensar, em relação à pós-graduação iniciada na PUC, é na fila da xerox. Antes da aula, depois da aula, na hora do lanche, é preciso enfrentar o tumulto semiorganizado no qual estudantes brigam por capítulos impressos on demand. Igualzinho aos meus tempos de ECO/UFRJ, embora as lembranças estivessem enfurnadas em algum daqueles compartimentos inteligentes da memória que engavetam o que deverá ser inútil para sempre.

É assim que vou retocando, com tons em preto e branco (xerox colorida é mais cara), a imagem construída por mim em torno do conhecimento acadêmico, que se contrapunha à superficialidade do jornalismo que me permitiu deslizar com tanta velocidade por todos estes anos. Pois tinha esquecido o quanto podemos ficar mais sábios lendo capítulos ― não necessariamente livros.

Talvez influenciada pela redescoberta dos capítulos avulsos, em vez de me aprofundar na questão acadêmica minha atenção se voltou ao cubículo onde todo o saber é organizado, reproduzido e distribuído na universidade. Que Wikipédia que nada. Bibliotecas digitalizadas? Esqueça. Kindle, iPad, nada disso parece ameaçar o negócio frenético da salinha onde as copiadoras trabalham sem cessar, onde o máximo de tecnologia é a ordenação automática por páginas, onde arquivos de ferro com pastas suspensas guardam todo o conteúdo necessário para a próxima aula, o ponto de partida de monografias, dissertações e teses que serão aprovadas com louvor.

A fila só fazia aumentar, e imaginei que outros pontos para fotocópias no campus também estariam lotados naquele horário. Pensei no gargalo da infraestrutura no país, para rir sozinha da comparação que ninguém entenderia. Não estava mais entre jornalistas econômicos. Acabara de fazer uma matéria sobre investimentos em infraestrutura e agora precisava xerocar dois contos de Machado de Assis; que vida interessante ando levando, pensei. A senhora que opera a copiadora confirmou que não, eles não podem xerocar um livro inteiro, a estudante de saia comprida não insistiu, e descobri com alguma surpresa que o conceito de direito autoral ainda vinga por ali. Capítulos sim, livros não ― a mesma regra que se tenta emplacar na Web em relação a degustações (sim) e obras inteiras (não). Sem muito sucesso.

Finalmente encostei no balcão, e me vi impactada pela claustrofobia que não deveria ser minha, mas dos três funcionários que se contorciam dentro do cubículo. No ritmo das copiadoras, eles encontravam as pastas, apertavam botões, entregavam calhamaços de papel, recolhiam dinheiro, devolviam moedas. No entanto, pareciam bem. Não propriamente felizes, mas acostumados. Talvez, depois do horário de pico entre um turno e outro da faculdade, a vida tivesse outra mecânica, e a única claustrofóbica ali fosse eu.

Uma pessoa pode se acostumar a passar seis horas diárias dentro de um elevador, como já observei atentamente no prédio em que trabalho. Tentei, em certa ocasião, puxar assunto com o ascensorista mais simpático, inexplicavelmente alegre, mas percebi minha total incapacidade de compreender o seu ponto de vista. O ponto de vista de quem está dentro, não do lado de fora do balcão, esperando impaciente porque já está atrasado para a aula.

Foi esta perspectiva, nova para mim, que me proporcionou o cineasta francês Alain Cavalier quando fui assistir aos cinco retratos de mulheres apresentados por ele durante a mostra de documentários "É tudo verdade", que aconteceu no Rio e em São Paulo durante o mês de abril. Com uma generosidade e uma delicadeza na abordagem que me fizeram lembrar o brasileiro Eduardo Coutinho (que filmou seus melhores documentários depois desses Retratos de Cavalier, de 1987), o francês consegue descobrir poemas inesperados dentro de pastas suspensas, escondidas em arquivos de ferro que habitam cubículos claustrofóbicos apenas aos desacostumados. Como na sala de xerox da faculdade de Letras. Começando por suas mãos calejadas, ele desnuda a poesia contida na vida de mulheres que há décadas se dedicam aos ofícios de fazer colchões, limpar banheiros, montar vitrais, escrever romances e examinar olhos. Tudo artesanalmente. Tudo de dentro de seus claustros repletos da vida que cabe neles.

O olhar privilegiado de Cavalier nos mostra que a luz artificial é suficiente para a senhora que há vinte anos toma conta de um banheiro no subsolo de um restaurante parisiense. Em uma mesinha, ao lado da caixa das gorjetas, uma planta consegue crescer em um pequeno vaso. Sem reclamar. Acostumada. Imediatamente lembrei de meu espanto ao encostar os dedos em outra planta improvável, também em um subsolo. Não era de plástico. A costureira, que tinha uma feição parecida à daquelas mulheres francesas, como elas não chegou a se orgulhar. Apenas regava todo dia, e a planta crescia.

E assim percebo que a minha vida interessante, entre o jornalismo e as letras, não tem um significado maior ou menor por não caber dentro de um cubículo. Guardadas as proporções, cada qual conhece a dor e a delícia de ser o que é.

Nota do Editor
Marta Barcellos mantém o blog Espuminha de leite.


Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 7/5/2010

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Existem vários modos de vencer de Fabio Gomes
02. Metallica e nostalgia de Luís Fernando Amâncio
03. Um teatro que foge do óbvio de Guilherme Conte


Mais Marta Barcellos
Mais Acessadas de Marta Barcellos em 2010
01. Com ventilador, mas sem educação - 12/3/2010
02. Palmada dói - 6/8/2010
03. A suprema nostalgia - 15/10/2010
04. Pelas mãos habilidosas dos grandes escritores - 17/9/2010
05. O futuro do ritual do cinema - 9/4/2010


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
24/5/2010
08h47min
Na correria do dia-a-dia, dentro do cubículo de minhas rotinas, nunca tinha lido esta coluna e gostei bastante, talvez por também ter passado por essa rotina de fila de xerox na PUC, vários anos atrás.
[Leia outros Comentários de ARTUR]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Nossa Vida de Imigrantes no Brasil 1941-1983
Ilza Czapsks
Do autor
(1983)



Livro Purchasing Business Library Series
Michael Harding, Mary Lu Harding
Barron's Educational Series
(2001)



A Profecia de Instambul
Alberto S. Santos
Porto
(2010)



Organon Nº 56, Vol 29 - Latim Ontem e Hoje
Alexandra de Brito Mariano; Outros
Ufrgs
(2014)



Não Esqueça
Carol Façanha
Caligari
(2020)



Protocolos e Aplicações para Redes de Computadores
Claude Falbriard
Erica
(2002)



As Marcas Diabólicas
Douglas Preston, Lincoln Child
Rocco
(2008)



Essays on the Pastoral Problems of the Catholic Church in the World
Irenaeus Rosier
Institutum Carmelitanum
(1954)



Nossos Pais Nos Contaram
Marcelo de Barros Souza
Vozes
(1984)



Pensão Riso da Noite: Rua das Mágoas(Cerveja, sanfona e amor)
José Condé
Círculo do Livro
(1975)





busca | avançada
83554 visitas/dia
1,7 milhão/mês