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Segunda-feira, 14/1/2002
Sonho francês
Arcano9
+ de 3700 Acessos


Ontem à noite, quando a onda de frio congelante dos últimos dias já havia passado e tudo o que havia sobrado dela em Londres foi um céu carregado e uma garoa ocasional, eu vi uma garota chorar no ônibus. A cena me chamou a atenção porque há pouco tempo eu havia visto a mesma menina conversando simpaticamente com o motorista, perguntando se o ônibus passava perto da estação Cyprus do Docklands Light Railway. Conversando com o motorista, ela me atraiu. Tinha um chapeuzinho desses de pele, para o frio, e usava um sobretudo cinza escuro. Estava com um batom cor de rosa e tinha um rosto expressivo, alegre, e um corpo esguio, magro mas com curvas sapecas. Torturado pela minha própria incapacidade de puxar qualquer papo, afundei meus olhos no livreto de um CD que eu havia comprado. Agora, agora ela estava chorando. E então, então eu olhei de novo para ela. A garota estava com o celular na mão, ele não havia tocado, mas pensei rapidamente que o motivo do choro devia ser a briga com algum namorado, que havia ligado para ela, ou sei lá. O choro começou a me fazer mal, não porque ele fosse desagradável, mas porque eu não sabia o que fazer para ajudar a menina. Sim, quis ajudá-la, quis fazer alguma careta para que ela parasse de chorar, fazer-lhe cócegas no sovaco, qualquer coisa. Queria ajudá-la. Mas como fazer isso sem que ela pensasse que eu estava tentando flertar com ela, me aproveitar de sua fragilidade transitória? Quem sabe se eu fizer um gesto paternal, como, por exemplo, tocar em sua cabeça e dizer "não chora"? E que tal eu simplesmente perguntar se ela está bem, sem tocá-la? A menina chorava e minha angústia aumentava.

E meu ponto chegou. E eu desci do ônibus. E eu não pude ajudar a menina.

As pessoas têm uma tendência, todas elas, para a depressão. A pensar que as coisas são sérias demais. Você não acha? Pois eu não poderia concordar mais com isso. Queria ver todas as pessoas felizes, inocentemente felizes, felizes com coisas bobas, como o fato do tempo estar mais quente hoje do que estava ontem, ou porque comeram um bom curry no almoço, ou viram um bom filme.

Aí veio à minha cabeça que a menina do ônibus lembrava um pouco minha nova namorada imaginária, Audrey Tautou, a estrela de O Fabuloso Destino de Amélie Poulin (foto acima). Vi o filme antes do ônibus, as cenas de Audrey e eu nos abraçando de modo inocente martelavam em minha cabeça.

O filme, que só estréia no mês que vem ai no Brasil, deve ser o bicho papão deste ano no Oscar, na categoria melhor filme estrangeiro. Não acho que vai dar para Abril Despedaçado, de Walter Salles, ou O Quarto do Filho, o italiano sucesso em Cannes, ou o indiano Monsoom Wedding. O Fabuloso Destino de Amélie Poulin reúne todos os ingredientes para agradar, nem que seja um pouquinho, mesmo o crítico mais travado em suas idissincrasias racionais. Amélie, a do título, é uma menina tímida, que cresce sem o contato físico do pai ou a amizade de garotos e garotas de sua idade. Isolada do mundo em sua casa, ela desenvolve uma suculenta imaginação, tão linda, tão única. Ela cresce e se muda para Paris, passando a trabalhar num café em Montmartre. Lá conhece personagens radicalmente esteoreotipados - a vendedora de cigarros hipocondríaca, o cliente com manias esquisitas, a vizinha que sonha com o marido que já morreu. E um dia, de dentro de seu universo de solidão inconsútil, Amélie é tocada pelo destino e decide ajudar essas pessoas. Para a vizinha que sonha com o marido, decide falsificar uma carta do finado marido, em que ele reafirma seu amor eterno; para a hipocondríaca e o cliente problemático, age como cupido, unindo os dois e patrocinando uma bela trepada no banheiro do café, com direito à barulheira que um observador atento vai reconhecer de outro filme, Delicatessen. Delicatessen, por sinal, é do mesmo diretor de Amélie, Jean-Pierre Jeunet, que também fez Aliens, a Ressurreição, e Ladrões de Sonhos. São filmes bastante diferentes, mas todos ecoam uma característica comum: a fascinação de Jeunet em construir um universo à parte, baseado na realidade, e povoá-lo com arquétipos. No caso de Amélie, Jeunet edificou uma autêntica fábula contemporânea. Só o sorriso de Tautou e seus olhões expressivos parecem ser algo sobrenatural, como se houvessem sido enfeitiçados e fossem enfeitiçantes. Os efeitos visuais intensificam esse feitiço em diversos momentos-chave. Amélie se desfaz como se fosse água em uma cena; em outra, o seu abajour em forma de porquinho fala. São pequenas coisas, tão infantis, tão lindas, que criam um encanto que, segundo a crítica, aqui na Grã-Bretanha, caem bem para quem gosta de doces.

Estranho o cinema francês. Pariu Jean-Luc Godard e sua cabalística visão da realidade, e pariu cineastas doces, delicados, inspirados em Auguste Renoir. Este ano, o fascínio do mundo pela França está vivendo um auge que eu não me recordo de ter visto. Amélie não está sozinha na defesa do azul, banco e vermelho. Lembre-se que outra instituição de Montmartre, o Moulin Rouge, tem tudo para ganhar vários Oscars. O Moulin Rouge e sua sobreposição excessiva e maravilhosa de cores, cantos e danças. Moulin Rouge em seu excesso de luxúria, de socialização de seus personagens, de tragédia, pode ser considerado um curioso contraponto de Amélie neste ano - Amélie que tem suas cores fortes, mas que brilham quase sem se misturar umas com as outras. Esse pensamento em relação às cores talvez pudesse ser aplicado às duas atrizes principais. Nicole Kidman foi votada pela revista Time Out aqui de Londres a "sereia" do ano. Não é à toa, a mulher esteve em todas em 2001. Concorre ao Globo de Ouro, no domingo que vêm, por seus papéis em Moulin Rouge e The Others; não saiu dos tablóides, devido à sua separação de Tom Cruise e, de quebra, canta o hit que ficou no topo da parada aqui da Grã-Bretanha no Natal, Somethin' Stupid, em companhia de Robbie Williams. A estrela de Amélie, Audrey Tautou, aparenta ter grande talento e brilhou com o seu único papel conhecido até hoje no cinema (ela também fez Le Battement d'Ailes du Papillon, de 2001, e Vénus Beauté Institut, de 2000, mas acho que eles não contam, porque ninguém viu). Mas trata-se de uma estrela que não se socializa. Não a vejo nos jornais, nos tablóides. Até pela barreira da língua (Tautou ainda não fala muito bem o inglês), ela ficou um pouco à margem. Apesar do sucesso inegável dos seus olhos e do seu filme, aqui, nos Estados Unidos, na França e, em breve, no Brasil. Engraçado, me peguei agora fazendo o seguinte paralelo - Nicole Kidman é como uma Rita Hayworth, com seu cabelo vermelho e sua luxúria palpitante; Audrey Tautou é como sua chará Hepburn - e certamente você vai concordar comigo que as duas tem uma aura muito parecida de virgindade angelical. Quase que posso ver Tautou beijando seu namorado ao som de Moon River em Breakfast at Tiffany's. Ah, sublime. Outra semelhança que chama a atenção é a que Amélie tem com o bicho-papão do Oscar do ano passado, O Tigre e o Dragão. É claro que não estamos falado do roteiro das duas produções, mas veja só que coisa: O Tigre e o Dragão foi feito por Ang Lee, um diretor chinês que já havia feito alguns filmes em Hollywood. Mas, no caso de O Tigre... o diretor decide voltar à sua língua-mãe e apostou numa história cheia de fantasia. Jean-Pierre Jeunet também tem um curriculo trabalhando em língua inglesa, mas voltou a seu francês para fazer Amélie, um filme que também não é nenhum documentário histórico. Hummmm...

No filme, Amélie se diz feliz ao ver as caras das pessoas numa sessão de cinema, assistindo o filme. Eu também, eu fico feliz em ver rostos felizes e em retornar ao ônibus, ao mesmo ônibus, à leitura do livreto que veio com o meu CD. De repente, eu noto que a garota ao meu lado começa a chorar. Ela é linda, e seu choro me incomoda, porque eu não quero vê-la chorar. Meu coração bate mais forte. Falta ainda muito até meu ponto chegar, e eu sinto que, se não ajudá-la, se não conversar com ela, vou ficar com isso martelando na minha cabeça. Mas como fazer para que ela não pense que estou flertando com ela?

Não sei.

Sento-me ao seu lado. Pergunto casualmente seu nome. Anne-Marie ri depois de uma piada boba que eu invento na hora. Parece ter esquecido que seu rosto está vermelho e uma lágrima corre rapidamente em direção a seu queixo. Pergunto porque está chorando. Ela diz que tinha marcado de ir no cinema com o namorado. Na porta do cinema, quando ela já estava se perguntando por que o namorado estava atrasado, o celular toca. É ele. Ele se desculpa e diz que não dá mais. Pede um tempo. Um tempo da relação. Ela pergunta por que. Ele não responde. Ela pergunta se é outra mulher. Ele não responde. Ele desliga o telefone. Anne-Marie chora mais.

Eu pergunto se ela percebeu que está mais quente hoje do que ontem.



Arcano9
Londres, 14/1/2002

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