O Jagunço degolado | Wellington Machado | Digestivo Cultural

busca | avançada
69348 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> IA 'revive' Carlos Drummond de Andrade em campanha do Rio Memórias
>>> mulheres.gráfica.política
>>> Eudóxia de Barros
>>> 100 anos de Orlando Silveira
>>> Panorama Do Choro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
Colunistas
Últimos Posts
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
>>> All-In sobre as tarifas
>>> Paul Krugman on tariffs (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Road Warrior
>>> Leitura vertical
>>> Silêncio nas trevas
>>> Friedman, sem dúvida...
>>> Pieguice ou hipocrisia?
>>> A aquisição do Whatsapp, pelo Facebook, por 19 bilhões de dólares
>>> Qual é, afinal, a melhor idade?
>>> Caí na besteira de ler Nietzsche
>>> BBB, Zé Ramalho, Pitty, Iron Maiden e Nietzsche
>>> Great power, great responsibility
Mais Recentes
>>> Livro História Geral Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil de Leandro Narloch pela Leya (2011)
>>> D. Pedro Ii. O Defensor Perpetuo Do Brasil de Jean Soublin pela Paz & Terra (1996)
>>> Princípios De Economia de Carlos Roberto Martins Passos pela Cengage (2013)
>>> Livro Teoria Geral Do Processo de Antônio Carlos De Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco pela Malheiros (2002)
>>> Sailor: Um Sonho de Liberdade de Henrique Flory pela Arte e Ciência (1997)
>>> Livro Ciência Politica Em Brasília, 19 Horas de Eugênio Bucci pela Record (2008)
>>> Os Novos Tempos de Mokiti Okada pela Immb (1987)
>>> Amigo É Comigo de Ana Maria Machado pela Moderna (1999)
>>> Livro Manual De Direito Financeiro de Regis Fernandes de Oliveira; Estevão Horvath pela Revista dos Tribunais (2002)
>>> Quem disse que eu quero crescer? de Vinícius Caldevilla pela Quinteto (2003)
>>> Livro Curso Elementar De Direito Romano de Marky pela Saraiva
>>> A Senhora Dos Animais de Vinicius Caldevilla pela Quinteto (2002)
>>> Livro A Loucura De Hölderlin Crônica De Uma Vida Habitante 1806-1843 de Giorgio Agamben pela Âyiné (2021)
>>> Quase Memoria: Quase-romance de Carlos Heitor Cony pela Companhia Das Letras (1995)
>>> Livro Madalena Pipoca de Maria Heloísa Penteado pela Ática (1999)
>>> Oscar Schmidt de Odir Cunha pela Best Seller (1996)
>>> Livro Year Of Wonders de Brooks pela Penguin (2001)
>>> Livro Getting Beyond Better How Social Entrepreneurship Works de Roger L. Martin e Sally Osberg pela Harvard Business Review Press (2015)
>>> A Folha Dobrada: Lembranças De Um Estudante de Goffredo Telles Junior pela Editora Nova Fronteira (1999)
>>> Minha História Eu Mesmo Faço de Edson Gabriel Garcia pela Ftd (2002)
>>> Amor, Amor, Amor de Lúcia Fidalgo pela Global (1998)
>>> Livro Literatura Brasileira Mainá de Karina Buhr pela Todavia (2022)
>>> Livro A Moveable Feast de Ernest Hemingway pela Ernest Hemingway (1996)
>>> Seis Vezes Lucas de Lygia Bojunga pela Agir (1998)
>>> Livro Metazoa A Vida Animal e o Despertar da Mente de Peter Godfrey-Smith pela Todavia (2022)
COLUNAS

Quarta-feira, 6/5/2015
O Jagunço degolado
Wellington Machado
+ de 4800 Acessos

O Jagunço ficaria sem cabeça. Ele soube de tudo, viu tudo, mas a lembrança da terra quente e seca, dos pés encrostados, cairia com sua cabeça. Cairiam também as imagens da ossatura das montanhas ao longe, que produziam ecos de silêncio sem fim, sob o sol incolor de tanta luz refletida. O jagunço de tão fino não se destoava dos "arbúsculos quase sem pega sobre a terra escassa". Havia ali uma lagoa que há muito não produzia reflexo de tão ausente. Lagoa de memória. Uma água sedenta, que supriu boi, que virou carne deitada na poeira, boi-pó. O Jagunço passou ali e viu carcaça de chifres, mandacarus pelados e tristes. Era Monte Santo, sem chuva quase toda vida. Canudos atraiu o homem para a fome, a esqualidez. Um arraial labiríntico de pau, barro e pedras indiferentes. O Jagunço que viria a perder cabeça, desmemorizando-se, corria com desenvoltura no labirinto de Canudos. O sol era. Tão que fazia um soldado descansar imóvel no chão — por três meses qual boi seco. O milico era um restolho de uma batalha vencida pela jagunçada de Canudos, a primeira de uma série de muita gente que ia chegando para degolar a inocência. Jagunço travou combate, com raiva de chutar o soldado seco, mumificado e sem verme, espalhando a ossada inofensiva. Sola de pé de Jagunço é ferro com ferrugem; ignora espinho. Umbuzeiro é carne e água do sertão. O fruto umbu faz bem pro bucho, mantém a espera. O sertão empedra o solo, desnuda a flora sem deixar silhueta e vai abrindo fissura. Jagunço esfomeado revida na guerra. O sertão é salitre pra pólvora de bacamarte, que mira nas ventas dos soldados da república. É muita gente que vem. Jagunço não viu Euclides em reportagem, à espreita. Conselheiro aconselha rezar. Isso tudo é aquele lugar; mediações de Canudos. Assim é a TERRA.

Jagunço é mameluco, igual a qualquer outro jagunço do sertão. É tudo tudo igual ao igual. Difícil saber qual é um no igual. Jagunçada parelha em pele. É uma tropa "desgraciosa", gente torta no andar, desengonçados que dão ânsia de rir da miseragem. O Jagunço e a jagunçada sofrem da moléstia diária de "translação de membros desarticulados, postura abatida, humildade deprimente". O ser jagunço é cócoras o tempo todo quando em prosa. Dedão grande do pé dá conta do corpo. De tanto não dormir e pesar a vida de trabalho põe a juventude em rugas logo cedo. Mas o Jagunço que será desmemorizado em futuras degolanças faz fita de cansaço mas esconde forças nas entranhas. Transmuda-se e a cabeça se eleva atenta ao inimigo, "sobre ombros possantes, aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe numa descarga nervosa instantânea" contra as fardas que vêm das rugas da terra. É a guerra! Jagunçada é certeira; não desperdiça músculo. Não erra o gume mesmo na cegueira da luz que esmerila as retinas. Conselheiro aconselha rezar no pé dos oratórios das capelas erguidas por eles, jagunços mesmos, de humor mínguo. Jagunço não viu Euclides ao longe, em reportagem. Isso é aquele ser, o HOMEM.

Jagunço degolado em acontecer viu chegar gente de farda. Era muita gente da segunda vez. Canudos é formigueiro, não perdoa soldado no labirinto. Poeira é parceira. Vem cambada! Deixa a fome ser, pois Jagunço não perde força. Era pedregulho com salitre nas armas soltando fogo sem rumo. Enxofre prenuncia. Jagunço passa a foice. E veio mais gente de farda e as rezas cumpriram promessa com reforço das mulheres. Militar é faminto, não saber rasgar sertão e quedam pros matutos. Jagunço e jagunçada seguem conselho de rezar, de levantar igrejas com torres, de construir Canudos muitas vezes. As poeiras das batalhas não fazem tossir. E veio mais gente de milícia da cidade, pra mais de formigueiro. E veio mais farda com arma boa. E vieram balas dos canos urbanos. Balas de canhões brutos, de derrubar arraial. E veio mais gente sem dar pra contar mais de dor de perda. Tudo tombou em pó. Jagunço seguia conselho de rezar com os poucos jagunços de sobra. Canudos é o chão. O sol arde em tudo que escorre sangue. Euclides em reportagem. Jagunço esqueceu pra sempre no gume. Isso tudo é LUTA.


Wellington Machado
Belo Horizonte, 6/5/2015

Mais Wellington Machado
Mais Acessadas de Wellington Machado
01. O retalho, de Philippe Lançon - 6/5/2020
02. O poeta, a pedra e o caminho - 5/8/2015
03. A ilusão da alma, de Eduardo Giannetti - 31/8/2010
04. Enquanto agonizo, de William Faulkner - 18/1/2010
05. Meu cinema em 2010 ― 1/2 - 28/12/2010


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Flor Do Cerrado: Brasília
Miranda
Companhia Das Letrinhas
(2004)



Recomeçando Outra Vez: Reabilitação Precoce Após...
Manole Saude
Manole
(2014)



Oráculos De Maio
Adélia Prado
Editora Siciliano
(1999)



Como Curar Um Fanático
Amós Oz
Companhia das Letras
(2016)



A Imprensa de Esquerda e o Movimento Operário 1964-1984
Celso Frederico
Expressão popular
(2010)



Eva Luna
Isabel Allende
Editorial Sudamericana



O Anjo Está Perto
Deepak Chopra; Martin Greenberg
Rocco
(2001)



Dostoievski
Dominique Arban
José Olympio
(1989)



Hoje Acordei Gorda
Stella Florence
Rocco
(1999)



Encontro Entre Culturas - Conforme Nova Ortografia.
Maria Cristina Mineiro Scatamacchia.
Atual Didático
(2009)





busca | avançada
69348 visitas/dia
2,5 milhões/mês