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Terça-feira, 9/10/2018
O artífice do sertão
Celso A. Uequed Pitol
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Corria o 3 de dezembro de 1902. O crítico e ensaísta José Veríssimo, um dos mais respeitados da então incipiente cena literária do Rio de Janeiro, assinava uma coluna no jornal “Correio da Manhã” onde submetia à sua fina análise os últimos lançamentos editoriais brasileiros e portugueses, sempre lidos antes da publicação oficial. Um calhamaço de 637 páginas seria o objeto de apreciação naquele dia: intitulava-se “Os Sertões”, de autoria do engenheiro e jornalista Euclides da Cunha. Sobre ele, Veríssimo escreveu:

“(....) O livro do sr. Euclides da Cunha, ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um etnógrafo, ; de um homem de pensamento,um filósofo, um sociólogo, um historiador; e de um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza como ao contato do homem e estremece todo, tocado até ao fundo da alma, comovido até as lágrimas, em face da dor humana, venha ela das condições fatais do mundo físico, as secas que assolam os sertões do Norte brasileiro, venha da estupidez ou da maldade dos homens, como a Campanha de Canudos”.

O entusiasmo tão precoce, vindo de figura tão qualificada da intelligentsia nacional da época, destinado a obra de escritor estreante, funcionário público sem fama e sem grandes ambições, não era efêmero ou despropositado, quando se tem em mente o impacto por ele causado. Foguete sem queda e com apogeu incerto, “Os Sertões” vendeu os mil exemplares de sua primeira edição em menos de seis meses; os dois mil da segunda, em um ano e meio; os outros dois mil da terceira em mais dois anos e meio, e isso tudo em um país onde mais de 80% dos 14 milhões de habitantes eram analfabetos. Um sucesso completo e inesperado, tanto que outra figura ilustre da crítica brasileira, Sílvio Romero, afirmou: “de Euclides da Cunha se pode dizer que se deitou obscuro e acordou célebre com a publicação d´Os Sertões. Merecia-o.” Nem o próprio autor de História da Literatura Brasileira poderia imaginar que a obra de Euclides seria objeto de discussão, e até de comemoração, passados mais de cem anos de seu lançamento nas livrarias do país.

Ganharia o mundo inteiro em poucos anos. O poeta Gerardo Mello Mourão relata um episódio ocorrido na Universidade de Pequim, onde foi indagado por um acadêmico chinês a respeito de um longo poema épico vindo do Brasil. Possuía, na verdade, uma tradução chinesa de “Os Sertões” que, miraculosamente, sobreviveu à fúria revolucionária maoísta. Como explicar o engano ao jovem oriental?

Seria engano? Estariam também enganados os poetas Efrain Tomás Bó e Godofredo Iommi, dois dos mais afamados escritores hispano-americanos, que, quando iniquiridos sobre o maior poema da América Latina, responderam “Os Sertões”? Trata-lo como romance é apenas questão de costume. O caso seria igual se o considerássemos tratado geomorfológico, estudo de etnologia ou simples reportagem: esqueceríamos as outras faces da Hidra, ficando numa só, o que é, mais do que errôneo, impossível.

E quantas faces! Por reunir citações e conceitos de topografia, história, etnologia, geologia, botância, zoologia, psicologia social e outras ciências, pode-se aplicar ao livro a previsão, algo apocalíptica, sobre o futuro do povo ali descrito: “não teremos unidade de raça; não a teremos, talvez, nunca”. Lúcia Miguel Pereira não inclui “Os Sertões” no estudo sobre a literatura brasileira da virada do século XIX. O pioneiro José Veríssimo, assim como Tristão de Athayde e José Guilherme Merquior, dizem: é ficção. Outros, como Afrânio Coutinho, vão mais longe: “trata-se de romance-poema-epopéia. Uma narrativa heróica, da família de ´Guerra e Paz` e cujo antepassado mais ilustre é a ´Ilíada´” (permito-me acrescentar outro nome: “Comentários sobre a Guerra Gálica”, de Caio Júlio César). Uma Ilíada sem deuses; ao desistir de invocar a inspiração das Musas, Euclides pede auxílio à ciência, o ídolo de seu tempo. Homem de formação técnica, dava pleno crédito ao método científico e às descobertas do conhecimento humano, o que só lhe autorizaria a discorrer sobre um tema tão complexo com o devido substrato da razão. A ciência é,em “Os Sertões”, reafirmação de convicções e definição de caminhos a seguir, além de fixar o estilo euclidiano, único, de encarar e descrever a realidade.

Na “Nota Preliminar”, o autor reafirma o desejo de legar às gerações vindouras: “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo”. Euclides via a si próprio como a personificação da figura do homem público, aquele tem como ideal de vida servir à Pátria.

A zona de influência de “Os Sertões” ultrapassou as fronteiras brasileiras. O húngaro Sándor Marái leu-o, apaixonou-se e escreveu “Veredicto em Canudos”. O peruano Mario Vargas Llosa tomou o sertão de Euclides como pano de fundo para narrar a “Guerra do Fim do Mundo”, e Borges incluiu Antônio Conselheiro em um de seus contos. Dentro do país, ajudou a fundar uma corrente regionalista, cujo ápice seria atingido em “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Múltipla é também a utilidade do livro. Serviu e serve de estímulo aos patriotas fervorosos, aos acossados pelo complexo de inferioridade, aos vestibulandos desesperados e até aos entusiastas de um ex-presidente, legítimo representante dos homens traçados pelas coordenadas euclidianas e elevado por alguns à categoria de principal personagem de uma saga brasileira da qual “Os Sertões” seria o retrato paradigmático. A diferença reside no resultado final das duas contendas: o referido senhor venceu, e com boa vantagem, de fazer inveja aos soldados republicanos.

Pelas palavras de Euclides, o brasileiro passou a conhecer o sertão. Poderia nega-lo; ignora-lo, nunca mais. O Brasil atrasado, ibérico, medieval, rural, esquecido e fechado em si mesmo ia ao encontro dos grandes centros urbanos europeístas através dos períodos curtos e impactantes do engenheiro fluminense, como se cada frase fosse uma máxima.

Mais do que descrever o sertão, Euclides o desenha. Pioneiro, sua criação foi imitada à exaustão e corresponde, hoje, à triste imagem que temos daquela região. Essa mimese amplia os horizontes do chamado período realista em voga na época e antecipa tendências, como o neo-realismo italiano, mais preocupado em criar realidades do que em retratar uma. Sua ciência acaba valendo pouco diante do seu ímpeto inventivo, coroado até hoje. Sociólogos como Gobineau, citados à farta pelo autor, são hoje tidos como ultrapassados. Falar em raças inferiores nos dias atuais é cair no ridículo em qualquer colóquio de antropologia. O tempo foi implacável com o positivismo tão prezado pelo autor, e Comte é hoje figura mais presente na Bandeira Nacional do que nas discussões filosóficas. Da imensidão de aspectos que a obra abordou, esse mesmo tempo, sábio seletor, preservou o literário. Tal foi o destino de Euclides: queria ser homem público. Era, sem o saber, um artista.


Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 9/10/2018

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