COLUNAS
Sexta-feira,
15/11/2019
Domingão, domingueira
Ana Elisa Ribeiro
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Deus teria descansado no domingo. Trabalhou a semana inteira e se cansou (desta lambança). Parou para dormir, respirar, repensar, não sei. E ficou sendo assim. Tiramos a féria durante cinco ou seis dias e paramos no sétimo, em tese, a fim de recobrar as energias.
"Em tese" por quê? Porque dependendo do domingo, ele mais suga do que resolve o problema do cansaço. Tem pouca coisa mais cansativa do que uma festa de família, por exemplo. Em especial aquelas que começam antes do almoço e só terminam na abertura do Fantástico. Aliás, a musiquinha do Fantástico é um terrível sinal de que o domingo está no fim, feito um alerta, e de que a segunda-feira lá vem, puxando todo o resto da semana de trabalho.
Churrasco em família é especialmente cansativo para o dono ou a dona da casa, para o/a churrasqueiro/a (dessas coisas que os homens pensam fazer melhor), para quem se enche de álcool, para quem limpa antes e depois (o quintal, a sala, a cozinha). Mas há outras possibilidades para o domingo, como a saidinha pro restaurante lotado (todo mundo escapando da cozinha) ou a obrigação de resolver o que não damos conta de resolver no horário comercial.
Era fakenews. Domingo não é dia de descanso para todos e todas. É apenas para alguns. A coitada da avó fica preocupada a semana inteira com o famigerado almoço. Vêm os filhos e as noras, depois os amigos dos adolescentes, assim como as namoradas de primeira vez. Os agregados todos e, se bobear, algum vizinho com bom olfato. Duas ou três tias ajudam a fazer a salada, lavar a louça... então o domingo é de descanso e lazer apenas para uma parcela do povo, embora o papo depois seja o de que foi ótimo reencontrar a turma, ter todos à volta da mesa, saber as fofocas sobre casamentos, gravidezes, separações, sucessos e fracassos.
Sempre fui fã do gato Garfield (o único felino de que sou fã, aliás) e achava graça na relação dele com a segunda-feira. Ódio. Preguiça. Mas sempre tive uma dúvida: qual é pior? Domingo ou segunda? A perspectiva da segunda não é, de fato, das melhores. A depender da semana, tudo parece uma trilha infinita de coisas a cumprir e gente a encontrar (sem escolher o elenco, é claro). Mas o domingo... o domingo é também cheio de obrigações.
Tem como salvar? Tem. Um cinema com amigos/as queridos, que podem ser parentes, sabe lá; um café agradável para contemplar o fim de tarde (em algumas cidades, isso pode ser um espetáculo à parte); um jogo, um papo, uma alegria dessas que a gente escolhe, mesmo se for o almoço...; dormir. Ah, dormir (coração com a mão). Embora muita gente tenha o dormir como falta de tempo, eu cá acho das melhores coisas da vida. Não troco por nada, nem familiares, nem sexo, nem churrasco queimado, nem bebidinhas, nem coisa alguma. E como dormir revigora! Ah, sim, é a única coisa capaz de converter uma zumbi numa mulher capaz, depois de lavar a louça da família inteira.
Domingo é um ótimo dia para o trabalho. Rende que é uma beleza. Um dia bom para aquele trabalho desejado, não o compulsório. Dia de estudar, afora se o vizinho achar que precisa ligar som alto; dia de ler e escrever; dia de ficar sem relógio; dia de esquecer a TV (é um dia terrível para ver TV, show de horrores); dia de relaxar, como dizem que Deus fez. Mas tem de ser de verdade, cada um/a com o que escolheu. Senão não vale.
Nestes tempos bicudos, esquisitos, pode ser um tiro no pé falar em trabalhar no domingo. Não vou defender isso abertamente, como se concordasse com a perda sistemática de direitos trabalhistas que estamos sofrendo; ou como se fosse opcional funcionário trabalhar no domingo, sob ameaça do empresário. Óbvio que não. Domingo é dia de escolha, é o que estou dizendo. Mas, infelizmente, só alguns escolhem o que fazer.
Gasto meus domingos estudando. Dia de menos ruído dos carros, dia em que o tempo parece preguiçoso também. Dia ótimo para produzir o que for criativo, interessante. Dia bom para não ser incomodado/a. Se for para descansar, que se dê alento ao corpo e à mente.
Mas este não é um libelo contra o churrascão do tiozão. É uma carta de amor à escolha. Dia de perguntar à mamãe e à vovó o que é, de verdade, que elas querem fazer. Porque panela e louça é coisa para os outros seis dias, sacumé?
Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte,
15/11/2019
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