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Terça-feira, 30/7/2002
Sonhos
Evandro Ferreira
+ de 3700 Acessos

O sonho acabou. Esse era o nome de um filme que passou certo dia no Canal Brasil. Ou melhor, "O sonho não acabou". Faz diferença?

Miguel Falabella e Lucélia Santos faziam peripécias deprimentes pelas ruas de Brasília. Nasci em Brasília. E talvez por isso tenha-me tocado esse filme que, no entanto, era ruim. Mas o Brasil ou o mundo não são lugares ruins às vezes? Talvez vezes demais. Por que então um filme ruim não retrataria com bastante precisão essa faceta da realidade? E retratou.

Parei de assistir ao filme quando a cabeça de Lucélia Santos saiu voando sobre a cidade do Rio de Janeiro, simbolizando sua fuga de casa. Ruindade também tem limite. Mas vendo o que vi, trinta minutos, lembrei-me de minhas tristes tardes de domingo na capital, ao som de Legião Urbana, debaixo daquele céu insuportavelmente bonito. A vida em Brasília é um "cliché". É "kitsch", como diria Milan Kundera. Uma beleza projetada, palnejada. E o domingo não nos deixa muitas opções além de olhar para o céu e curtir uma fossa. Claro, sempre existe a outra opção. Escolha seu programa de TV e mergulhe na tela até se dissolver.

É isso que fez a senhora Sara Goldfarb, em outro filme, "Réquiem para um sonho", de Darren Aronofsky. A vida começa e termina em posição fetal. Se esse filme tem alguma moral que pode ser enunciada sem ferir sua sutileza, eu arriscaria essa. A vida começa e termina em posição fetal.

Os dias passam e as estações do ano. Tudo começa no ato do filho Harry, que leva a TV da mãe, Sara, para vender e poder comprar drogas com o dinheiro. A mãe também se droga, de outro modo. Seu cérebro já praticamente funciona por estímulo e resposta em relação às frases do show de TV a que assiste.

Os erros têm um começo, um meio e um fim. Assim como as esperanças. Mas o fim é um desejo de voltar ao começo. E por isso no fim os personagens estão em posição fetal.

No início Harry e seu amigo parecem apenas dois drogados convencionais, como vemos às pencas nos filmes transadinhos para "junkies". Mas eles são diferentes. Principalmente Harry. Ele tem uma namorada e um sonho. Quer ser feliz e sente que precisa fazer algo quanto a isso. Sua namorada Marion o ama de verdade. As coisas parecem estar dando certo e eles montam uma loja de design de roupas, com o dinheiro da venda de drogas. Mas o réquiem, a música para o repouso eterno, o trabalho dos mortos, se anuncia.

O verão é o auge, o apogeu. Mas depois vem o outono, "fall" em inglês, e a palavra é importante. O caminho é para baixo, aonde vão todas as pessoas de bom coração, inclusive a mãe de Harry, que toma pílulas para emagracer. Tudo porque queria usar seu vestido de juventude quando aparecesse na TV, num show a que foi convidada a participar. Na espera interminável pela confirmação da data do show, Sara se perde no vício das pílulas de anfetamina. Mãe e filho se encontram uma última vez e ela desabafa, revela toda a sua tristeza, solidão e falta de sentido. Harry se entristece profundamente e mergulha na droga para fugir.

As cenas são secas, editadas, sucintas. O pó, a pílula, a seringa e a viagem. O pó, a pílula, a seringa e a viagem. O pó, a pílula, a seringa e a viagem. Dezenas de vezes. Dezenas de vezes para baixo. E os rostos antes limpos vão adquirindo olheiras. E os sonhos antes lindos vão-se perdendo por nada.

O camarada que fez a apresentação do DVD não entendeu nada. O filme não é entretenimento "cool" para os fãs da "interactive media". É uma canção. Música melancólica para um sonho que se acaba e que era tão fácil de ser alcançado, se ao menos os personagens parassem de correr atrás da droga nos momentos em que deveriam trocar mais um pouco de afeto diante das dificuldades da vida. Bem pouco. Talvez nada além de uma palavra. Mas no lugar da palavra, Harry ou Marion diziam: "e agora, como fazemos para arrumar mais bagulho?". Quando Harry sentiu que não devia mais injetar, Marion não sentiu. E Harry não a parou. E vice-versa. E esse foi o começo do fim.

Seria injusto dizer que não trocavam afeto. Amavam-se e construíram juntos com esse amor tudo aquilo que depois desabou. Mas como eu ia dizendo, precisavam trocar um pouquinho mais de amor e não trocaram, por causa de uma série de pequenos equívocos, pequenas fugas como sempre. E esse foi o começo do fim. E a chance que Harry desperdiçou quando fugiu da tristeza de sua mãe foi novamente desperdiçada.

Depois foi sexo brutal em troca de drogas, decadência biológica e psicológica.

Chega o inverno e a música recomeça. Continua o trabalho dos mortos. Sara Goldfarb anda pelas ruas como uma louca, em busca da data em que será chamada a aparecer na TV. Harry e seu amigo buscam drogas e Marion está sozinha, insuportavelmente sozinha.

Então chega o fim, o fundo do poço, onde todos nós já estivemos de algum modo. Mas estas pessoas estão lá de todos os modos. E a música penetra os hospitais e a prisão e o apartamento de Marion. E a droga já não faz mais sentido diante de tudo que se teve de fazer para conseguí-la. Tudo está perdido para Harry e seu amigo, que voltam à posição fetal. Enquanto isso Sara sonha com seu filho que a abraça na TV e Marion abraça o bagulho, ambas em posicão fetal. Pode ser que as coisas dêem certo, mas é pouco provável. Dois personagens choram de tristeza e dois sorriem de alívio momentâneo. Muito pouco para se fazer um final feliz. Mas não é assim que sempre acontece? Os elementos sempre parecem ser poucos para que se construa um final feliz.

"Réquiem para um sonho" é um daqueles filmes que não se devem esquecer. Faz mal para a humanidade esquecer filmes assim. O moralismo está em baixa hoje, portanto é difícil fazer um filme contra as drogas. Mas esse não é um filme contra as drogas. É um filme contra o sonho que acabou. É um filme que quer nos dizer que o sonho não acabou. Ele só é sutil demais e por isso nos passa despercebido. Não tem a grandiosidade que esperamos dele, assim como o cálice de Jesus era o mais singelo. Aliás, a queda é muito mais grandiosa. O réquiem no avisa disso. Os violinos soam com a beleza melancólica dos erros humanos, e a ilusória felicidade final é um ridículo programa de TV, com sua pseudo-grandiosidade brega. Mais irônico, impossível.

Para que vejamos os nossos erros, podemos recorrer a sermões. Mas também podemos assistir a esses personagens, tão lindos e inocentes em seus sonhos singelos. Todos se perdem em algum lugar no meio do caminho. Mas os momentos felizes de Harry e Marion foram uma prova de que eram capazes de amar, antes de se perderem.

Tudo se resume no amor. Todas aquelas pessoas se perderam, mas merecem ao menos um réquiem porque um dia amaram. E se um dia puderam amar, sua enorme dor final nos serve de exemplo. Perderam-se no escapismo diário. Perderam-se nos pequenos equívocos, pois achavam que o sonho era tão grandioso que, diante dele, os pequenos momentos não tinham importância. Mas o sonho era justamente esses pequenos momentos. Cada um deles escorre como uma lágrima de tempo que depois aperta o coração.

Mas ainda sobra um vago sopro de esperança no triste fim. Esperança de que um dia a TV se apague, as drogas desapareçam e um homem possa amar uma mulher, e um filho possa amar sua mãe como no dia em que nasceu. Mas outra voz diz que esse dia não virá. Portanto é bom que comecemos a amar, mesmo com as drogas à venda na esquina e a TV ligada na sala.

E o amor não serve se for filantrópico. Só vale se for por uma pessoa, uma só, aquela mesma que está aí do seu lado há tanto tempo e a quem você acha que já dá atenção suficiente.

Essa é a pessoa mais linda do mundo. E você pode perdê-la facilmente, em algum lugar no meio do caminho.

Para ir além
http://www.oindividuo.com/alvaro/alvaro65.htm


Evandro Ferreira
Belo Horizonte, 30/7/2002

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