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Quinta-feira, 29/8/2002
Lucas Procópio, de Autran Dourado
Ricardo de Mattos
+ de 11500 Acessos
+ 1 Comentário(s)

"Nunca Foi, Nunca Será"

Eis a síntese do romance Lucas Procópio (1.984), de Autran Dourado (1.926), escritor cuja obra vem sendo relançada. Esta síntese, este resumo da personagem principal que nomeia a obra, é fornecida discretamente em meio ao texto. E que texto! Autran Dourado não escreve suas obras. Senta-se numa poltrona, manda vir da cozinha um negocinho para comer e transforma seu leitor em ouvinte. Seu livro é simples, despretensioso, directo, ao contrário de outro mineiro que apesar de bom escritor, está mais esquecido, embora suas obras tenham sido adaptadas para o cinema e a televisão. Refiro-me a Agripa Vasconcelos, autor de Dona Beja, Chica Que Manda, etc. Ele sabia muito, mas seus conhecimentos encharcam suas obras. Autran Dourado tem um conhecimento muito amplo, mas seu tom não é professoral, sua conversa resulta consistente, sem dar a impressão de que saímos de uma palestra.

Desta vez, resolve contar a estória do coronel Lucas Procópio Honório Cota, em sua jornada pelo interior de Minas Gerais, ao que parece, na segunda metade do século XIX, acompanhado de um escravo forro e de um capataz. Lucas Procópio inspira-se directamente no "Dom Quixote" de Miguel de Cervantes. Mais que isso: acolhe-o como modelo de conduta. Acredita que Alonso Quijano tenha realmente existido, e Cervantes apenas teria trocado os nomes. Claro que existem Quixotes aos montes no mundo, mas daí a toma-los por modelo de conduta...

O coronel Lucas nasceu em uma família de mineradores, e com o esgotamento das jazidas de Diamantina, curte por um tempo a decadência financeira. Encontra no casarão onde mora um providencial baú com um pouco de ouro sonegado, e documentos de uma desconhecida propriedade no Sul de Minas, na cidade de Duas Pontes, para onde dirige-se.

Esta viagem tem por escopo além da posse da fazenda herdada, o cumprimento de uma missão atribuída a si mesmo pelo coronel: difundir o ideal de retorno, restauração, das Minas Gerais do século XVIII. Revela-se aí seu quixotismo. O personagem de Cervantes quer restaurar a época da cavalaria andante, o de Autran Dourado, a da mineração, mesmo não dizendo objectivamente o que pretende. Quer voltar às Minas de antes, mas prega de forma genérica, sem dizer que aspectos gostaria de ver vigorando novamente. Nem ele deve saber. Mesmo outros não os acompanhando em seus ideais, estes dois personagens vão vivendo como acham devido. A cartilha de Lucas Procópio é o poema "Vila Rica", de Cláudio Manoel da Costa. Para melhor expressar sua proposta, usa o uniforme de gala pertencente ao seu avô, com o respectivo tricórnio (aquele chapéu de três bicos, com plumas). Portanto, assim trajado e recitando poemas à menor solicitação, tem por recompensa o deboche dos habitantes das cidades e vilas em seu caminho. Na primeira cidade, Itapecerica, seu ânimo provocou uma rebelião completamente desvinculada daquilo que pregava. Não se deixa de rir nesse episódio, pois fica parecendo que nem o personagem entendeu o motivo da guerrilha. Ele queria o renascimento de uma época, não mandou pessoa alguma pegar em armas.

A figura do louco manso e fardado deve ser popular naquelas bandas, pois no conto "Os Pequenos Carapinas do Nada", temos a figura do coronel Sigismundo com as mesmas características. Aqui o cenário também é a cidade de Duas Pontes.

Como adiantado, Lucas viaja acompanhado de duas pessoas. Uma é Jerônimo, nascido príncipe Omoro Binte em sua aldeia natal na África. Filho de um rei, é capturado, enviado ao Brasil como escravo, comprado pela família de Lucas Procópio, por este encontrado em meio às lavras, alforriado e tornado empregado assalariado. Nesta jornada, Jerônimo espera fugir da companhia do patrão e do outro empregado assim que encontrar um quilombo, no qual também possa realizar seu ideal trazido já do continente de origem: reunir os povos iorubá em uma só nação. Tanto Lucas Procópio quanto Jerônimo têm noção de que seus sonhos não terão resultado algum. Entretanto, Lucas começa a ceder à realidade quando chega em Alfenas, aqui envolvendo-se com a política. Tendo desistido do renascimento mineiro, deixa de sonhar e passa a planejar um futuro concreto, começa a colocar os pés de volta ao chão. Lembra de seu recente passado de insanidade, arrepende-se e envergonha-se. Tem ainda uma recaída, mas passa. É neste ponto da vida de Lucas Procópio que Jerônimo troca seu sonho inicial pelo do patrão, passando a desejar também a restauração.

Essa troca de ideais foi uma escolha de Jerônimo. Como se vendo a impossibilidade da execução dos seus, adoptasse os de Lucas, tendo-os como factíveis. Tal desejo é evidentemente prenhe de inocência, pois se restaurado o bom, este pode vir acompanhado do mau, com evidente prejuízo para as pessoas da sua raça. Claro, em época de cogitação da abolição da escravatura, ele quer restaurar aquela onde este problema era ainda mais grave. Como a troca foi voluntária, e dado o nível do autor, acho mesquinho falar-se aqui que "até os sonhos dos povos escravizados foram substituídos pelos do povo dominante". A narrativa não dá margem a este tipo de leitura.

Outro acompanhante de Lucas Procópio é Pedro Chaves, capataz que apenas tolera seus devaneios. Acompanha-o porque também tem seus planos, sendo o único a realizá-los. É a figura do bronco maltratado e abandonado quando criança, que cresce e devolve ao mundo todo o mal recebido. Assassino, feitor típico da ficção e da realidade, sempre tem suas brigas com Jerônimo apartadas por Lucas. É indiferente à volta ou não dos "Áureos Tempos", pois seu destino só será alterado com a concretização do plano traçado.

O romance Lucas Procópio é dividido em duas partes: a primeira, intitulada Pessoa, a segunda, Persona. A primeira parte termina com a morte de Lucas Procópio, assassinado por Pedro Chaves. Morre Lucas Procópio sem realizar nem o que sonhou, nem o que PLANEJOU. Jerônimo some da narrativa, reaparecendo somente no final. Na primeira parte, Lucas Procópio é uma pessoa, na segunda, uma persona, "máscara" em latim. Máscara usada por Pedro Chaves depois que mata o original e usurpa-lhe as propriedades e o nome.

Esta usurpação é previsível, e não apenas a cidade de Duas Pontes é o elo entre as duas partes. Após toda a apresentação de Isaltina, ressurge Pedro Chaves apenas como "coronel". Muitos são os indícios dados, as informações fornecidas na primeira parte sobre Pedro Chaves são dissolvidas na segunda. Outro dado a levar o leitor à descoberta do ocorrido é o seguinte: o coronel da segunda parte é proprietário da "Fazenda do Encantado", nome dado em substituição ao anterior, do qual ele não gostava. Encantado é não só aquele dominado através de operações mágicas mas, popularmente, o sujeito deslumbrado, entusiasmado. O leitor descobre logo a substituição, mas a confirmação vem apenas nas últimas páginas. Por isso Jerônimo assume o papel de deus ex-machina, pois reconhecendo Pedro Chaves, confirma a suspeita.

Em texto feito para a revista francesa Ilustration (1), encontramos a seguinte afirmação do autor: "...eu decidi escrever para me compreender num ponto de vista existencial, e para compreender o meu país. Assim, escrever é uma maneira de dar testemunho de meu país e de minha época". Em Lucas Procópio, temos um idealista isolado, sem seguidores à altura. Este idealista é substituído por uma pessoa violenta e sem cultura, que usurpa o seu lugar, sem dar continuidade aos seus planos e sem manter sua conduta. O engodo só é descoberto mais tarde, com o sacrifício de quem traz a verdade à luz. Especule-se.

(1) ver o texto

Para ir além





Ricardo de Mattos
Taubaté, 29/8/2002

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
23/8/2008
09h38min
"Lucas Procópio", de Autran Dourado, é um extraordinário romance. Reflete a formação do homem brasileiro contemporâneo cheio de ambição. A mulher é tratada como um objeto: torturada pelo marido e acaba sendo seduzida por um padre. Sai do espeto e cai na brasa. O substituto do personagem idealista pelo brutalhão é sinal de decadência. A violência contemporânea é resultado de diversos estágios de decadência desde a época colonial até hoje.
[Leia outros Comentários de Antonio de P Moura]
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