Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo | Heloisa Pait | Digestivo Cultural

busca | avançada
133 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> DR-Discutindo a Relação, fica em cartaz até o dia 28 no Teatro Vanucci, na Gávea
>>> Ginga Tropical ganha sede no Rio de Janeiro
>>> Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania abre processo seletivo
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O poder transformador da arte
>>> Sinfonia Visual de Beethoven
>>> Eu, o insular Napumoceno
>>> Ah, essa falsa cultura...
>>> Teoria dos jogos perdidos
>>> United States of Brazil
>>> The Search, John Battelle e a história do Google
>>> Europeus salvaram o cinema em 2006
>>> 10 sugestões de leitura para as férias
>>> Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Mais Recentes
>>> Risco Calculado de Robin Cook pela Record (1996)
>>> Marcador de Robin Cook pela Record (2007)
>>> 007 O Foguete da Morte de Ian Fleming pela Civilização Brasileira
>>> Duas Semanas em Roma (capa dura) de Irwin Shaw pela Círculo do Livro
>>> Textbook Of Critical Care de Mitchell P. Fink, Edward Abraham, Jean-louis Vincent, Patrick Kochanek pela Saunders (2005)
>>> A Inquisição na Espanha de Henry Kamen pela Civilização Brasileira
>>> So O Amor E Real de Brian L. Weiss pela Salamandra (1996)
>>> Shike - O Tempo dos Dragões livro 1 de Robert Shea pela Record (1981)
>>> A Revolução Russa ( em quadrinhos) de André Diniz pela Escala (2008)
>>> O Pimpinela Escarlate do Vaticano de J. P. Gallagher pela Record
>>> Dicionário das Famílias Brasileiras - Tomo II (volumes 1 e 2) de Antônio Henrique da Cunha Bueno e Carlos Eduardo pela Do Autor (2001)
>>> Todas as Faces de Laurie de Mary Higgins Clark pela Rocco (1993)
>>> Toxina de Robin Cook pela Record (1999)
>>> O Fortim de F. Paul Wilson pela Record (1981)
>>> A Fogueira das Vaidades (capa dura) de Tom Wolf pela Círculo do Livro
>>> O Canhão de C. S. Forester pela Círculo do Livro
>>> Grandes Anedotas da História (capa dura) de Nair Lacerda pela Círculo do Livro
>>> Um Passe de Mágica (capa dura) de William Goldman pela Círculo do Livro
>>> Livro Sagrado Da Família - histórias Ilustradas Da Bíblia para pais e filhos de Mary Joslin, Amanda Hall e Andréa Matriz pela Gold (2008)
>>> O Magnata de Harold Robbins pela Record (1998)
>>> A Traição de Arnaud de Bochgrave e Robert Moss pela Nova Fronteira (1981)
>>> O Processo de Franz Kafka pela Principis
>>> Jogos De Poder. Métodos Simpáticos Para Influenciar Pessoas de Henrik Fexeus pela Vozes (2018)
>>> A idade média de Maria Rius pela Scipione (1990)
>>> A idade média de Maria Rius pela Scipione (1990)
COLUNAS

Quinta-feira, 13/4/2017
Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo
Heloisa Pait
+ de 5100 Acessos

O campus era lindo. Os pequenos prédios de concreto pintado dispunham-se em ziguezague, ligados por passarelas de terra vermelha que de tempos em tempos alguém resolvia calçar. De inverno a outono, o sol brilhava. O calendário flutuava conforme as greves. Mónika retomava hoje o hábito interrompido de passear à tarde pelo campus, quebrando assim as horas diante do computador. Cruzou o jardim central, onde recentemente tinham erigido um prédio, e circundou o refeitório. Um grupo de jovens cuidava da horta comunitária. Outro sustentava cartazes frente à diretoria. Atrás, uma construção nova, de um piso só, abrigava salas de apoio variadas. Depois o pomar, com as árvores todas da terra. Tinha um loureiro, com suas folhas duras e grossas. E também árvores que davam frutinhas mais azedas que pitanga. Sempre pensava em levar algumas para casa, mas na correria acabava esquecendo!

Andou até o campo de futebol, o sol já estava baixo. Luminoso, mas baixo. Depois passou pelos abacateiros, e aí aquela espécie de cisterna, não sabia bem o que era, talvez tratamento de esgoto, um cogumelo de concreto parecido com o que seus pais descreviam haver na Romênia. Ficou olhando a cisterna ou o que fosse. Por que ninguém ia ali? Será que era perigoso? Nem bitucas de cigarro, nem preservativos, nada. Nenhum encontro clandestino. A cisterna seria, sei lá, contaminada, radioativa? Nem pichações. Um domo de concreto e Mónika olhando. Não era uma mulher corajosa. Só que não temia por antecipação, não pensava: “Não vou lá pois ninguém vai e é perigoso.” Quando temia, já era tarde demais, estava ali e aquela cisterna podia degluti-la que ninguém saberia. Abandono de emprego.

Contemplou a cisterna como se fosse uma pirâmide egípcia, um monumento inca. Aí fugiu, só que avançando na mata. Havia uma trilha, ela caminhou bem cuidadosa. E se tropeçasse? Estava longe de qualquer um, nem grito ouviriam. A trilha descia um pouco, depois terminava numa pirambeira. Mas onde? A mata encobria. Agachou para enxergar entre os troncos, se inclinou para frente, ia cair de boca, jogou o corpo pra trás, caiu de bunda, escorregou mas conseguiu se prender a um tronco grosso, com o braço. Estava pendurada pelo cotovelo e no mais parecia solta. Teve medo do ombro se despregar, teve um pânico infernal. Depois se acalmou, viu que tinha apoio no quadril, e podia buscar um lugar onde apoiar o pé direito. O joelho esquerdo meio encalacrado numa árvore, imprestável. Empurrou-se para cima, conseguiu botar a mão esquerda no tronco, empurrou-se mais um pouco, finalmente sentou na beira da trilha, as mãos todas sujas de barro. Teve ânsia, viu o vômito escorrendo pirambeira abaixo, observou as mãos tremendo, sentiu o coração aos poucos se acalmando pensou: “quase me estrepo toda.” Respirou fundo, enxugou a boca no braço da camisa, levantou-se e voltou ao campus.

Não estava bem. As pernas tremiam, não conseguia passar perto da cisterna, não estava bem mesmo.

– Professora, Professora Mónika, a senhora está bem?

Mónika procurava a voz.

– Professora, aqui, a senhora está bem?

Um senhor acenava para ela mais ao alto. Ela fez que sim. Ele se aproximou.

– Está bem mesmo?

– Que bom o senhor aqui, na verdade queria um copo d’água, sentar um pouco. Que bom o senhor passando.

– Depois que a vi nos abacateiros, resolvi acompanhá-la com os olhos.

É verdade, um funcionário da faculdade havia puxado conversa sobre os abacateiros. Tinha falado de outras árvores também, plantas frutíferas.

Caminhavam juntos.

– O senhor tem um sotaque, de onde é?

– Sou da Galícia.

– Espanhola?

– Por certo, a Galícia espanhola. Conhece galego?

– Alguns autores só. Nunca estive lá. O senhor trabalha aqui?

– Sim, sou o supervisor da manutenção. Já nos vimos algumas vezes.

– Perdão, sou distraída. Perdão.

– Não há razão. Venha, vou lhe oferecer um copo d’água e um banquinho para se sentar.

O homem lhe estendeu o braço e ela, que não sabia muito bem andar apoiada, aceitou. Andaram pela grama alta até um pequeno casebre de madeira, com uma porta precária fechada a cadeado.

– Venha, sente-se cá.

O lugar era escuro. A vista demorou a se adaptar. Mónika ficou em pé, olhando o espaço apertado, iluminado por uma lâmpada pensa ao teto.

– Joaquín – ele disse, adiantando-se na apresentação e oferecendo um copo d’água. Havia no lugar uma pia de mármore, copos de vidro grosso, e o filtro de barro. Não se parecia com os outros lugares do campus, feitos de alumínio e plástico.

– Prazer. Desculpe. – Ao invés de agradecer, ela se desculpava.

Sentou e voltou a desculpar-se.

– Desculpe.

Ele ficou de pé, tirou um pano pendurado na torneira, molhou, torceu e ofereceu para ela. Ela passou no rosto, depois na boca, aos poucos o gosto ruim ia embora. Finalmente agradeceu:

– Obrigada. O que o senhor faz mesmo?

– Sou o supervisor de manutenção.

– Mas que é isso?

– Se uma porta se quebra, é meu setor que conserta.

– E o vespeiro?

Havia um vespeiro no meio do prédio de aulas. Mónika entrava na sala e se perguntava o que aconteceria se alguém incomodasse as vespas, se elas iriam para cima dos alunos dela. E se alguém tivesse alergia, como seria?

Joaquín riu.

– Agora entendo por que uma mulher tão bonita quanto a senhora tem tantos adversários. – Jogou a cabeça para trás e riu novamente. – Praticamente a salvo do abismo e a senhora vem me cobrar a respeito do ninho de insetos. É mesmo uma pândega.

Mónika riu também. Gostava que rissem dela. Virou a cabeça para baixo e para o lado, sorriu.

– Mas o vespeiro é um perigo, não?

– Sim, mas é responsabilidade da vigilância sanitária, não da universidade. Não se pode perturbar assim a natureza ao bel-prazer. Se a vigilância atestar que há um risco, aí podemos contratar um serviço de remoção.

– Entendo. – Mónika já não pensava nas vespas. Voltava a atenção ao quartinho, com a copa à direita, ferramentas penduradas na parede atrás de si, e uma enorme estante na outra, no lado oeste. – Vejo que tem muitos livros aqui. Da biblioteca?

A estante, observando bem, estava a um palmo da parede. Joaquín cuidava bem dos livros, e não queria umidade. A prateleira superior, além disso, tinha uma espécie de cobertura por cima, como um chapéu, um teto.

– Alguns são, sim, emprestados. A maioria comprei, alguns são doações de professores. Tenho fama de ler, então mos dão.

– E você... esse lugar... você sempre vem aqui?

– É um canto que construí para mim, não é parte do campus. Quer dizer, está no campus, mas não oficialmente, entende? Então venho aqui ler uns livros e passar o tempo. Apetece-lhe o lugar, pois não?

– Sim. Acho que sim.

– Venha quando quiser, professora.

Entre o banquinho e a estante, cortando o puxado todo, havia uma rede de dormir. Atrás dela, uma luminária nova em folha, cromada, potente. Era ali que Joaquín lia, com certeza. Olhou para ele e sorriu, sem jeito. Estava toda ela sem jeito ali naquele barraco.

– Acho que estou cansada, o... o incidente, o susto, cansei mesmo.

– Fique à vontade, professora. Querendo deitar-se na rede, ela está aí para isso mesmo, para que nos recuperemos.

Ela pulou para a rede, ele ocupou o banquinho.

– Queria apenas, se não fosse importuná-la, tocar-lhe os belos seios, mas isso apenas se não houver qualquer objeção de sua parte.

– Nenhuma – ela disse.

Está no ar a segunda aventura de Mónika, O Catolotolo.

Esta é uma obra de ficção; qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


Heloisa Pait
São Paulo, 13/4/2017

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Lendo Virgílio, ou: tentando ler os clássicos de Julio Daio Borges
02. Papai Noel Existe de Alexandre Soares Silva


Mais Heloisa Pait
Mais Acessadas de Heloisa Pait em 2017
01. Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo - 13/4/2017
02. Os Doze Trabalhos de Mónika. 5. Um Certo Batitsky - 21/12/2017
03. Os Doze Trabalhos de Mónika. 4. Museu Paleológico - 13/7/2017
04. Os Doze Trabalhos de Mónika. 6. Nas Asas da Panair - 28/12/2017
05. Os Doze Trabalhos de Mónika. 3. Um Jogo de Poker - 29/6/2017


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Os Ossos De Deus
Leonardo Gori
Planeta
(2010)



Livro Literatura Estrangeira Vingança
Catherine Doyle
Harper Collins
(2015)



Ronda de Fogo - Contos
Cacy Cordovil
Musa
(1998)



Nomenclatura Poética do Culto Afro-Brasileiro
Dorothy Miranda Oliveira Andrade
Empresa Gráfica da Bahia
(1999)



Carnavais, Malandros E Heróis Para Uma Sociologia Do Dilema Brasileiro
Roberto Da Matta
Guanabara
(1990)



Um Sopro de Morte(POCKET)
Ruth Rendell
Europa America
(1969)



Livro Literatura Estrangeira Noticia De Un Secuestro
Gabriel Garcia Marquez
Vintage Español
(1996)



A Bela e a Fera
Clarice Lispector
Francisco Alves
(1995)



Livro Teatro Amores Possíveis
Roteiro de Paulo Halm
Objetiva
(2001)



Detox de 10 dias
JJ Smith
Rocco
(2015)





busca | avançada
133 mil/dia
2,0 milhão/mês