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COLUNAS

Terça-feira, 21/8/2001
Em nome do caos
Rafael Lima
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+ 2 Comentário(s)

"Eu vou me organizar para me desorganizar,
eu vou desorganizar para me organizar"
(Da Lama ao Caos, Chico Science e Nação Zumbi)

Uma tendência que tem me incomodado muito, apareceu em textos recentes de meus vizinhos colunistas, nominalmente Rafael Azevedo, Fabio Danesi Rossi (santa selva) e Juliano Maesano (duas vezes!). Trata-se de um tipo de sentimento que ora cresce, ora recrudesce, ainda que pareça sempre pronto para sair. Golbery do Couto e Silva achava que era a teoria das sístoles e diástoles. Para quem não pescou, estou falando dos apelos à ordem, à autoridade, ao respeito às leis, à disciplina, ao policiamento e à educação. Só tenho uma coisa a dizer para eles: está todo mundo errado. Não deu para escutar direito? Eu repito: TÁ TODO MUNDO ERRADO. Como meus vizinhos ficarão doidos se eu disser isso e cair fora - se bem que é exatamente isso o que eu queria mesmo fazer agora -, me proponho a explicar tal afirmação a seguir. Antes deles partirem de paulada para cima de mim.

Comecemos com a 3a lei da Termodinâmica, cujo enunciado resumido diz que a entropia do universo é permanentemente crescente. Colocando em termos simples, isso significa que a energia de um sistema tenderá sempre para um estado mais desorganizado. Ou seja, o computador onde esse texto é exibido vai derreter um dia - pode demorar alguns milhões de anos, mas que vai, vai. Isso explica, entre outras coisa, porque é impossível construir um motor capaz de converter toda a energia com que é alimentado (seja gasolina, eletricidade ou carvão) em trabalho mecânico. Também explica porque o seu quarto fica desorganizado por mais que você o arrume, todos os dias. Em resumo, segundo a Termodinâmica, existe uma tendência universal e irrefreável ao caos, não importa quanta energia se coloque contra isso. Um corolário desta lei é o famoso Axioma da Bagunça de Rafael, assim enunciado pela primeira vez: "Se você vai perder mais tempo organizando suas coisas do que você ganharia se as tivesse sempre arrumadas, então não vale a pena organizá-las."

A crença na organização (em oposição ao caos), na separação em estratos discretos (em oposição à mescla contínua de elementos que se confundem), cada um deles interrelacionados de maneira clara e definida - hierarquizada -, quando não estanque (em oposição à relação dinâmica e mutante) como sinônimo, ou melhor, significado, de ordem é uma herança do pensamento cartesiano e newtoniano, paradigma para a sociedades da era da revolução industrial. A partir do momento em os princípios da relatividade geral são colocados, a divisão estanque entre tempo e espaço se desfaz, pondo por terra todo o esquema newtoniano de pensamento. Picasso sacou que não fazia mais sentido, num mundo assim, apresentar cada perspectiva de uma peça separadamente e bolou um estilo em que todas elas apareciam justapostas, o cubismo. Mas nem todo mundo é Picasso, e apesar das sociedades industriais já terem sido tecnologicamente ultrapassadas há bem mais de um século, ainda são seus modelos de pensamento - o taylorismo, o fordismo - que dominam as mentes hoje. O que também explica porque tanta gente ainda acha os quadros de Picasso feios.

O que proponho aqui é que é preciso ajustar a percepção a um mundo onde não se podem separar aspectos distintos de uma mesma unidade. Exatamente aquilo que Marshal McLuhan predisse que estaria acontecendo no advento da televisão. O problema é que nem 50 anos de televisão nem a internet foram capaz de desfazer, assim, de uma hora para outra, as estruturas mentais mecânicas. Por exemplo, o que se exige em qualquer estágio universitário hoje são pessoas capazes de trabalhar em equipe, serem líderes, ter bom relacionamento inter-pessoal, aprenderem rápido, além dos chamados conhecimentos técnicos. No entanto, desse grupo, apenas o último item consegue ser transmitido pelos sistemas educacionais atuais, onde se faz todas as provas do curso sozinho e existe uma autoridade em sala, ou seja: o modelo da linha de montagem aplicado ao aprendizado.

O que ninguém viu ainda é que a hierarquização do conhecimento é apenas uma das metodologias de aprendizado, que assume seus elementos como sendo de mesma natureza, interrelacionados de maneira pré-definida; nada impede que se considere elementos de natureza diferente, na tal mescla contínua. Pares de rótulos já utilizados no batismo destes pontos de vista foram strata e agregados auto-conscientes, ou árvores e rizomas, mas escolhi os termos de Manuel De Landa em seu ensaio: hierarquias e meshworks (ainda não há uma tradução unânime para essa palavra; o ideal seria algum conceito já existente que traduzisse tanto a ausência de hierarquia quanto a diversidade dos elementos. Sugestionado pela fonética, arriscarei aqui miscelâneas).

E o que isso tudo tem a ver com o que falávamos antes? São exatamente esses dois tipos de abordagens que competem hoje em dia, por exemplo, para serem os dominantes na maneira que se desenvolvem os agentes de interface em Inteligência Artificial, onde pode-se dotar um robô com um esquema hierárquico de controle de dados básicos (I.A. Simbólica) ou pode-se apenas dá-lo instruções bastante genéricas, a partir das quais, por método de tentativa e erro, o robô aprende a andar evitando esbarrar em objetos, fugindo de cantos, etc. (I.A. Comportamental). O primeiro é um caso típico de hierarquia, organização; enquanto o segundo, meshwork, aleatória. Esses tipos de estruturas aparecem aos montes na natureza, e é praticamente impossível encontrar qualquer uma dessas estruturas em estado puro; tudo tem miscelânea e hierarquia. A divisão em espécies e os ecossistemas são exemplo, respectivamente, de hierarquia e miscelâneas que emergiram da natureza.

Nesse momento, a pergunta que deve estar coçando as idéias de vocês é: qual dos 2 é melhor? E aqui entra o pulo do gato: não se pode estabelecer a superioridade de uma dessas estruturas sobre a outra, porque elas são aplicáveis a situações distintas. Suponham dois robôs que tenham sido programados para servir salgadinhos em uma festa, um com I.A. Comportamental, outro com I.A. Simbólica. No primeiro caso - meshworks - o robô é mais flexível e capaz de reagir melhor a situações novas; já o segundo - strata - aprende a se mover pela sala mais rapidamente porque já tem informação prévia.

Dentro de uma sociedade humana, o paradigma de hierarquia são as burocracias, enquanto o de miscelânea seriam os mercados (feiras livres, a situação real mais próxima do conceito de concorrência perfeita). No processo que determina o preço final de um produto em tal mercado não existe alguém que diga claramente qual será o preço, que é determinado através de um complexo sistema de iterações entre consumidor(es) e fornecedor(es). Uma estrutura em miscelânea só é viável quando não há organização nem objetivo; ela cresce e se desenvolve seguindo a maré. Então, amiguinhos colunistas, a primeira moral da história é a seguinte: não adianta tentar querer impor elementos de ordem, hierárquicos, a tudo na sociedade, porque eles não são capazes de fornecer aquilo que só a miscelânea consegue dar - e vice versa. Ambos são complementares e coexistem numa dinâmica onde meshworks dão luz à hierarquias das quais emergem meshworks, muito mais natural que parece. Essa contraposição entre miscelâneas e hierarquias lembra muito a estabelecida entre apolíneos e dionisíacos por Nietzsche, ou entre apocalípticos e integrados, por Umberto Eco.

Qualquer um que já tenha trabalhado no mundo corporativo - claramente hierárquico, burocratizado - sabe como pequenos nichos de amigos, panelinhas, surgem espontaneamente (olha a miscelânea aí) e se movem entre as brechas de organogramas e fluxogramas. Qualquer um que já tenha visto uma jam session de jazz ou uma roda de samba também sabe que não existe nenhuma lista pré-determinada de músicas ou tons a serem seguidos; a seqüência é intuitiva e caminha em todas as direções, como se dotada de vida própria, e ainda assim é possível discernir uma ordem: músicos que não sabem, não tocam a música que está rolando; o público faz silêncio sem que haja a advertência de uma autoridade consensada. Idem para uma roda de capoeira: não é necessário um juiz determinando qual a ordem de entrada dos capoeiristas ou as músicas a serem tocadas.

Essa é a mesma dinâmica que publicitários e engenheiros tentam reproduzir cientificamente em brainstorms criativos. Ordem emergindo do caos? Menos, menos. Talvez um estado de ordem muito maior e mais complexo, mascarado sob uma aparência de caos... aquilo que Dee Hock chamou de caórdico no livro O Nascimento da Era Caórdica (Birth of the Chaordic Age, 1999) e que um amigo do meu trabalho chama de bagunça organizada. Hock criou o termo para descrever qualquer organização, sistema ou empresa que seja "auto-organizado, autogovernado, adaptável, não-linear, complexo e que combine harmoniosamente tanto as características do caos quanto as da ordem". Fundamentalmente, o que Dee Hock faz nesse livro é tentar sistematizar princípios que garantam o movimento de um organismo em direção aos seus objetivos, restringidos pelo mínimo de regras possível. Hock se apóia em várias situação de sua vida, em que a hierarquia cai por terra na hora do pega, e estabelece-se aquela típica zona criativa da qual, surpresa!, emergem coisas inacreditáveis. Uma das máximas dele é a de que "dadas as circunstâncias corretas, pessoas normais, de nada mais que sonhos, determinação e liberdade para criar, repetidamente criam coisas extraordinárias".

Então, Azeviche, Maizena e FDR, era isso o que eu queria dizer: não se horrorizem com as estruturas desorganizadas. Primeiro, porque eles não são necessariamente nocivos; eles apenas desobedecem, à primeira vista, ao padrão de organização newtoniano. Segundo, porque abaixo da bagunça aparente, pode se ocultar uma ordem superior, complexa, quase incompreensível para o estado atual de nossas mentes, capaz de criar coisas fora do comum - impossíveis, aliás, de serem feitas por qualquer organismo estratificado e hierarquizado.

Bibliografia

Apocalípticos e Integrados - Umberto Eco, ed. Perspectiva, 1970
Os Meios de Comunicação - Marshall McLuhan, ed. Cultrix, 1970
O Nascimento da Era Caórdica - Dee Hock, 2000
Meshworks, Hierarchies and Interfaces - Manuel De Landa, 1997



Rafael Lima
Rio de Janeiro, 21/8/2001

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01. Saint-John Perse: o oxigênio da profundeza de Fabrício Carpinejar


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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
14/1/2002
1. Caos
15h09min
ooo
[Leia outros Comentários de milton]
29/12/2006
13h11min
Amei, amei. Eu sou uma das pessoas que vive dizendo para as outras que a entropia é inevitável, a gente só vive adiando – e até, que é mais gostoso, muito mais interessante viver em harmonia com a entropia. Eu vivo de forma entrópica. A minha arte só vive com a entropia acionada. Adorei. =)
[Leia outros Comentários de Daniela Castilho]
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