Horizonte perdido | Elisa Andrade Buzzo | Digestivo Cultural

busca | avançada
64082 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> IA 'revive' Carlos Drummond de Andrade em campanha do Rio Memórias
>>> mulheres.gráfica.política
>>> Eudóxia de Barros
>>> 100 anos de Orlando Silveira
>>> Panorama Do Choro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
Colunistas
Últimos Posts
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
>>> All-In sobre as tarifas
>>> Paul Krugman on tariffs (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A mulher madura
>>> As influências imorais
>>> Duas escritoras contemporâneas
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> BarCamp, Florianópolis - II
>>> Além do mais
>>> Pensando a retomada do cinema brasileiro
>>> Pulga na praça
>>> Arquiteto de massas sonoras
>>> Irmãos Amâncio
Mais Recentes
>>> Matematica E Realidade - 9 Ano de Gelson Iezzi E Osvaldo Dolce pela Atual (2021)
>>> Americas: The Changing Face Of Latin America And The Caribbean de Peter Winn pela Pantheon (1992)
>>> Geração Alpha Geografia 6 ano de Fernando dos santos soares pela Sm (2023)
>>> Fault Lines: The Sixties, The Culture War, And The Return Of The Divine Feminine de Gus Dizerega pela Quest Books (2013)
>>> Cambridge Preparation For The Toefl Test Student's Book de Jolene Gear, Robert Gear pela Cambridge University Press (1996)
>>> Pluralidades Portuenses: Símbolos Locais, Relações Globais de Paulo Castro Seixas, Paula Mota Santos, Henrique Gomes De Araújo pela Civilização (2003)
>>> 120 Musicas favoritas para piano 2ºvolume de Mario Mascarenhas pela Irmaos vitalle
>>> Criancas Na America Latina de Veronica Regina Muller pela Crv (2015)
>>> Novissima Gramatica Ilustrada Sacconi de Luiz Antonio Sacconi pela Tres (2008)
>>> Cristo e Cultura de H. Richard Niebuhr pela Paz E Terra (1967)
>>> L'athéisme dans le Christianisme de Ernst Bloch pela Gallimard (1968)
>>> Feira de versos poesia de cordel de João Melquiades f da silva pela Atica (2013)
>>> O Bebe Mais Feliz Do Pedaco de Harvey Karp pela Planeta Do Brasil (2025)
>>> A Maternidade E O Encontro Com A Própria Sombra de Laura Gutman pela Best Seller (2010)
>>> Gatos Alados de Ursula K. Le Guin pela Glida (2024)
>>> Antropologia em novos campos de atuação : debates e tensões de Monica Franch pela Abaré (2015)
>>> Rio De Janeiro X Sao Paulo - Um Ensaio De Geografia Política - Série Acadêmica de Hélio De Araújo pela Letra Capital (2013)
>>> Mescs manual de mediação conciliação e arbitragem de Ana paula rocha do bonfim pela Lumen juris (2008)
>>> Resistance And The City (spatial Practices, 28) de Christoph Ehland pela Brill | Rodopi
>>> Viriato, História de Uma Epopeia Lusitana de Teofilo braga pela Apeiron (2011)
>>> Land, Rights And Innovation: Improving Tenure For The Urban Poor (international Development) de Geoffrey Payne pela Itdg Publishing (2002)
>>> Cartografias da Voz de Felipe Grune Ewald pela Fundaão Araucária (2011)
>>> A Arte Da Imperfeicao de Brene Brown pela Editora Sextante (2020)
>>> Cultura Mato Grossense: Festas De Santos E Outras Tradicoes de Roberto Loureiro pela Carrion & Carracedo (2006)
>>> Psicologias - Uma Introducao Ao Estudo De Psicologia de Ana m bahia bock pela Saraiva (1997)
COLUNAS

Quinta-feira, 27/7/2006
Horizonte perdido
Elisa Andrade Buzzo
+ de 5200 Acessos
+ 4 Comentário(s)


foto: Sissy Eiko

Aqui na cidade sinto falta de uma linha de horizonte, de uma natureza exagerada, arrebatadora, saída de romance indianista. Sentir em desabrigo a fúria de uma tempestade, sem toda essa parafernália que a vida urbana proporciona. Ou restringe. Não esquecer que afinal não há nada acima da cabeça (ainda que o teto do apartamento crie a ilusão de abrigo), apenas o todo e vazio negro. E a única proteção concreta é a das mãos em reflexo. Ver a lua, lembrar que somos mais um ponto (pálido?), sondar os mistérios do universo.

Sou toda urbana, distanciada de mim mesma. A urbe é bell jar de Sylvia Plath, arcaica abóbada celeste medieval - mas o céu aqui nem é abaulado, são pontas de ferro empinadas de orgulho paulistano pela riqueza e altura gratuitas. Pontas de lança. Pontas que já espetam. Vaidade vazia.

Na busca por um traço de céu, procuro alguns dos edifícios mais altos da cidade para clarear meus olhos míopes. Enxergar as cidades devastadas dentro dessa metrópole que vai se demolindo e se reerguendo a cada piscar de olhos. Haverá algo que eu ainda possa ver da mesma maneira que um habitante de seus primórdios?

Subir os lances da escada ao lado da estação Vergueiro do metrô tirava o fôlego e dava a sensação de que uma altura considerável estava sendo enfim alcançada. No décimo andar de um prédio comercial na Praça Santo Agostinho, beber água no final do expediente era um pretexto para comer minha fatia diária de céu. Tudo cinza, começando a resplandecer, era o que as grandes janelas de vidro diziam. Enquanto o céu anoitecia, a cidade amanhecia num brilho de colar de pérolas. No longe aquele desenho em lápis mole era fixo, calmo; pois a cidade vista assim das alturas é massa amorfa, os problemas parecem menores, os desenganos se amenizam, e mais, os olhos descansam numa sensação de liberdade que apenas a altura proporciona (ou que apenas ver a própria gaiola em amplitude representa).

Vejo uma dama de família quatrocentona apoiando um cálice na mureta ainda pouco cinza de poluição no terraço do Edifício Martinelli. Era um tempo em que os grã-finos circulavam pelo centro da cidade. Ela meneia a cabeça para trás num movimento sensual - pescoço alvo, dentes à mostra, cabelos ao vento - sua risada longínqua e estridente é o som presente de buzinas.

Milhões de murmúrios, lagartos, trânsito, conversas, balões, cobras, juras de amor, tráfico, pactos, pássaros também sobem com o ar quente. O resultado é um zunido incessante e não há mais como dissociar as partes desse todo silenciosamente barulhento. Sinfonia aleatória, doce assim do alto - apenas solta no ar, encontrando o ápice, o invisível cálice.

O ambiente do terraço, a 30 andares acima da terra firme é propício para declarações contundentes, comícios, atos grandiosos. Hoje seguranças acompanham os visitantes ao local, ainda que ninguém mais vá até lá com segundas intenções, a não ser em busca do mágico horizonte, da visão aérea privilegiada: corpo nu de mulher estendido é a cidade ao norte sul leste oeste. Enfim poder visualizá-la até onde a vista alcança, e então pontilhar a retina do perdido que sempre fora visto. Nem chego perto da sacada, o máximo que faço é apoiar as mãos e resistir ao "venha", bala puxa-puxa lançada pela mulher.

Como hoje alguém se arriscaria ao embalo dos andares-nuvens se a queda é inevitável e o tempo presente não tem a maciez da nostalgia?

Um lugar garantido no Paraíso pode ser tão direcionado às classes mais robustas quanto na época da venda de indulgências. Haveria local melhor para satisfazer meu intento de contemplar a linha de São Paulo do que o edifício mais alto da cidade? 46 andares. Plantado na beleza sombria e folhuda da Avenida Ipiranga desde 1965. Edifício Itália. Pois eu não contava com a rápida ação da hostess; é necessário completar uma chique e cara refeição (a tal indulgência versão descarnadas-asinhas-de-codorna-no-buffet) num restaurante para ter acesso à vista, ao firmamento mais badalado e menos público da cidade. Nem tão bonito assim, devo dizer...

Vê-se o milagre do concreto despontando pelas ruas em repentina miniatura. Finos canais aonde os autos percorrem, num também milagroso senso de direção diante de tantos caminhos-serpentina possíveis. É de cima que se vê o labirinto armado, que se avista o esqueleto do fura-fila com pernas magras, desajeitadas. Inúteis.

Bonito mesmo é aquele horizonte que surge ao motorista, numa das retas do Minhocão, em final de tarde como névoa tremelicante de luzes ou, nas noites claras, fantasma inalcançável. O edifício Altino Arantes tem carne, osso e uma linda bandeira, que embora à distância seja diminuta, olhando-a diretamente do mirante do edifício, é enorme, flutuante. E os movimentos do pano em dobras se sobrepõem ao ruído de fundo da cidade no acontecer diário. A bandeira do Estado de São Paulo pesa muito assim hasteada sobre 11 milhões de cabeças.

E é do Prédio do Banespa que surgem, como última cerca de natureza exuberante, montanhas marrons, negras, azuis. Antiga fortaleza de São Paulo de Piratininga.


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 27/7/2006

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Paulo Leminski, o Paulo Coelho da Poesia de Luis Dolhnikoff
02. Rejeição de Daniel Bushatsky
03. Ensaio sobre a surdez de Antônio Sérgio Valente
04. Meu dente (quase) caiu de Ana Elisa Ribeiro
05. O filho eterno e seus prêmios literários de Marcelo Spalding


Mais Elisa Andrade Buzzo
Mais Acessadas de Elisa Andrade Buzzo em 2006
01. Mia Couto revisitado - 14/9/2006
02. Novos autores na poesia brasileira - 18/5/2006
03. FLAP! Uma bofetada na indiferença* - 10/8/2006
04. As crianças cheirando cola - 7/12/2006
05. Qual é o seu departamento? - 26/10/2006


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
27/7/2006
00h40min
O que dizer de um texto tão belo?
[Leia outros Comentários de Rafael Rodrigues]
28/7/2006
02h39min
Isso é quase um poema, esse texto. Li, atras dessa reflexão algo melancólica, calma e densa, um poema de amor pela cidade de São Paulo. Conheço muito pouco mas, depois de um texto desses, me sinto quase íntimo da cidade. A maturidade dos sentimentos expressos aqui faz crer que São Paulo é muito mais rica do que imaginamos. Nada da velha ladainha da "cidade grande e desumana" e sim o contrário, transformar uma cidade enorme numa coisa humana, tão humana quanto o sentimento que ela, a cidade, pode provocar em pelo menos um de seus habitantes, no caso a autora. Elisa, repetindo o que o Rafael Rodrigues já disse: o que dizer (mais) de um texto tão belo?
[Leia outros Comentários de Guga Schultze]
28/7/2006
11h58min
"e o tempo presente não tem a maciez da nostalgia?": sinto como se ela fosse macia demais... a se esfacelar. como se não a tivesse por a ter em outras vias. ótimo, tudo.
[Leia outros Comentários de Eduardo Lacerda]
28/7/2006
17h03min
Elisa... é incrível como o paulistano não enxerga a beleza-feiúra desta cidade (será que não?). Esta gaiola de cinzas que nos torna presos e que atordoa... e, no entanto, pode-se voar, de alguma forma. Esta cidade... eu amo e odeio tanto... Mas só consigo ficar perplexo ante a beleza deste texto, assim como eu, com meus 32 anos vividos aqui, ainda fico perplexo com a cidade.
[Leia outros Comentários de Alessandro de Paula]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Maria Antonieta
Joan Haslip
Jorge Zahar
(1989)



O Milagre Da Cana
Luiz Galdino
Ed 25
(2011)



A Simulação na Luta pela Vida (corte Não Refilado)
José Ingenieros
Progressp



A outra guerra
Patti Davis
Best seller
(1986)



Historias Naturais: o Dia-a-dia dos Animais, Nossos Amigos.
Jules Renard
Landy
(2006)



Livro Cinema Como Prática Social
Graeme Turner
Summus
(1997)



Traumatismos do Sistema Musculoesqueletico - 2 Vols
Browner/jupiter/levine/trafton
Manole
(2000)



O Processo
Franz Kafka
Biblioteca Folha
(2005)



Empreenda sem Fronteiras
Bruno Pinheiro
Gente
(2016)



O Revolucionário do Tesão: a Incrível História do Psiquiatra e Escrito
Paulo José Moraes
Pasavento
(2020)





busca | avançada
64082 visitas/dia
2,5 milhões/mês