Sob Custódia, de Anita Desai | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
>>> “Poetas Plurais”, que reúne autores de 5 estados brasileiros, será lançada no Instituto Caleidos
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Borges: uma vida, por Edwin Williamson
>>> Why are the movies so bad?
>>> Histórias de gatos
>>> Microsoft matando o livro
>>> A TV paga no Brasil
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> Change ― and Positioning
>>> Retrato de corpo inteiro de um tirano comum
>>> Arte e liberdade
>>> Literatura em 2000-2009
Mais Recentes
>>> Alice No País Dos Números de Carlo Frabetti pela Atica (2024)
>>> Vidas Secas - 62 ed de Graciliano Ramos pela Record (1992)
>>> Vidas Secas de Graciliano Ramos pela Record (1994)
>>> Papéis de Shimon al-Masri - em arabe أوراق شمعون المصري de Osama Abdel Raouf ElShazly pela Dar Alruwaq ( (2024)
>>> Damianas Reign -Arabic - em arabe de Osama Abdel Raouf ElShazly pela Dar Alruwaq (2024)
>>> O Visconde Partido Ao Meio de Italo Calvino - Nilson Moulin tradutor pela Companhia das Letras (2006)
>>> Matematica Elementar II- Situações de Matemática do Ensino Médio de Marcelo Gorges - Olimpio Rudinin Vissoto Leite pela Iesde (2009)
>>> Livro Da Psicologia de varios Autores pela Globo (2012)
>>> Dignidade! de Mario Vargas Llosa e outros pela Leya (2012)
>>> A Noiva de Kebera - contos de Aldino Muianga pela Kapulana (2016)
>>> O Príncipe da Privataria - Coleção História Agora 9 de Palmério Dória pela Geração Editorial (2013)
>>> Jardim Do Diabo de Luis Fernando Verissimo pela Objetiva (2005)
>>> O Estrangulador de William Landay pela Madras (2012)
>>> Tirando Os Sapatos. de Nilton Bonder pela Rocco (2008)
>>> Contos da Ilha Grande de Renato Buys pela Eduerj (2010)
>>> Ponto de Impacto de Dan Brown pela Sextante (2010)
>>> O Desafio da Subversão de A. J. Paula Couto pela do Autor
>>> O Livro Das Religiões de varios Autores pela Globo (2016)
>>> Trabalho Domestico - Um Guia Pratico Para Empregadores E Empregados de Afonso Pacileo Neto pela Sensus (2013)
>>> Biblia Da Princesinha de Sheila Walsh pela Thomas Nelson (2012)
>>> A Virgem do Sol - os quatro cantos do mundo Tahuantinsuyo de Ana Cristina Vargas pela Boa Nova (2005)
>>> Morro Dos Ventos Uivantes - O Amor Nunca Morre! de Emily Bronte pela Lua De Papel (2009)
>>> Noz De Ouro de Catherine Cooper pela Bertrand Brasil (2012)
>>> Pearl Harbor de Randall Wallace pela Ediouro (2001)
>>> Curso de Preparação para Ministéios Leigos de Equipe diocesana de pastoral para os ministerios leigos pela Pau lus (2007)
COLUNAS

Segunda-feira, 15/12/2008
Sob Custódia, de Anita Desai
Ricardo de Mattos
+ de 5600 Acessos
+ 1 Comentário(s)

"Percebeu que amava a poesia não por sua arte de tornar as coisas imediatas, mas porque as removia para uma posição onde se tornavam suportáveis." (Anita Desai)

A porção do planeta que nos costumamos referir simplesmente como "Oriente" parece um navio que se aproximou lenta e majestosamente, aportou, e do qual subimos ansiosos as rampas a fim de conhecer os tesouros trazidos. O rótulo superficial de exotismo é rejeitado e abrimos estupefatos os contêineres plenos de riquezas a serem apreciadas e conhecimento a ser agregado. Inútil tentar estabelecer de onde vem a maior fartura. China? Japão? Tibet? Israel? Países Islâmicos? Índia? Junto de lamentáveis notícias de guerra e conflitos, chegam as de ordem política e econômica e chegam as de ordem cultural. No caso específico da Índia, se Salman Rushdie consolida seu nicho nas nossas editoras e livrarias, começa a dividir espaço com Pankaj Mishra, Kiran Desai e outros. É a ocasião de resgatar nomes veteranos que já foram traduzidos aqui, mas não receberam a devida atenção, como Anita Desai.

A escritora indiana Anita Mazumdar Desai nasceu em 1937, filha de mãe alemã e pai bengali. Poliglota, é versada em alemão, inglês, bengali, hindi e urdu. Começou a escrever aos sete anos, publicando sua primeira história aos nove. Estreou em 1963 ao publicar a novela The Peacock. Sob Custódia data de 1984. Foi adaptado para o cinema em 1993, ano em que a escritora vinculou-se ao departamento de Humanidades do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Por ele, Desai recebeu uma das suas três indicações ao Booker Prize, prêmio que afinal coube a sua filha Kiran Desai. Este último nome poderá soar mais familiar ao leitor, pois Kiran esteve na FLIP de 2007 e seu primeiro romance, intitulado Rebuliço no pomar de goiabeiras, já foi traduzido no Brasil.

Sob Custódia narra os transtornos provocados e sofridos pelo professor universitário Deven Sharma para entrevistar e escrever um artigo sobre o velho poeta Nur, um dos últimos nomes da agonizante poesia urdu. Para perceber o detalhe e compreender o conflito decorrente, é necessário esclarecer que o urdu era a língua culta dos muçulmanos que um dia habitaram em maior número o atual território indiano, no qual erigiram mesquitas e universidades e estabeleceram cortes de refinada cultura. Na década de quarenta do século passado, a Índia conquistou sua independência, mas parte de sua área foi destacada para criação do Paquistão. Estes fatos ocorreram quase quarenta anos antes da novela, o que revela o ancião como sobrevivente de uma época afastada e isolado de um povo que procurou outros horizontes. Deven é professor de hindi, a língua que prevaleceu mas tida como vulgar pelos nostálgicos defensores do urdu. Caso análogo retrata-nos Tolstoi na Rússia do século XVIII, quando a nobreza falava um francês castiço e desprezava o russo nativo.

Deven é um professor universitário cuja existência foi esgotada pela mediocridade e pobreza. Leciona hindi, mas estuda e escreve em urdu nas horas livres. O estudo da língua culta permite-lhe conviver com algo mais nobre entre a penúria em que transita pelo plano terrestre. Vive em Mirpore, uma cidade apresentada como injustificada, ou seja, não há um porto, um centro comercial, universitário ou industrial que explique sua origem. Seus templos e mesquitas são vazios de referências, apenas ocupam lugar no espaço e são usados. Isso num país que preza seu passado e tradições. Apesar da vontade fraca e da auto-estima quase nula, é aquele sujeitinho que fala alto em casa e agride a mulher, principalmente por ver-se nela como que num espelho. Cada um vive no seu incomunicável mundo de ilusões: "Uma vítima não procura ajuda em outra vítima; procura alguém que a liberte".

Outro personagem ligado a ele é seu "amigo" Murad. Foi ele quem encomendou a entrevista, com o objetivo de publicá-la na revista da qual é editor. Numa catástrofe como a que recentemente atingiu Santa Catarina, Murad estaria entre as pessoas que invadiriam as casas particulares em busca de despojos, jamais para resgatar.

Deven é e tem certeza de sua insignificância. Seu pai era outro anódino, mas legou-lhe o gosto pela poesia de Nur, na qual encontrou conforto durante a vida. Encontrando-se com o poeta, desaponta-se. Esperava um velhinho erudito entre companheiros dos bons tempos, conversando sobre poesia e flores. Depara-se com um homem comum, padecente dos limites da idade e das dores provocadas pelas hemorróidas. Um homem de temperamento fraco, explorado por falsos amigos e pelas esposas. No lugar da conversação literária imaginada, sucedem-se algazarras e conflitos familiares. Deven idealizou o poeta de tal forma que sofre ao encarar a realidade, perdendo-se em negações e indagações. Ele não entende como o autor de sublime obra pode levar vida tão desprezível entre aproveitadores. Na vida medíocre de Deven, Nur e sua produção ocupam o centro. Abalar este núcleo, esta ilusão tão bem elaborada, reflete na compensação da sua existência apagada. Por pior que sejam sua vida e sua rotina, elas são acalentadas por uma imagem. Desconfiar que a imagem esteja errada implica em reconsiderações e no enfrentamento de fatos desconfortáveis. Por outro lado, preservar aquilo que se amou e valorizou a vida inteira é preservar a si mesmo.

Justamente por abalar os fundamentos de sua existência é que a frustração sofrida por Deven é mais grave que outros casos apresentados pela Literatura. Em À sombra das raparigas em flor, o personagem de Proust demora-se adivinhando como será a encenação da Fedra de Racine, tantas vezes lida e estudada. Desencantado com a apresentação, segue seu caminho. Humberto de Campos ― esse Luis Fernando Verissimo do começo do século XX ― descreve em suas Memórias Inacabadas a decepção de encontrar o Barão de Itapari: procurou uma figura saída dos livros de História Medieval e encontrou um homem ordinário aguardando o bonde. Posso até citar um caso pessoal. Em torno dos dezoito anos li uma resenha sobre Hipérion, de Friedrich Hölderlin e gravei na memória uma frase: "Envolvemo-nos com a Filosofia, e perdemos nossa inocência; agora devemos seguir até o fim e salvar nossas almas". Entre idas e vindas, esgotamentos e reedições, aos 32 anos finalmente adquiro um exemplar e desaponto-me com o romantismo derramado, baboso.

De qualquer forma, após algumas desilusões o ser humano tem dois caminhos. Ou fica demasiado cínico, ou aprende a conhecer melhor seu semelhante antes de julgá-lo. Sim, porque forma-se o conceito de alguém com base em fatos e impressões. Criada a imagem, cobra-se de quem foi idealizado o comportamento esperado. Daí temos um degrau a mais no aprofundamento do assunto: já pensamos na desilusão causada por nós a alguma pessoa?

Outro aspecto ressaltado da personalidade de Deven é o da inabilidade, da incompetência em evitar situações ruinosas. Diversas vezes fica encurralado, em todas ele recebe ajuda inesperada, mas sempre estraga tudo. Desperdiça cada auxílio recebido em termos de dinheiro, oportunidade e tempo, quando o mínimo de realismo e planejamento afastaria o aperto. O talento de Anita Desai revela-se no fato de ela não recorrer a nada de extraordinário ao elaborar a trama. A escritora demonstra a idiotice do personagem camada após camada num realismo exasperante, que incomoda justamente porque se sabe existir pessoas assim. Apesar das diferenças culturais, tipos como Deven são encontrados em qualquer canto, nivelados pela mediocridade.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 15/12/2008

Quem leu este, também leu esse(s):
01. EUA, Ano Zero de Daniela Sandler


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2008
01. O Presidente Negro, de Monteiro Lobato - 29/7/2008
02. Sobre o Acordo Ortográfico - 24/10/2008
03. Sobre o Caminho e o Fim - 20/3/2008
04. Sob Custódia, de Anita Desai - 15/12/2008
05. Olímpica - 26/8/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
16/12/2008
08h58min
Anita Desai é um canto do mundo, uma estrela que viaja, e ilumina, com seus raios, as paisagens diferentes.
[Leia outros Comentários de Manoel Messias]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Coffee, Tea Or Crosswords 75 Light and Esasy Puzzles
Will Shortz
St. Martins Griffin
(2008)



O Poder da Liberdade
André Luis Chiarini Villar
Tv a Caminho da Luz
(2017)



O Fogo do Avivamento da Rua Azusa
Edino Melo
Ferramenta
(2011)



Meninos e Meninas
Domingos Pellegrini
Ática
(1998)



Sempre em Frente 286
Roberto Shinyashiki
Gente
(2008)



Como Se Tornar Um Lider Servidor
James C. Hunter
Sextante



Southernmost
Silas House
Tag, Faro
(2018)



Jogando e Aprendendo a Jogar
Marilda Pierro de Oliveira Ribeiro
Educ
(2008)



Semelhante Cura Semelhante
Marcus Zulian Teixeira
Petrus
(1998)



Designit Yourself - Web Sites
Avi Itzkovitch
Rockport
(2003)





busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês