Ninfomaníaca: um ensaio sob forma de cinema | Wellington Machado | Digestivo Cultural

busca | avançada
70874 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Eudóxia de Barros
>>> 100 anos de Orlando Silveira
>>> Panorama Do Choro
>>> Eduardo Freire lança livro e promove imersão em Project Thinking na Bett Brasil 2025
>>> Renan Inquérito celebra 10 anos do álbum “Corpo e Alma” de forma gratuita em SP
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
Colunistas
Últimos Posts
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
>>> All-In sobre as tarifas
>>> Paul Krugman on tariffs (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Apresentação autobiográfica muito solene
>>> Parei de fumar
>>> Tem café?
>>> Por que a Geração Y vai mal no ENEM?
>>> Entre os novos autores, uma artista
>>> O retalho, de Philippe Lançon
>>> Papo com Valdeck A. de Jesus
>>> Quem é (e o que faz) Julio Daio Borges
>>> Millôr no Vitrine
>>> Pina, de Wim Wenders
Mais Recentes
>>> Pensamentos Que Ajudam: Inspirações De Paz, Saúde E Felicidade Para A Sua Vida de José Carlos De Lucca pela Intelitera (2016)
>>> Questões do Coração de Emily Giffin pela Novo Conceito (2011)
>>> A Revolução Francesa Contra a Igreja da razão aos Ser Supremo de Michel Vovelle pela Jorge Zahar (1988)
>>> Como Dizer Tudo Em Espanhol de Ron Martinez pela Campus (2001)
>>> Pensando a Revolução Francesa de François Furet pela Paz E Terra (1989)
>>> Schopenhauer Una Filosofia De La Tragedia de Alexis Philonenko pela Anthropos (1989)
>>> Sobre o Fundamento da Moral de Schopenhauer pela Martins Fontes (1995)
>>> Schopenhauer Decifrando O Enigma Do Mundo de Marie-josé Pernin pela Jorge Zahar (1995)
>>> Filhos De Alhambra As Viagens De Alexandre Icaro de Paco Roca pela Conrad (2023)
>>> Azul Sem Fim de Stephen E. Ambrose pela Bertrand Brasil (2005)
>>> Violent Cases de Neil Gaiman; Dave McKean pela Aleph (2014)
>>> Cyrano De Bergerac de Edmond Rostand pela Editora Scipione (2002)
>>> Goosebumps. Como Matar Um Monstro de R.L Stine pela Fundamento (2006)
>>> O Sistema - Ed. Definitiva de Peter Kuper pela Monstra (2024)
>>> Como Escrever Tudo Em Inglês de Ron Martinez pela Elsevier (2002)
>>> The Merchant of Venice de William Shakespeare pela Pearson Education Esl (2011)
>>> A Mão Verde E Outras Histórias de Nicole Claveloux & Édith Zha pela Comix Zone (2022)
>>> O Céu Na Cabeça de Altarriba; García Sánchez; Moral pela Comix Zone (2024)
>>> Porque Escolhi Você? de Steve Biddulph pela Fundamento (2003)
>>> Espelho Meu (Graphic novel - Volume único) de Alexandre Callari pela Pipoca & Nanquim (2023)
>>> Um Pais Chamado Brasil de Marco Antonio Villa pela Crítica (2021)
>>> O Sol Na Cabeca de Geovani Martins pela Companhia Das Letras (2018)
>>> Coringa/arlequina - Sanidade Criminosa Vol. 1 de Kami Garcia; Jason Badower pela Panini (2020)
>>> Prosperar É uma Decisão - Ferramentas para Você Administrar de André Hummel pela Orvalho (2019)
>>> A Grande Odalisca de Vivès/Ruppert & Mulot pela Pipoca E Nanquim (2019)
COLUNAS

Quarta-feira, 12/2/2014
Ninfomaníaca: um ensaio sob forma de cinema
Wellington Machado
+ de 5500 Acessos

Qual é a gênese da hipersexualidade? Seria um distúrbio inato ou socialmente influenciável? Teria o amor lugar na compulsão erótica? Quem vê as primeiras imagens de Ninfomaníaca, de Lars von Trier, parece estar diante cenas produzidas por Tarkovski em Stalker: um ambiente lúgubre, inóspito e úmido, com líquidos escorrendo e gotejando por todo lado. A cena parece retratar um vazio existencial, ainda que permeado de excitação constante - a umidade é uma metáfora onipresente. Joe ( Charlotte Gainsbourg) está deitada no chão sujo, gravemente ferida. Não sabemos se foi uma tentativa de suicídio, se foi empurrada ou violentada. Ela é amparada por Seligman ( Stellan Skarsgard), um senhor culto e solitário, que a leva para seu apartamento. Ela se propõe a narrar a ele suas compulsões sexuais desde a infância. Eis a história do filme. Simples, narrada em flashbacks.

"Eu vejo o pôr-do-sol diferente das outras pessoas", pensa Joe ao refletir sobre sua condição. Essa "diferença" é percebida ainda na infância pela personagem. Uma ninfomaníaca tem reações multifacetadas e inesperadas; muitas vezes contraditórias e inconstantes. Lars von Trier é didático. Apesar de a história ser narrada de forma elementar, Ninfomaníaca é quase um tratado sobre luxúria, amor, dominação, delírio, sofrimento e manipulação. O filme é permeado por questionamentos filosóficos, analogias com animais, referências a mapas, desenhos, superstições com números e citações literárias (Edgar Allan Poe). Joe, como "objeto de estudo", é uma metáfora para a reflexão não só sobre suas pulsões sexuais, mas também sobre como "o outro lado" - no caso, os homens - reagem a ela, de forma machista, dissimulada, às vezes hipócrita.

Tamanho número de referências dão ao filme um tom caleidoscópico. A gênese da patologia, por exemplo, é narrada por von Trier fazendo uma referência à fase ninfa dos insetos: uma metamorfose, quando estes ainda "não sabem o que serão", uma fase de descoberta em que os caminhos futuros podem estar relegados ao puro acaso. O despertar de uma hiperatividade sexual, na visão do diretor, pode estar numa brincadeira entre duas garotinhas no chão molhado e escorregadio de um banheiro. Elas se tocam eventualmente e se olham, como se um sentimento obscuro e indecifrável as acometesse. Há um corte brusco na cena para a imagem de um sapo gosmento se lançando ao rio, formando um filete viscoso.

Lars von Trier tenta mostrar como uma ninfomaníaca direciona - consciente ou não - aspectos sociais à sua conveniência. Joe, ainda na infância, tem em seu pai um ídolo insuperável. Ele disserta, de forma constante, sobre a beleza de uma árvore oleácea (viscosa?), o freixo - a perfeição de suas folhas, seu fruto preto, suas mutações durante o crescimento. A árvore representa um objeto fálico para a garota: a beleza do tronco que "se isola" ereto no inverno, com a queda das folhas. "É no inverno que as árvores mostram sua alma", diz o pai. Na adolescência, Joe já é sexualmente compulsiva: além do prazer sexual, ela precisa de quantidade e diversidade de parceiros, como se se estabelecesse uma meta numérica de relações.

A inconsequência e a indiferença parecem ser uma constante no comportamento ninfomaníaco. O sentimento alheio é ignorado de forma descartável e cínica. Tudo é manipulado em prol da própria satisfação sexual. Joe destrói casamentos e brinca com o machismo dos seus parceiros insuflando-lhes o ego. Até o sofrimento alheio é transformado em prazer: ela se excita com o agonia do pai, que está à beira da morte no leito do hospital. A dominação para a ninfomaníaca tem nuances ambíguas: ela gosta de dominar, mas sente prazer também em ser dominada. O filme aborda também a condição do "outro", a diversidade de parceiros com os quais Joe se relaciona. Parece ser um objetivo para ela conhecer as várias formas de personalidades masculinas existentes. Ela se relaciona com homens desde os mais gentis até os mais estúpidos e agressivos. E essa diversidade de parceiros também é física: ela se relaciona com homens másculos, magros, gordos, sujos etc.

A "investigação" de Lars von Trier tenta decifrar a visão da ninfomaníaca sobre o amor. Para ela, há um sentimento de revolta contra os padrões tradicionalmente estabelecidos: "combater a sociedade obcecada pelo amor", diz a protagonista, como se empunhasse uma bandeira. Na relação entre erotismo e amor, ela afirma que o erótico é mais sincero (por ser carnal, identificável, decifrável); já no amor, as pessoas dizem sim quando querem dizer não, num simulacro mútuo insincero, cujo único objetivo é a preservação da relação - ainda que a duras penas. Mas há uma contradição na personalidade ninfomaníaca. Ao mesmo tempo em que ela se relaciona com inúmeros parceiros, ela é acometida por uma melancolia profunda, um sentimento de solidão incurável.

Diante de tantos parceiros, a ninfomaníaca não teria predileção por algum? Sim, ela elege "o parceiro", a pessoa que lhe dá um prazer superior ao dos outros. Um parceiro que lhe umedece de forma diferente, que a beija com um movimento de língua peculiar, que a toca nos lugares exatos. Esta é uma relação que parece transcender o êxtase. O "eleito" é insuperável em excitação. Mas tudo é possível para uma ninfomaníaca. Inclusive, no auge da excitação, à beira do orgasmo, ser acometida por uma ruptura total. Aí tudo para, o mundo para, o som para num enorme hiato. Uma ruptura brusca: "Eu não sinto nada", diz.

Lars von Trier filma Ninfomaníaca como se fizesse uma colagem. Os animais são uma analogia constante: o jaguar com uma presa na boca representa uma personalidade dominadora; uma leoa presa numa jaula é uma metáfora para a solidão de Joe. A música polifônica de Bach é um modelo para a diversidade de relacionamentos vividos pela protagonista. Uma sequência de imagens em preto-e-branco representa o sofrimento do pai numa ambientação que remete à "Queda da casa de Usher", de Edgar Allan Poe. Cortes abruptos, troca de tonalidades nas cenas, momentos de secura, movimentos de câmera que simulam o olho humano são características que remetem ao Dogma 95, movimento criado pelo diretor, juntamente com outros cineastas. A trilha sonora pesada da banda alemã Rammstein dão um tom de contemporaneidade ao filme. Tão importante quanto a escolha da trilha é ter a noção exata do melhor momento para executar cortes bruscos na mesma, num contraste seco com silêncios absolutos, promovendo guinadas na narrativa.

Ninfomaníaca só vem a comprovar a versatilidade e a evolução do Lars von Trier, após trilhar pelo debochado Os idiotas, um musical melancólico (Dançando no escuro); filmes claustrofóbicos e impiedosos com o ser humano (Dogville e Manderlay); a simbologia em Anticristo e a explosão de imagens oníricas em Melancolia. Alguns afoitos classificaram o Ninfomaníaca como um filme pornô. Uma atrocidade. As cenas de nudez e sexo explícito, motivo pelo qual os eufóricos correram para os cinemas, não passam de meros adereços ilustrativos.

Segundo Montaigne, escrever ensaios é refletir de forma autônoma sobre um assunto complexo, geralmente alheio à especialidade do autor, atribuindo ao tema uma forma coerente e apresentando-o de maneira organizada (no caso de Ninfomaníaca, em capítulos temáticos). Enfim, apresentar uma reflexão original sobre qualquer assunto, recheando-o de exemplos práticos que elucidem tal ideia, ainda que feita por um não especialista. Essa visão parece bem perto do que Lars von Trier fez no filme, sem ser psicólogo ou psiquiatra (o que não quer dizer que ele não os tenha lido; provavelmente o fez). Apesar de uma vida intensa, Joe está apenas na adolescência nessa primeira parte do filme. Que venha o NINF()MANÍACA - Volume 2.


Wellington Machado
Belo Horizonte, 12/2/2014

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Solidão Moderna de Mentor Muniz Neto


Mais Wellington Machado
Mais Acessadas de Wellington Machado em 2014
01. Marcador de página inteligente - 3/9/2014
02. O luto e o luto de Valter Hugo Mãe - 2/7/2014
03. Gullar X Nunos Ramos: o dilema da arte - 6/8/2014
04. Ninfomaníaca: um ensaio sob forma de cinema - 12/2/2014
05. Proust, rugas e colesterol - 9/4/2014


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Statistical Thinking For Managers
David K. Hildebrand e Lyman Ott
Duxbury
(1991)



Química Geral - Vol. 2
James Edward Brady
Ltc
(2007)



Das schwarze Weib
Julius Wolff
Paul List
(1912)



Historia Do Cerco De Lisboa
José Saramago
Folha de São Paulo
(2003)



Pandemia e Agronegócio
Rob Wallace
Elefante
(2020)



Fonoaudiologia na Empresa Atuação Em Call Center
Renata Garcia Alloza
Revinter



1940 Terra Invadida a França de Joelho
Abril
Abril
(2009)



A Arte do Perdão, da Ternura e da Paz
Jack Kornfield
Cultrix



Guerreiro Ramos: Considerações críticas a respeito da sociedade centrada no mercado
Luiz Antonio Alves Soares
Cra-RJ
(2005)



Acumulação de Ativos e Atividade Econômica
James Tobin
Vértice
(1987)





busca | avançada
70874 visitas/dia
2,5 milhões/mês