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Segunda-feira, 27/5/2013
De cadelos e cachorras
Ricardo de Mattos
+ de 8100 Acessos

"O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, situado num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais" (Milan Kundera).

Senhoras e senhores, nossas observações empíricas permitem-nos concluir que os cães sorriem, riem e gargalham. Antigo relato do pai iniciou nossa recolha. Vendo-se sozinho na casa, permitiu que as cachorras da época entrassem e refestelassem-se no carpete. Assistindo ao futebol na sala de televisão, afirmou que, ao olhar para uma delas - Diana, a única cachorra brava que tivemos -, flagrou-a deitada com a barriga para cima, olhando-o e "dando risada".

Distintos membros da assembleia, outra não pode ser nossa conclusão a respeito da risada canina quando diariamente nossa Carmela segura com os dentes a barra de nossa roupa e gane de tal forma que um vizinho recém-mudado poderia cogitar de maus tratos. Diariamente andamos pela casa com ela segurando nossa roupa, ganindo e mantendo tal garbo na marcha que as psiquiatrias humana e animal poderiam realizar rico estudo de caso. Por vezes, andamos à toa apenas para conferir até onde segue a fanfarronice. Nossa hipótese inicial é de feliz gargalhada por reencontrar seus familiares. Mesmo que entremos apenas para atender ao telefone ou à campainha e voltemos. Quando larga-nos a roupa, apanha o que estiver mais à mão - ou mais à boca, do seu ponto de vista - e segue-nos ainda resmungando. Não à toa que a sétima parte d'A insustentável leveza do ser, intitulada O sorriso de Karenin, desanuviou tão trágica leitura e foi recebida com reconhecimento.

Nobres dignitários, oportuna a lembrança. O encontro com a obra foi mais uma das provocações já mencionadas algures: não havia jornal ou revista que abríssemos e não encontrássemos alguma menção ao autor e ao livro, mesmo que se tratasse do recente lançamento de outro. Vá lá, cumpra-se nossa sina - e antes todas as sinas fossem assim - e leiamo-lo. Embora triste, é uma ótima obra, merecedora da permanência que tem. Salvo inspiração para a presente coluna, percebemos que as idas e vindas de Tereza e Tomas, Sabina e Franz servirão de base para futuras meditações. Voltemos aos cães.

Honrados leitores, outra verdade colhida das páginas do livro encontramos durante as reflexões de Kundera sobre o mito da expulsão do Paraíso. Diz ele que "o cão jamais fora expulso do Paraíso". Ao contrário, aceitou a missão de acompanhar o ser humano, este ingrato. Ingratidão que vai da agressividade de quem lhe dá pontapés à histeria de quem o veste de boneca e expõe-no a outros ridículos. Ingratidão verificada na pesquisa laboratorial e na horrenda fala "mas é só um cachorro", seja qual for a circunstância. "Há milhões de cachorros no mundo". Há milhões de humanos no mundo.

Ínclitos assistentes, deveríamos sempre encarar nossos animais e recordarmo-nos de nossa responsabilidade para com suas vidas. Nossos cães, deveríamos segurá-los por baixo dos focinhos, agradecer-lhes a companhia no exílio e dar-lhes um biscoito. Si apressados, sequer saímos ao quintal, pois há um ritual a ser cumprido: roupa puxada por uma, saída desembestada da outra em busca do rato - que não existe -, coçada vigorosa em ambas. Chora-coça-deita-coça. Uma prefere no lombo, entre os pelos e com força. A outra o umbigo: seja qual for a posição em que estivermos, dará um jeito de encaminhar nossa mão. Saiamos sem estas atenções e depararemos com olhares pasmos, como de alguém a pensar: "Como? Sem coçada? E toda esta recepção que organizamos? Não há justiça no mundo?".

Eminentes estudiosos, um livro acompanha-nos há onze anos e já foi citado em coluna anterior sobre nossos companheiros. É Da dificuldade de ser cão, do francês Roger Grenier. Lemos sobre o labrador Marley, mas a comparação entre as duas obras é ilustrativa para a comparação entre o que é um clássico e o que é um livro de estação. Procurando mais uma vez nosso exemplar do Grenier no armário, verificamos que o personalizamos de tal forma que poderemos reconhecê-lo de longe. Um selo da República da Kampuchea (?) e uma figura adesiva em suas primeiras páginas; o carimbo com nosso nome; diversas anotações a lápis a respeito de outros cães de outras obras. Interrompemos a coluna para abri-la ao acaso e acrescentarmos: "a Karenin, de Kundera". Sim, porque o mestiço de São Bernardo com pastor alemão que leva o nome do personagem de Tolstoi é fêmea. Além deste, agregamos às páginas de Grenier as seguintes lembranças:

1 - o cão Chiquinho da série de livros Patas na Europa, de Antonio Costella, professor e diretor do Museu da Xilogravura da cidade de Campos do Jordão;
2 - o amor de Simon Bolívar pelos cães, conforme descrito por García Marques n'O General e seu labirinto, que chegou ao ponto de recolher um vira-lata agredido por outro cão e chamá-lo por seu próprio nome;
3 - o feroz buldogue "Falstaff" na Niétotchka Noezvânova, de Dostoievsky;
4 - os cães da raça Fox-terrier, entre os quais o filhote "Old" do conto A Insolação, de Oscar Quiroga;
5 - os "Merimbicos" e "Brinquinhos" de Monteiro Lobato;
6 - a relação de Walter Scott com os cães, descrita no quarto volume da enciclopédia de raças Nossos amigos os cães, no capítulo dedicado ao Scottish Deerhound;
7 - o cachorrinho "Tom" mencionado por Lampedusa no conto autobiográfico Recordações da Infância;
8 - o desastrado "Argo" do conto de Italo Svevo;
9 - a pobre cadela de Hitler, sacrificada a título de experiência, seja qual for a justificativa;
10 - o charmoso "Kurika", cuja biografia em prosa poética forma o deleitoso Cão como nós, do português Manuel Alegre.
11 - o Quincas Borba, de Machado de Assis;
12 - a Baleia, de Graciliano Ramos;
13 - o cão filósofo Snoopy.
Criteriosos examinadores, à epígrafe podemos acrescentar que mesmo a respeitabilidade de um regime político pode ser avaliada pela maneira como os cães são tratados. Kundera menciona o canicídio em massa ocorrido na República Tcheca após a invasão soviética. Sorte análoga tiveram os cães chineses sob a ditadura de Mao-Tse-Tung. Não temos motivos para acreditar em melhoras após horrenda notícia vinda deste mesmo país, a respeito do abate a pauladas dos cães excedentes. As reuniões visando a aproximação com países do Oriente deveriam seguir pauta na qual se abordasse diretamente a continuidade ou não do uso de cães na alimentação. "Continuarão fazendo uso de carne canina? Continuarão recorrendo à tradição para manter esta espécie de canibalismo? Muito obrigado, sua amizade e parceria não nos interessam".

Sarracena equipe, a verdadeira caridade supera as barreiras interpostas entre um humano e outro e aperfeiçoa-se ao alcançar as demais espécies. Acompanhamos o trabalho de uma noite de um grupo de jovens dedicado a levar pão e sopa aos moradores das ruas taubateanas. Um dos atendidos foi um senhor acompanhado de seu cão Júnior. Servido do refazedor líquido, nele mergulhava o pão que oferecia ao seu amigo e guardião. O morador seguinte, fazia do seu carrinho de catanças a armação da barraca noturna. Suas duas cachorrinhas - Xuxa e Menina - costumavam dormir com ele sob o pano. Entretanto, como naquele dia alguém furtou parte de seus guardados e elas não deram o costumeiro alarme, despejou-as para o relento.

Interessados conselheiros, a amizade granjeada ao longo dos anos - quase escrevíamos "séculos" - fez com que colhêssemos mais lembranças da convivência que das páginas. Como esquecer a Zimba, que se empanturrou de tal forma com as sobras fornecidas pela cozinheira em certo dia, depois não conseguindo sequer deitar-se? Como olvidar a já mencionada Diana, quem criou tal pavor pela piscina a ponto de puxar-nos para fora dela pelos braços? Como deixar de lembrar-nos da sofrida Gabi que, devidamente provocada, surtava e desembestava pelo jardim formando diversas vezes o número "8" entre os canteiros? A principal memória que ficou do Eduardo, o vira-lata de nossa avó, foi provocada por uma de suas fugas e pela providência tomada pelos pedreiros que trabalhavam na casa vazia pelo desencarne dela. Caso ele escapasse, poderia ser reconhecido de longe pelo carnavalesco colar de havaiano que lhe enrolaram ao pescoço. Providência inútil, infelizmente.

Complacentes amigos, a vós que suportastes nossas divagações e a nós vos irmanam pelo amor aos ditos irracionais, nosso "Muito Obrigado".

Nota do Editor:
Leia também "Homens, Cães e Livros", de Adriana Baggio, e "Histórias de gatos", de Carla Ceres.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 27/5/2013

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