Lendo Virgílio, ou: tentando ler os clássicos | Julio Daio Borges | Digestivo Cultural

busca | avançada
63685 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Banda Star Beatles sobe ao palco do Hard Rock Cafe Florianópolis
>>> Estão abertas inscrições para cursos, vivência e residência artística no Teatro do Incêndio
>>> Nas férias, Festival ALLEGRIA reúne atrações gratuitas de teatro musical e circo na capital
>>> Lacerdine Galeria agita no dia 12/7 a programação com a Festa Julinarte, banda de forró de rabeca e
>>> Festival exibe curtas-metragens online com acesso livre
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Pagando promessas na terra do sol
>>> Como escrever bem — parte 2
>>> Amores & Arte de Amar, de Ovídio
>>> Reflexões para um mundo em crise
>>> Porque ela pode, de Bridie Clark
>>> Vanguarda e Ditadura Militar
>>> A profecia de Os Demônios
>>> Para entender Paulo Coelho
>>> A letargia crítica na feira do vale-tudo da arte
>>> Jonny Ken do migre.me, no MitA
Mais Recentes
>>> A Viajante Do Tempo (serie outlander) de Diana Gabaldon pela Rocco (2004)
>>> Mentes Perigosas - O Psicopata Mora Ao Lado de Ana Beatriz Barbosa Silva pela Fontanar (2008)
>>> Leonardo da Vinci Artistas Famosos Uma Introdução à Vida e Obra de Leonardo da Vinci de Antony Mason pela Callis (2012)
>>> Correio Feminino de Clarice Lispector pela Rocco (2006)
>>> A Raiva (4º reimpressão - capa dura) de Blandina Franco - Jose Carlos Lollo pela Pequena Zahar (2019)
>>> Os Meninos Adormecidos de Anthony Passeron pela Fósforo (2024)
>>> A Ocupação de Julián Fuks pela Companhia Das Letras (2019)
>>> Mas em que Mundo tu Vive? de José Falero pela Todavia (2021)
>>> A Filha Única de Guadalupe Nettel pela Todavia (2022)
>>> A Jornada de Felicia de William Trevor pela Biblioteca Azul (2014)
>>> O Castelo de Minha Mãe de Marcel Pagnol pela Pontes (1995)
>>> Segunda Casa de Rachel Cusk pela Todavia (2022)
>>> Louco Por Hqs (8º impressão - com suplemento de atividades) de Tânia Alexandre Martinelli - Quanta Estúdio pela Do Brasil (2019)
>>> Livro Geografia Geral E Do Brasil: Espaço Geográfico E Globalização de Eustáquio De Sene, João Carlos Moreira pela Scipione (1999)
>>> Cinema E Psicanalise - Filmes Que Curam - Vol 3 de Christian Ingo Lenz Dunker pela Nversos (2015)
>>> Machado de Assis e a Escravidão de Gustavo Bernardo, Joachim Michael pela Annablume (2010)
>>> Quem da Pátria sai, a si Mesmo Escapa de Daniela Meirelles Escobari pela Escuta (2009)
>>> O espirito na arte e na ciencia (capa dura) de Jung pela Vozes (1985)
>>> Mãos de Cavalo de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2006)
>>> Barba Ensopada de Sangue de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2012)
>>> Dificuldades De Aprendizagem de Nora Salgado Ana Maria Spinosa pela Grupo Cultural (2009)
>>> Cordilheira de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2008)
>>> O Pequeno Principe Em Cordel de Antoine de Saint Exupéry; Olegário Alfredo (o Mestre Gain) pela Penninha Ediçoes (2020)
>>> Pais e Filhos de Ivan Turgueniev pela Companhia Das Letras (2021)
>>> 3.000 Questões de Fonoaudiologia para Passar em Concursos de Raimundo Nonato Azevedo Carioca pela Odontomidia (2008)
COLUNAS

Segunda-feira, 25/5/2015
Lendo Virgílio, ou: tentando ler os clássicos
Julio Daio Borges
+ de 8300 Acessos

"O principal conhecimento que se adquire lendo livros é o de que poucos livros merecem ser lidos."
H.L. Mencken

* Para um leitor de verdade, ler é uma grande aventura ― se não for a maior de todas. Você lê, lê, até que, um dia, percebe que não vai ler tudo. Ler o quê, então? As grandes obras. As grandes obras são poucas. E são os grandes desafios de qualquer leitor. Tem gente que gostaria de escalar o Everest. Eu gostaria de ler as grandes obras da literatura. Acredite, é uma grande ambição para um leitor de verdade. Se não for a maior de todas.

* Nesse sentido, quando eu li Homero, achei que havia atingido um "marco" na minha carreira de leitor. Pois, de certo modo, Homero é o começo de tudo. Homero é o "Gênesis". Homero está na fronteira entre a língua escrita e a língua falada. Homero compilou a tradição oral de sua época e deu forma "literária" a ela. Homero é quase a Pré-História que virou História. Ou, naquela piada do Millôr, é "o analfabeto que criou o alfabeto". Homero está na origem da nossa civilização. Homero é o DNA da nossa literatura.

* Mas o desafio das grandes obras ― para nós ― é a tradução. Como a nossa nação é jovem, e a maioria das grandes obras não foi escrita na nossa língua, nosso desafio, também, é o de encontrar uma boa tradução. Legível. Quando terminei de ler Homero, me senti órfão. Não queria abandonar aquele mundo. Mas qual a continuação? Virgílio. OK, Virgílio ― mas em que tradução?

* Eu tive a sorte de frequentar o mesmo Starbucks que um dos nossos maiores helenistas, o professor Antonio Medina Rodrigues. Um dia eu entrei nesse Starbucks com a minha edição da Odisseia ― com o desejo de escrever uma resenha (que nunca escrevi) ― e lá estava o professor com uma edição da... Odisseia! A diferença é que eu havia acabado de ler e ele estava revisando o prefácio de uma edição que seria relançada (e que ele, originalmente, prefaciou...).

* Eu perguntei: "Professor, qual é o maior poeta? Homero, Virgílio, Dante ou Shakespeare? O Harold Bloom diz que é Shakespeare, o senhor concorda?". Ele me respondeu: "Ah, é Homero! O Harold Bloom floreia muito. Aquele negócio de 'angústia da influência'... Aquilo sempre existiu!". Continuei com as minhas indagações: "Professor, o senhor acha que Platão se igualou a Homero, criando a filosofia, uma vez que ele percebeu que não ia conseguir ser tão grande poeta?". E ele: "Acho que sim. Mas Platão falando de Homero é como um economista falando de futebol... É outra coisa!".

* Acho que querendo ler a Ilíada ― que ainda não havia saído na tradução do Frederico Lourenço ― pedi ajuda ao professor: "Qual é a boa tradução da Ilíada, professor?". Ele, sem pestanejar: "Pega a do Odorico Mendes". E eu, titubeante: "Putz, eu tenho, mas achei muito difícil, muitos neologismos, parece Guimarães Rosa". E ele, me corrigindo: "Guimarães Rosa, não! O Odorico fazia o que podia. Insiste mais um pouco... O Odorico é o melhor de todos".

* Tive a sorte de pegar a Ilíada do Frederico Lourenço e lê-la foi uma das grandes emoções ― ou aventuras ― da minha vida de leitor. Mas foi frustrante descobrir que o cavalo de Troia não aparece no principal livro sobre Troia. Ilíada vem de "Ilium", que é outro nome para Troia. A rigor, nem a queda de Troia aparece na "Troiana" (minha adaptação para Ilíada). O poema acaba junto com os funerais de Heitor. E eu pensei: "Cadê o cavalo? Cadê o incêndio? Cadê a Cassandra? Cadê o calcanhar de Aquiles? Onde eu encontro a continuação dessa história?".

* Foi quando eu pensei em Virgílio. E descobrir uma tradução foi outra odisseia. Tanto que no meio ― entre Homero e Virgílio ― eu acabei lendo o Ulisses de Joyce. (Para vocês terem uma ideia de como foi difícil e de como demorou.) Na realidade, eu encontrei uma boa tradução, em francês, prefaciada por ninguém menos que Sainte-Beuve (procurando na internet). É uma edição do começo do século XX, mas não consegui descobrir o tradutor ― nem se foi reeditada. Tenho o PDF e comecei a imprimir. Mas senti que estava "perdendo" alguma coisa...

* Tentei, então, a tradução daquela coleção da Oxford, Loeb Classical Library. Coleção bilíngue, que eu sempre namorei, e que achei que havia chegado a hora de comprar (Virgílio merecia). Acho que li todas as Bucólicas e um pouco das Geórgicas, mas, quando chegou na Eneida propriamente dita, empaquei de novo. Até a edição do Odorico Mendes, que também traduziu a Eneida, eu tentei ― mas, igualmente, não consegui. Meu tio Papi me mandou, da França, a edição da Belles Lettres, de aniversário, mas só consegui mesmo na tradução do Carlos Alberto Nunes, pela editora 34 (sorry, Tio Papi).

* O Carlos Alberto Nunes eu conheci pelas traduções dos Diálogos de Platão, que a editora da Universidade Federal do Pará reedita. Sua tradução do Fédon me impressionou enormemente. Sobretudo a descrição do que acontece com a alma depois que o corpo morre. Que ― talvez, não por acaso ― coincide com a descrição que os espíritas fazem do "processo". Que coincide, também, com a descida de Ulisses à mansão do Hades (na Odisseia). E coincide, ainda, com a visita de Eneias ao reino dos mortos (na Eneida)...

* Virgílio é o principal discípulo de Homero. Ou ― dos que chegaram até nós ― o que chegou mais perto dele. Virgílio é o Homero romano. É talvez o maior poeta depois de Homero. Se é que Homero de fato existiu ― ou se é que foi um "único" Homero. Me disse o professor: "Homero foi quem deu a última mão estilística". Homero é uma força da natureza. Como algo que brota da terra. Virgílio tinha um plano: contar a História de Roma, através de um épico, que fosse tão grande quanto os de Homero...

* A Eneida foi ainda mais ambiciosa, porque fundiu a Odisseia com a Ilíada. Até a metade, é a viagem de Eneias, um dos sobreviventes de Troia, em busca da terra prometida (para usar uma imagem fora de contexto). Quando ele, finalmente, chega à Itália, ou ao Lácio, tem de conquistar a região ― então começa a segunda metade da Eneida, que se inspira na Ilíada. Virgílio demorou pouco mais de uma década para escrever a obra toda. E o mais irônico é que morreu na viagem que fez à Grécia, para conferir alguns locais onde a ação se passa. Doente, pediu que a Eneida, não totalmente revisada, fosse destruída. (Não obedeceram, graças a Deus.)

* A parte da guerra, eu achei muita guerra. (Mais que a Ilíada.) A parte da viagem, da Odisseia, eu gostei mais. Tem até um certo lirismo, belíssimo, que eu adorei ― que é a visita de Eneias a Cartago, governado pela rainha fenícia Dido. Que se apaixona por Eneias, que havia perdido a mulher, Creúsa, ainda em Troia... A paixão da Dido é uma das maiores histórias de amor de toda a literatura. E esse trecho já vale pela Eneida inteira. É como o monólogo da Molly Bloom, no Ulisses, de Joyce, que vale o livro todo. (Aliás, se você for começar o Ulisses, comece de trás para frente...)

* Lendo os romanos, eu não me conformo com a frase de Heidegger que diz que o latim não acrescentou "nada" (que os gregos criaram "tudo"). Acho que ele falava de filosofia. Mas, mesmo assim, acho injusto. Depois que eu li o Dom Quixote, que é talvez o primeiro romance moderno, eu cheguei na Antiguidade graças aos romanos. Não foi graças a Heidegger. Graças à filosofia, talvez. Mas nada a ver com Heidegger.

* Em 1999, na virada do milênio, eu estava lendo um livro sobre Hobbes, de um autor contemporâneo, e ele passava por Cícero. Como eu estava na França, comprei o volume dedicado aos estoicos, da biblioteca da Pléiade. Anos depois ― aproximadamente uma década depois ― me deparei com o volume da Marilena Chauí, pela Companhia das Letras, dedicado a esse período da filosofia, o helenismo. E me encantei. Lembro que no começo de 2011 eu estava lendo Cícero, Sêneca, Marco Aurélio, no volume da Pléiade, e me transportei para outra época...

* Também li Ovídio, a Arte de Amar, na coleção da Penguin Companhia. E, na época em que a Mamãe se foi, eu li as Cartas Pônticas, que é a correspondência do exílio de Ovídio, e me identificava completamente, porque me sentia "exilado" da vida. Os autores romanos sempre me tocaram muito. E há muito tempo eu acalento o sonho de estudar letras clássicas. E, um dia, lê-los no original. Até mais que os gregos...

* Eu tenho enorme respeito por essa época e fico imaginando um tempo em que convivam Ovídio, Virgílio e Horácio... Este um dos preferidos de Fernando Pessoa, modelo para Ricardo Reis. Cujas "odes" o Tio Papi também me mandou, pelas Belles Lettres, mas nas quais tampouco engrenei (sorry, Tio Papi, de novo). A vida de leitor pode ser de grandes realizações ― Homero, Virgílio, Joyce ―, mas é de frustrações também. Quando João Ubaldo Ribeiro morreu, estava em mais uma tentativa de ler Virgílio ("agora, quem sabe", declarou). Luiz Schwarcz, o editor da Companhia das Letras, outro dia confessou que nunca leu o Ulisses...

* Agora quero ler Dante. Eu digo "agora", mas não é agora agora. Quando for a hora. O que eu quis dizer é que "meu próximo passo", digamos assim, é Dante. Até porque o guia de Dante, na Divina Comédia, não é ninguém menos que Virgílio... Depois de Dante? Shakespeare, que eu precisava ler direito. Só aí poderei responder quem é "o maior poeta" ;-)


Julio Daio Borges
São Paulo, 25/5/2015

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Fragmentos de Leituras e Sentido de Ricardo de Mattos
02. Guia para escrever bem ou Manual de milagres de Ana Elisa Ribeiro
03. Eu e as Copas de Julio Daio Borges
04. A LPB e o thriller verde-amarelo de Luis Eduardo Matta
05. Não chore por nós, Argentina! de Félix Maier


Mais Julio Daio Borges
Mais Acessadas de Julio Daio Borges em 2015
01. Lendo Virgílio, ou: tentando ler os clássicos - 25/5/2015
02. Regras de civilidade (ou de civilização) - 21/9/2015
03. Man in the Arena 100 (e uma história do Gemp) - 30/11/2015
04. Como Steve Jobs se tornou Steve Jobs - 4/11/2015
05. 10 coisas que a Mamãe me ensinou - 10/5/2015


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Cabeça Cortada de Dona Justa
Rosa Amanda Strausz (dedicatória da Autora)
Rocco
(2022)



Livro Religião O Céu e o Inferno Ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo
Allan Kardec
Lake
(1999)



Despertando para Sonhar e Poeira de Estrelas
Eduardo Bakr
Nova Fronteira
(2005)



Genealogias
Elisabeth Roudinesco
Relume Dumará
(1995)



O que há de estanho em mim 545
Gayle Forman
Arqueiro
(2016)



Livro Ardente Paciência
Antonio Skarmeta
Circo das Letras



Ponto de Origem
Nancy Osa
Nemo
(2016)



Modernização dos Portos
Carlos Tavares de Oliveira 4ª Edição
Aduaneiras/anhanguera
(2007)



Tempestade de Guerra
Victoria Aveyard
Seguinte
(2019)



Pt na Encruzilhada: Social-democracia, Demagogia Ou Revolução
Denis L Rosenfield
Leitura XXI
(2002)





busca | avançada
63685 visitas/dia
1,7 milhão/mês