Quanto mais corremos, mais a linha final a ser cruzada se aproxima. Vá devagar e sempre, assim o caminho te parecerá mais alongado e você poderá, vez por outra, contemplar as flores.
Médico, louco ou poeta,
profissões ou adjetivos
cada qual com seus motivos
um pouquinho sempre tem.
Quem não conhece o remédio
que mitiga vários males?
Quem, por conta de momentos na vida,
muito louco nunca foi?
E poeta?
Todos nós somos um pouco,
seja o canto bonito, feio ou rouco.
Curando loucuras ou cantando doçuras
somos simples criaturas
boas, más,santas,impuras
por vezes, figurões
por outras, pobres figuras...
Obs: Este texto desconfigurou aqui. Se quiser lê-lo organizadamente, clique aqui: Relivaldo Pinho
Por abordar, ao mesmo tempo com sutiliza e crueza, a temática da obesidade, “A baleia” ("The Whale"), filme do final de 2022, de Darren Aronofsky, estrelado por Brendan Fraser, merece ser visto.
Charlie (Fraser) é um professor que ministra aulas online para jovens postulantes a escritores. Ele se tornou um homem obeso e recluso depois da perda de seu companheiro que tirou a própria vida.
Antes de mergulhar em sua melancolia pela perda do amor, Charlie abandonou sua mulher e a filha pequena. É a filha, uma adolescente, traumatizada pelo abandono do pai, que serve como ponte para sua busca para a redenção.
Como se pode ver, não é apenas a temática da obesidade que está em jogo no longa. Estão também a paixão, a perda do indivíduo amado e a desestruturação familiar.
Uma das artes do filme. Fonte: https://media.fstatic.com
Principalmente está nele algo que me interessa filosoficamente, a ideia, enfocada no filme, de que existem indivíduos que não querem salvar a si mesmos, mas buscam um tipo de salvação no que ainda podem fazer por outros.
Não é nem apenas a ideia de um mergulho sem volta, nem a ideia de que esse mergulho será menos doloroso se dele resultar algo bom.
Está entre essas duas coisas, e essa é uma das forças do filme, tratar dessas temáticas no limiar entre a dor, a aceitação de si, a compaixão para com o outro e o mergulho para o fim.
A representação desses temas em “A baleia” está quase sempre, apesar de um efeito estético pouco original no fim do filme, em uma fina linha d'água, equilibrando-se. Linha que facilmente no cinema, como Hollywood Hollywood já demonstrou, pode cair no estereótipo e na pieguice.
Sim, é um tema difícil que o espaço aqui não permite aprofundamento. Mas parte desse motivo temático está representado nas figuras dos personagens que tentam “salvar” o protagonista.
Charlie, sua filha e amiga. Fonte: https://www.diariocinema.com.br/
Como o garoto de outra cidade, que fugiu da casa dos pais e que vai na porta de Charlie oferecer uma salvação religiosa, e que o descrente professor repele.
Ou sua amiga, uma enfermeira que está sempre ao seu lado e tenta ajudá-lo. Ele aceita os curativos momentâneos, mas se nega a procurar estancar a dor no peito que o impele a essa pulsão de vida e morte.
Charlie a toda hora não só rechaça a ideia de salvação pela religião e pela medicina, como mergulha “propositalmente” em sua autopunição através da compulsão alimentar.
Dor sentida por fora, pelo corpo que sofre, e que, na verdade, vem, pela perda, de dentro.
A salvação daquele homem, que não consegue andar sem um andador, é fazer a filha caminhar por águas menos turvas que a sua.
Charlie e a filha. Fonte: https://www.lascimmiapensa.com/
Ele deixa uma herança em dinheiro para ela, mas, para ele, tão importante quanto isso, é reconhecer que ela, através de ações valorosas e de seu talento para escrever, possa caminhar com as próprias pernas.
Sim, é um tema difícil, mas, como nos demonstra o filme, tão difícil quanto caminhar é permanecer em pé abdicando de si mesmo e, apesar disso, vislumbrar (para si e em alguém) uma fina linha d'água de esperança, ou uma linha escrita como redenção.
Joga na terra e a rama nasce, E Bem dito, diz-se da batata, Há pessoas assim. São muitas, Isso a minha mente relata, Veio ao mundo, viveu sem viver, Não aprendeu a aprender, Além do açoite de uma chibata.
Vida contemplativa e pacata, O verde, o zumbir dos ventos, O sol no lombo do espinhaço, À noite o corpo ao relento, A chuva que vem, mas não vem, Dos outros vê e ouve desdém, Desmilinguido corpo sonolento.
Expor a miséria é meu intento, Os que não retiveram a educação, Não senhor, eu nunca aprendi, Me faltou no tempo a instrução, Desde pequeno muito trabalhei, Nas casas da roça o pai era o rei, Filhas e filhos viviam a escravidão.
Não há diferença na comparação, Do homem que se diz urbano, Aquele que desenvolveu o intelecto, E no conceito sapiens passou o pano, Enveredou-se nas ruelas do egoísmo, Banhou-se na lama do racismo, Escondeu-se no obscuro dos humanos.
Três cores, vários intervalos de tempo, a orientação fundamental.
Ainda na escola, antes até, quando os mais velhos começavam a nos preparar para o Mundo, as cores do semáforo nos chamavam a atenção. Era só encontrar um cruzamento, um ponto de travessia entre os lados da rua, e aquela lanterna sisuda estava ali avisando o momento para continuar o caminho.
Verde, amarelo, vermelho.
Aprendemos a temer no vermelho, a esperar no amarelo e a seguir em frente com o verde. Conforme o lugar, o verde ou o vermelho demoravam mais ou menos.
O amarelo sempre alertou para a necessidade de aumentar o cuidado e a atenção com o próximo passo.
Ainda contidos pela mão do pai, avó, mãe ou alguém mais velho e responsável, ficávamos esperando o momento para seguir. Nessas horas a lição era sempre repetida: “Só se atravessa com o sinal fechado para os carros”. Se estava no amarelo, esperava-se o ciclo em seguida.
Às vezes, uma confusão entre o vermelho para os pedestres e verde para os carros e vice-versa, obrigava a um rápido raciocínio para entender um cruzamento múltiplo, um semáforo moderno, mas a lógica sempre prevaleceu.
A lição que se aprende com os semáforos é mais que uma simples regra de segurança urbana. É uma norma pétrea para toda a vida. Só avançar em segurança e depois de avaliar os riscos, vantagens e desvantagens, possíveis lucros ou irreparáveis perdas.
Não desprezar nunca os lampejos do amarelo. Nunca tomar decisões sem avaliar bem a situação. Controlar as emoções sejam felizes ou não. Jamais colocar os pés fora da calçada antes de olhar para os dois lados. Não se deixar levar pela mão de alguma companhia afoita, algum parceiro ou parceira sem avaliar, por si mesmo, quais poderão ser os resultados da pressa ou da cautela.
Quando o vermelho aparece, não há dúvida quanto ao fracasso do rumo escolhido. Quando o verde libera o caminho, é a hora certa para prosseguir.
A vida vai ser toda sinalizada com as três cores. Entretanto, o amarelo é o principal aviso que ela vai dar.
No começo, quando as emoções têm sabores mais fortes, os desafios lançam sombra sobre os lampejos do amarelo e o vermelho parece seduzir sem maldade. O bom senso é a única alternativa ao abstrato que é a sorte. Há quem diga que não existe sorte. Opiniões, divagações, filosofia. Mas, nascer é um fato de domínio da sorte.
O atavismo,a geografia e a economia não são suficientes para validar ou não uma vida.
Valeu a pena? Está valendo?
O amarelo em determinado momento começa a piscar.
Olha-se para um lado e para o outro, não vem nada. Nenhum perigo.
Voltamos para o semáforo virtual da consciência, da mente e do pensamento.
Ah, o amarelo parece que entrou em pânico. Apaga-se completamente e logo após tomado o fôlego, volta a insistir em sinais ritmados, talvez um código Morse, uma frequência do futuro, aquele que fica além do muro…
Quantos caminhos ainda a percorrer? Valerá a pena ou será mais uma atribulação, um baú de tranqueiras que ficará para alguém descartar? Uma pilha de livros,um porta-retrato a ser esvaziado, uma ausência que virou um brinde?
Ah, o amarelo anda sinalizando. É hora de prestar muita atenção.
À primeira vista, imaginamos uma cena medieval, um castigo pavoroso imposto a seres humanos cujas faltas, crimes abomináveis, precisavam ser punidos com requintes de maldade absurda. Não bastava a simples execução, por si só execrável, mas a retribuição da barbárie com muito mais barbárie.
Não é bem assim. Não se trata disso.
Trata-se do desmembramento de uma biblioteca, ou melhor, dos já minguados despojos de uma, outrora, pequena mas muito querida biblioteca.
Desde criança, convivi com estantes cheias de livros de diferentes assuntos. Dúzias, centenas, pilhas acumuladas por falta de lugar. Não fui um exemplo de aluno. Os livros escolares nunca tiveram a importância que seus parentes, aqueles colecionados lidos, relidos, guardados com carinho e reverência que o meu avô tinha com os dele. Mesmo assim, aproveitei bastante aquela biblioteca variada. Enciclopédias, livros de arte com ilustrações primorosas, livros antigos, raros, estes poucos. Romances, poesia, clássicos, enfim, Jules Verne, Pitigrilli, Platão, Suetônio, Bilac, Alberto de Oliveira, Machado de Assis, Conan Doyle.
A vida seguiu, saí de casa bem jovem, me casei, meu avô morreu e recebi aquele patrimônio fantástico, maravilhoso, um tanto volumoso, para minha alegria e responsabilidade. Não foi fácil.
Meu pai também era um acumulador de livros. Curioso e cuidadoso, reuniu umas duas centenas de livros bem cuidados, encapados, limpos e com anotações em separado. A hora dele também chegou e mais um bom lote de maravilhosos livros abrigou-se comigo.
Aos oitenta anos não há mais aquela energia bibliófila no ar. O pessoal é moderno, prático, pragmático,sei lá. Em conversas cordiais,percebemos que: - “agora tem tudo na Internet” é só procurar e está lá! E os livros eletrônicos, que maravilha. Pode-se ler pelo handy, ou celular, ou cellphone.
Olho para a estante entulhada de cultura, história, conhecimento, diversão, passado, momentos, saudade. Pego um livro antigo e vejo um ex-libris do meu avô. Pego um outro e lá está um ex-libris do meu pai. Lembro quando aprendi o que era um ex-libris. Para quem não sabe, ora, vá na Internet, lá tem tudo.
Não tenho mais como manter as pilhas de livros. Não tenho mais como armazenar, avaramente todo o saber ali acumulado e não absorvido. Preciso começar a lançar a carga ao mar. Preciso aliviar o peso das futuras sobras da vida. Preciso me desapegar do passado.
Separei alguns volumes para descarte. Leia-se como descarte, doação, “presente”, abertura de espaço. Fiz uma pilha no corredor, tirei alguns, botei outros.
Do sofá onde estou sentado fiquei observando.Que tristeza. Livros não morrem. São eternos. Livros são assassinados sem dar um pio. São maltratados, insultados, agredidos, segregados, esquartejados sem serem mortos primeiro. Uma página desmembrada, arrancada, solta, com uma poesia ou prosa continua transmitindo emoção ou nacos de cultura. Um Bilac do princípio do século passado, velho, encardido, meio mambembe pelo tempo de vida, assim como nós, está cheio de maravilhas. Um Machado de Assis velhinho, com as capas da brochura quase caindo, provoca as mesmas sensações de uma edição mais recente.
Um livro não morre. Quando a gente aprende amá-los, a conviver com eles, a sentir sua alegria ao serem consultados e lidos por prazer, a perceber o ato lúdico de folhear, reler, até escrever uma dedicatória, fica muito difícil racionalizar a dissolução de uma biblioteca.
Esquartejar sem matar. Dissolver uma relação , muitas vezes ciumenta, com esses amigos perenes pode parecer uma bobagem. Um exagero, quem sabe.
Não importa.
Livros são imortais até que a ignorância, a estupidez, o modismo ou, infelizmente, a necessidade, mude os cânones da existência.
Pesar sem luto.
Adeus amigos
Em um período não muito fácil fomos pais de dois filhos, com um intervalo de dois anos e sete meses de um para o outro. Marinheiros de primeira viagem, pegamo-nos a pensar, qual seria a melhor maneira de criar as crianças. Eu e minha esposa sempre conversamos muito sobre muitas coisas, logo nos deparamos a falar da educação dos nossos dois filhos. Algumas coisas copiaríamos dos nossos pais, logicamente aprimorando-as, porque o tempo já não era o mesmo da nossa época de criança. Cuidar e educar dois filhos no Rio de Janeiro, com os pais trabalhando oito horas diárias, não é um exercício fácil. Lembro que uma das coisas que conversamos, foi o de esticar a corda, sem jamais soltar a ponta ou seja dar liberdade sem tirar o limite. A liberdade para uma criança tem limiar, isso é necessário porque na vida nem sempre podemos e nem sempre será como queremos. Minha mãe falava: vontade dá e passa. Isso aplicamos aos nossos filhos sem pestanejarmos. Tínhamos a convicção de que ao dizer sempre sim a eles, um dia ao querer dizer não, já não teria efeito. Aos poucos íamos mostrando que o mundo não é condescendente com ninguém. Ao mesmo tempo que ele dá, tira. Alertávamos para que eles estivessem sempre prontos para as boas oportunidades e procurassem ser polidos no trato para com os outros. Esclarecíamos que a vida é uma dádiva de Deus, o tratamento devia ser igualitário para todos, ninguém nasce bonito, feio, rico ou pobre porque quer. São fatos impositivos à vida. Ensinávamos que há um tempo para cada coisa: brincar, estudar e trabalhar, se a gente dividisse direitinho, ainda sobraria tempo. Esses filhos queridos aprenderam que um simples olhar tem um significado extraordinário, assim bastávamos mirar para que eles entendessem a mensagem que queríamos passar. Foram crescendo e fomos aumentando o nível da comunicação familiar. Mostramos que em nosso trabalho tínhamos que cumprir normas, aceitar as tarefas que nos eram confiadas e que nem sempre o que fazíamos era o que desejávamos fazer. A criança quando não orientada devidamente é como um barco à deriva, que ao sabor dos ventos, dificilmente atracará em um porto seguro. Hoje nossos filhos são casados, pais e bem sucedidos naquilo que se propuseram a fazer. Tiveram a liberdade de escolher suas profissões. Não interferimos em suas escolhas, coube-nos orientá-los, a tomar o timão e navegar as águas por eles escolhidas. Que os bons ventos os levem a muitos portos seguros em seus navegares. (04/02/2023)
Não é razoável tentar explicar política e religião a quem não está disposto a ouvir, analisar, questionar e compreender as diversas variáveis destas disciplinas. Compreender é a base da liberdade que tanto sonhamos.
Um dia ela apareceu.
Vinha Voltando da praça,
a moça da casa ao lado,
sorridente e faceira,
trazendo pela coleira
o seu cachorro engraçado.
Perguntei qual era a raça
do companheiro peludo.
-É inglês, manso de tudo,
respondeu cheia de graça.
-Quantos anos ele tem?
Estiquei mais a conversa.
E ela, sem demonstrar pressa,
foi contando quase tudo
da vida daquele cão
brincalhão e abelhudo.
-Então qual é o seu nome?
Continuei perguntando.
E ela foi comentando
como era seu amigo.
- Faz tempo que está comigo,
fica sempre ao meu lado,
continuou a falar.
Depois, foi embora sorrindo
e eu fiquei a pensar,
o quanto bom que seria
se a gente pudesse, um dia,
um cachorro peludo ser.
Com uma princesa viver,
ao contrario desta vida
que não nos deixa escolher
o que melhor nos parece.
Ser um lindo animalzinho,
um cachorro bom, mimado
e ficar sempre pertinho
de alguma mulher-menina,
com um sorriso traquina
e o olhar encantado,
assim como aquela moça
que mora na casa ao lado.