"Se o rock tivesse outro nome, ele seria 'Chuck Berry'."
~ John Lennon
Todos os roqueiros têm uma dívida impagável com ele. Ainda que fosse, oficialmente, o pai do rock, era negro, de origem humilde e de maneiras simples
Se o rock tivesse pagado royalties a Chuck Berry, ele seria bilionário. Como Paul McCartney, Mick Jagger e Ozzy Osbourne
O primeiro a faturar em cima do rock foi, obviamente, Elvis Presley, embora sua inspiração maior fosse Little Richard, o pianista de "Lucille" - que, brincando, se dizia "a mãe do rock" (era homossexual com laivos de religiosidade)
Sim, o rock teve um pai, uma mãe, um rei e até um príncipe. Todos hoje mortos, com exceção de Little Richard
Berry e Richard vieram ao Brasil, se não me engano, em 1994. E tocaram no então Palace. Cada um fez o seu show. No final, tocaram, juntos, "Roll Over Beethoven", de Berry, que os Beatles regravaram
Chuck Berry, um descuidado, veio ao Brasil sem a sua famosa guitarra, uma Gibson semi-acústica. Marcelo Nova, que tinha uma igual, foi logo acionado: "Se é para Chuck, eu empresto", declarou pelo rádio
Chuck não parecia ter consciência da lenda à sua volta. Seja tocando ao lado de John Lennon, seja tocando com Keith Richards, ambos no YouTube, era sempre o mesmo. Contando até quatro, como os Ramones - "one, two, three, four" - e esperando sua vez de entrar, como um nadador, em sua raia, afoito
Tinha mãos enormes, como Jimi Hendrix, a quem, obviamente, inspirou, envolvendo o braço da guitarra com os dedos, tocando despreocupado e saltitante
Suas apresentações, desde as primeiras até às últimas, são rigorosamente iguais. Entrava, executava seu número e saía
O rock, para ele, não era um negócio, era um meio de vida. Existem histórias de que não entrava sem receber antes (trauma de quem, provavelmente, tocou de graça)
O rock foi tão assimilado - como gênero - que ouvir Chuck Berry hoje, em estúdio, parece não nos acrescentar nada...
Mas ele foi o pai do riff. E o ritmo - o rock, que se dança - foi Chuck Berry quem imprimiu, com sua guitarra, acompanhado de uma bateria bem marcada e de um pianinho ao fundo
Seu jeito de cantar, com voz forte, quase estourando a caixa, fez escola. Desde os Beatles em "Twist and Shout", como o próprio título já indica, até o Led Zeppelin que, sem querer, inventou o heavy metal, passando pelos punks, os roqueiros nunca primaram por tocar e cantar em decibéis "normais"
Mas nem só de ritmo e de garganta viveu Chuck. Sob muitos aspectos, ele foi o primeiro "guitar hero". Seu jeito de bater nas cordas, arrancando sons estridentes, à beira da desafinação, podem ser considerados os primeiros "solos" - que ele executava nas introduções ou quando não estava cantando
E tinha, como precursor de Elvis e Michael Jackson, sua própria coreografia. A maneira de usar a guitarra como anteparo, se relacionando fisicamente com ela, antecipou Hendrix e Jimmy Page, entre outros
Chuck Berry era uma força da natureza
Se o rock inglês é, frequentemente, lembrado como mais "sofisticado", ele não existiria sem o original, sem o rock americano, sem o rock de Chuck Berry
Política - Denomina-se a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados. A palavra tem origem nos tempos em que os gregos estavam organizados em cidades-estado chamadas "pólis" e chegaram às línguas europeias modernas através do francês "politique" que, em 1265 já era definida nesse idioma como "ciência dos Estados".
[...] o homem é naturalmente um animal político [...] - Aristóteles.
Googlando a palavra política encontramos, além de sua definição, um mar infinito de notícias ruins sobre corrupção, ironia e causas catastróficas como consequência das decisões absurdas que são tomados diariamente no mundo. A política provavelmente já nasceu enraizada no âmago do homem, sem este nem ao menos percebê-la antes de nomear.
Porém, ela rege seus passos até hoje, em tons sutis ou devastadores, sempre faminta e pedindo por mais. Não é sobre um lugar ou época especifica, é sobre tudo o que conhecemos como ordem, organização, princípios e crenças. Pois essas ditam as regras nos grandes e pequenos grupos desde que o homem começou a viver em comunidade.
São muitos entrando em guerras, enriquecendo ou caindo por ordem ou decisão de alguns ou de um único líder. E todos seguem o roteiro nas viradas do mundo entre o bem e o mal. Às vezes, quando a coisa está muito crítica, surgem alguns idealistas para sussurrar a voz da esperança. A última vez foi há uns 50 anos. Onde estarão os de 50 anos depois?
Em vez disso, nos deparamos com guerras que vitimizam e fazem aniversário. Enquanto mais líderes de fachada se erguem por aí com razões pessoais, empresariais e distorcidas, exaltando propostas que lá atrás foram tão dificilmente combatidas.
São propostas tão absurdas que não há outro meio de chamá-las senão "Planos de Vilões", porém este é o mundo real, onde as consequências causadas por seus atos doerão de verdade e durarão bem mais que duas horas.
Fique atento e perceba no seu país, estado, município, no exterior... Como a cada dia, um pequeno fragmento seu é tirado sem sequer ser notado ou chamado a discussão. Se continuar assim, daqui a algum tempo, o que sobrará então?
E onde estarão os bons? Quem sabe mortos ou paralisados... Catatônicos com aquilo que veem! Que mudanças poderiam propor? E o mais importante, quem iria seguir?
Não importa onde, em pequenas ou grandes escalas, alguém está sofrendo calado, vitimizado por alguma decisão que estava além dele e de você. Pois, no fim, a verdade é que não passamos de esculturas feitas de dominó, sendo derrubadas por poucos dedos que causam um enorme estrago. E não importará quem está mais acima ou abaixo, todos chegarão ao chão de forma igual.
E qual será o futuro do homem? Qual será a próxima virada nesse emocionante script de tantos personagens, cujo só alguns têm o papel principal de antagonista desvairado?Quanto mais os ditos figurantes vão aguentar serem enganados? Eles realmente merecem?
Tantas questões para redefinir a política. Uma ferramenta tão importante que deveria desde os primórdios ter como única função servir a um bem comum e maior.
É bobagem criticar o filme de Scorsese pela temática cultural apenas, apelando para a crítica à Igreja, ou para o inglês falado pelos Jesuítas portugueses, que se arvoram a ir ao Japão do século 17 em busca de um padre que teria se renegado. Em tempos de acentuados “tudo me dói” e “isso não me representa”, fazer isso é um pouco de desonestidade intelectual.
Sutileza. Essa é a chave para se apreciar “Silêncio” (Silence, 2017). Sutileza da temática e sutileza - sim, há imagens fortes (sic) no filme - das imagens. Esqueçamos a vulgaridade com que se usa esse adjetivo; Scorsese nunca é vulgar, não precisa espatifar um escravo para dizer que isso não se faz (12 anos de Escravidão, etc etc etc.).
Não temos nada das imagens que mais marcaram a carreira do diretor, a câmera não representa freneticamente as cenas, a imagem não congela com uma trilha sonora ao fundo, o cenário não é sempre belo (Kundun – 1997) e nós não nos identificamos, inequivocamente, com um personagem, mesmo um assassino, carismático.
A sutileza da temática religião/fé está representada em cenas e imagens que merecem ser observadas com atenção e alguma percepção contemplativa. Esse aspecto sutil está, por exemplo, na presença do personagem Kichijiro (Yôsuke Kubozuka). Kichijiro é o guia da expedição. Ele perdeu a família que se recusou a renegar a religião cristã. Vive atormentado, porque renega e sobrevive.
Ele é a personificação da incompreensão, medo, culpa e dúvida que atravessam a narrativa e marcam, decisivamente, o protagonista, padre Rodrigues (Andrew Garfield, em uma atuação que, espero, apague da memória adolescente seus arroubos infantis). Kichijiro, a todo momento, trai o padre e, ao mesmo tempo, quer se confessar para obter o perdão e ficar “limpo”.
O que, ao final, padre Ferreira (Liam Neeson), o jesuíta “adaptado”, questiona sobre a força da religião, a diferente ideia de Deus, a incompreensão do cristianismo pelos japoneses, se mostra, quase como cinismo e ironia, em Kichijiro. Sempre encontrando uma saída “fácil” na praticidade do mundo real, ele é aquilo que é sujo, corrupto e covarde e que ameaça degenerar qualquer convicção, ameaça, em “Silêncio”, a convicção da fé.
Esse embate entre espírito e carne, fé e realidade, será a cruz do padre Rodrigues. Ele mesmo se vê, alucinadamente, como Cristo e imagina, com Jesus, conversar. Incondicionalmente, movido por sua fé, ele passa pelas provações do mundo que o rodeia. Um mundo no qual a cultura nativa quer, pela violência sobre os cristãos japoneses, convertê-lo para que ele sirva de exemplo.
Exemplos são modelos a serem exibidos. Rodrigues questiona-se sobre ceder em prol dos camponeses torturados. Sua agoniante indecisão representa a complexidade temática de um filme que não cede a esquematismos e maniqueísmos. A lógica simples do colonizado versus colonizador aqui não cabe, se esmaece.
Não se trata aqui apenas de um choque cultural. É claro que ele é um cenário temático do filme. Mas ele não é, de modo algum, sua única razão. Serve para uma leitura antropológica, mas serve, especialmente, para uma leitura estética (não são inseparáveis). Não adianta gritar pela urgente politização do filme, ou pela culpa do ocidente. Isso é apenas uma leitura do que o filme não se propõe e não é. Deixemos isso para as ladainhas dos likes.
Scorsese não quer simplesmente escolher um lado, ele não fez um filme para a fruição dos blockbusters, nem está glorificando aquilo que é, fundamentalmente, complexo, porque, evidentemente, humano. Seu caráter épico está em sua singeleza de mostrar uma história que não é para ser vista como uma aventura em uma terra distante. Já temos aventuras demais e histórias de menos e uma terra distante entre ambas.
Silêncio como modo de ouvir e compreender. Como questionamento e ascese. Para ouvir a si próprio, para compreender o silêncio de Deus, diante do barulho angustiante dos gritos de dor dos que são crucificados no mar e pendurados de ponta-cabeça em poços. Um tipo de expiação, nos mostra Scorsese, sem o qual nem a certeza da fé, nem a sua dúvida podem ser contempladas. Nem o júbilo frágil da imanência, nem o sublime tênue da transcendência. Silêncio.
Relivaldo Pinho é autor de, entre outros livros, Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia. ed.ufpa, 2015 .
Texto publicado em O Liberal, 14 de março de 2017, p. 2.