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Sexta-feira,
11/3/2016
Blog de Aden Leonardo Camargos
Aden Leonardo Camargos
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Lembranças de uma catadora imaginativa
Imagem: Adilson Nogueira
A gente andava pela praça, bem tempo atrás. Bem. Os mesmos adolescentes de hoje que são nossos clones melhorados, por certo... Mas com aquela mesma alegria de bando que só em bando justifica ser feliz e ter pequenos fogos de artifícios incontroláveis em público...
Era assim: sempre em bandos de adolescentes meninas que um senhor com um sorriso peão, numa bicicleta vermelha ou azul, Monark ou Caloi, Aro gigante – tenho certeza disso, fazia “bi – bi” com a boca mesmo e nos abordava.
O bibi imagino ser carência mesmo de dinheiro, um sininho custaria alguns pãezinhos e quem tem boca vai a Roma pedindo licença... Vinha então a abordagem. Nada disso que tem hoje. Nada de ô lá em casa. Meninas lindas. Ah, se eu pudesse e meu dinheiro desse. Nem aquelas orações que a gente não entende nada - graças a Deus- nossa senhoooora pixui pixui pixui. Não.
Ele fazia o bibi, separando o bando em gritinhos, colocava o pé no chão (freio) e carinhosamente perguntava pra gente:
_ Cês tão amando muito?
Bibi e sorrindo com certa fuligem no rosto ou nos dentes, ou nos cabelos não lembro bem... nos deixava pra lá a pensar, a rir e a esquecer... porquê nem sei se a gente amava muito, acho que não.
Foi eleito vereador. Foi um ato de protesto. Talvez grotesco. Minha cidade pode ser irônica. Era um mal momento. Quase foi presidente da Câmara, que por desvio dos mais espertos não permitiram um semi-analfabeto presidir a casa.
Comprou o sininho depois que tudo passou... e seu discurso mudou: tem amado muito, flor?
(Quase tudo é verdade, não sou historiadora, sou catadora imaginativa)
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Postado por Aden Leonardo Camargos
11/3/2016 às 21h08
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Sem açúcar, bebo fria minha morte.
Imagem: Katia Chausheva
Hoje fiz um café forte. Não sei mais onde andam meus fantasmas. Eles também são tristes como a morte que vivem: no presente. Sento para colocar ou tirar a roupa, eles se parecem com meu cansaço. Sento no fim para emergências, para chorar do nada. Não sei se fantasma é algum nada. Já foi morto? O que vive nele?
Era um café. Podia ver meu reflexo negro. Tristeza e demora são irmãs. Vi que meu olho é escuro e se perdeu no mundo. Ou na xícara?
Era tão escuro ouvir seu nome. Esse seu nome de calar. Foi uma espera silenciosa me matando devagar. Enquanto tudo esfria e não bebo o que fiz.
Hoje mais cedo chovia. E tem ficado tão perto daquele dia que choveu e você veio, que saio logo do quarto que você dormiu. Por isso cuidado ao vestir e tirar roupas. E beiradas e urgências. Posso me jogar.
Se eu caio no vazio que você deixou, desde o dia que você veio... Nada mais sou. Um fantasma da dor.
Misturo todos os verbos e tempos. Sem açúcar, bebo fria minha morte, que se jogou no abismo do amanhã desse fim terrível, naquela rua do rio do beijo que você me deu. É lá que vou me jogar. Sim, seu castigo de danação eterna sou eu.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
29/1/2016 às 05h49
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Eu era uma castanha branca com sujo de rua
Imagem: L'Âme du Monde
Não sei o que aconteceu. Abaixei um pouco, meu coração sofreu. O ar sumiu.
No chão estatelou um eu bem seco. Eu era uma castanha branca com sujo de rua. Um dos meus dois melhores segredos o cachorro cheirou. Gostou só de um. Saiu dono de si com meu farrapo de você na boca... o bordado com iniciais balançava tão inútil! A gaivota que bordei não voava.
Daí que eu virei estrela esparramada no chão? Ficou tão de noite! As pessoas que passavam não entenderam. Falavam nada de poesia comigo. Saíam de mim? Tem hora que não sou poemas. Queriam me colocar de pé, pedindo números. Responder o quê para esses loucos?
_ O cachorro levou meu mundo? Era um embrulhado com cuidado, um guardado! Agora você quer número? Que importa número? Tem aqui tatuado! Olha aqui, esse maldito número!
Tudo que sobrou foi um pedaço quebrado, que uma gentil senhora oferecia de volta, molhando com água doce para que eu voltasse um ser amado.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
18/12/2015 às 07h31
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Eu disse: para sempre, ao contrário.
Imagem: Veronica Almeida Siqueira
Hoje perdi meus chinelos. No escuro sem querer, toquei você para apoiar minha olhadela debaixo da cama... Ah! Você se enrolou no meu braço e fiquei presa como nas aulas de pilates. Na penumbra do nosso quarto fiz o possível para adaptar minha volta puxando o lençol, só pra não te acordar, nesse meu voltar te arrastei um pouco pra mim.
Seu olhar, cadê, fechou de mim? A boca tão linda! Impossível dizer. O relógio da matriz bateu. Nossos meninos precisam de nós. E como se abraço aos pedaços pudesse ser inteiro... Você foi mais.
Tenho sorte de ter manhãs assim. Por acidente, por evento chinelo-cabalístico, aconteço em "eu te amo". Como se tudo não fosse um sonho.
Esse seria um dos nossos dias, em algum dia se tudo tivesse sido. Mas na janela do meu quarto o tempo constrói seus impedimentos. Olho todo crescimento. Sou vinhedo sem frutos do lado de dentro.
Sou um diário das coisas não acontecidas. Por isso te invento desde que não veio e eu disse para sempre ao contrário. Esse é o significado de "inventário". Que é FIM. Quase nosso aniversário.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
30/11/2015 às 07h10
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História para se achar perdido
Imagem: Life on a Draw
Um dia, Faz-de-conta guardou o Tanto-faz como contato: "Era uma vez".
Assim ninguém suspeitou que fosse verdade.
Depois de lido como livro, Tanto-faz nunca mais ligou...
Faz-de-conta - menina da mais pura inocência, de dar dó -
ainda verifica pelas ruas as chamadas não atendidas.
Outro dia chorou, despejou suas histórias num envelope cartão-visita.
Dobrou com cuidado o dia vestido de flor
Colocou também nos guardados a noite no jardim
deixando perto da conversa no sofá,
tinha uns tantos beijos no final, já meio apagados
Agora faz de conta que tanto faz...
se foi uma ou mais.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
17/11/2015 às 05h50
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Quando você voltar do que não aconteceu.
Imagem: Photografize
Não bastou dormir. Amanhece tão cinza na nossa casa. As coisas que não aconteceram por falta ou por ausência, passaram na revoada de pássaros ontem pela manhã. Foi um silêncio estranho que me segurou. Era uma praça vazia seu abraço.
Essas coisas que não acontecem geralmente não são anunciadas.
Fui à porta toda noite te esperar. Morro abaixo a estrada sempre vazia. Aquela que desenhei com setas no caminho. Acho que você se perdeu.
Não bastasse, o vício do nada, fico à porta de manhã também. Talvez já seja tempo de deixar tudo. Todo mundo tem um sítio abandonado.
Fiz uma colcha linda com as coisas que você não me deu. Ficou super colorida. Bordei uma frase de efeito de uma poeta. Aquela excluída, negra da favela. Ponto a ponto enquanto não vinha.
Acho que vou embalar com ela tudo que tem em casa. Só para conservar sem poeira os momentos inventados. Na sala tem dois sábados inteiros num quadro. Os domingos que não vivemos ficaram espalhados no corredor. São grandes e as molduras estão quebrando. Sabe a segunda que perdemos? Saiu correndo. Não aguentou.
Pedi ao três de janeiro para ficar. Ele é muito doente. Tosse a qualquer entrada de ar. Protegi de todo jeito. Ultimamente parou de me olhar. Pedi que ficasse.
Sei que vai sorrir... ao te ver voltar do que não aconteceu.
Fica por aqui? Estamos loucos, eu e os dias todos.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
3/11/2015 às 05h02
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Sorriso dentro de um rio: se jogou em palavras.
Imagem: Photografize
Ela prometeu se jogar. Escalou a grade, ficou na pontinha dos pés. Distraiu um pouco e foi seu sorriso voando pela ponte! O mesmo das manhãs de quando esperava ali do lado da nossa casa. E a porta do carro batendo eram promessas.
O corpo assustado e sem boca, ficou olhando lá embaixo, meio um lamento, meio conformação. É como se a possibilidade de ser feliz soubesse nadar. Pra muito longe.
Já não poderia falar. Telefonar. Dizer adeus. Dobrou um bilhete escrito assim:
"Obrigada pelo silêncio, faz muito frio dentro de si mesmo? Você tem medo do tempo ou do começo? Ando abrindo dicionários - não são facilmente encontrados para consulta - e deles extraio muito significado. Sabe amor, ele não explica em nenhuma palavra o que seja 'você não veio'".
Estava nublado. Apertou em suas mãos o recado. Sentiu o som de trânsito da cidade, até o trem apitou. Já confundia como seria a morte. De pular ou sufocar?
Seu sorriso já dentro do rio - o barulho dele tocar na água era o mesmo de uma prisão fechando - tinha engolido muita superfície. Jeito era buscar com todo seu resto um fundo de mar, qualquer alegria. Cedo ou tarde há de desaguar, num oceano distante, seu sentimento peixe mutante. Num país distante: colar de novo, um sorriso, um pouco de pó branco bem leve que lembra janeiro... e seus encontros de pele.
E seguindo a trajetória da queda... Pulou. Quietou-se. Lá no fundo. Morreu sufocada de não nadar, quando sorriu por dentro, enfim.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
23/10/2015 às 08h05
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Autópsias de flores. Ou por uma causa mortis.
Imagem: L'Âme du monde
Não há flores colhidas que resistam ao sol. Colhidas são a pré-morte. Uma espécie de carimbo "frágil" bem ralo, mal batido numa repartição pública mofada.
Há outras maneiras de deixá-las bem mais mortas. Fazendo confete, carnaval, um segundo de festa com nome polido: homenagem. Sim é possível matar bem mais se você despetalar. Despetalar é autópsia. Descobrir a causa mortis.
Acha que é cuidado colher flor em diagonal nas hastes? É lindo campo de flores programadas para datas? É uma carnificina agendada, meu caro.
Ela floreou meu terreno. Meticulosamente ordenou linhas e talas às hastes. Foi ensinando o caminho reto de ser flor. Flor ensinada: assim pode, assim não pode. Nesse dia você venha, no outro se afaste. Tratou como tempestade uma nuvem banal. Deu uma cobertinha coberta de insegurança. Furos por toda parte. Estufa de calor. Água às vezes.
Adubou, cortou folhas. Fez da flor muito menos que outra. Num dia comercial qualquer vendeu um caminhão bem cheio. Jogou lá como coisa reciclada.
Pela estrada foram as mortes, cada uma com véu branco na cabeça segurando a decadência da leveza.
Única beleza, disse o motorista, como se elas existissem: todas exalam medo silencioso e parecem coração solto.
Toda flor que foi trocada por volta de meio-dia sofre. Quando o telefone tocou e ficou dito "não venha" foi o sol quem cegou e estragou a esperança. Lembrou da sua condução em hastes eretas. Doeu demais ser flor correta.
Foi o sol de meio dia.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
22/10/2015 às 18h52
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Senhor Juiz versus Seu moço do disco voador.
Sabe, Exa., data vênia. Pela ordem vou explicitar o que sinto. Já que não citarei nomes "saparada" aqui é meu blog.
Uma pena (das de dar dó) que o magnânimo julgador tenha dado uma sentença tão cheia de excrecências. Pena, pena mesmo que já tenha acostumado com as mesquinharias de nossa cidade pequena e cheias de "socorro quero aparecer para ser deferido". Eu não pedalo com o senhor - infelizmente nem com Jesus, como algumas pessoas creem estar. Não vou no "Pé de Cana" sábado às três horas ficar nas mediações e tentar puxar assunto. Nem sou as loiras bacanas estagiárias... nem sou loira, nem bacana, nem mais estagiária. Ah, nem tô devendo xerox por aí.
Eu até vi um quase precoce vômito quando fui numa de nossas audiências, qual representava uma mega-estatal. Atente-se, Exa! Não foi por competência, foi por esses jogos da vida que de uma sorte ou outra e lá estava eu, como advogada da empresona foda. V. Exa. cerceou a defesa e precisei embargar sua decisão interlocutória. (Já ando esquecendo o CPC, confesso).
Agora me intima de uma sentença. Qual eu sou defensora de réu não encontrado, sumido, náufrago, perdido, morto - quem vai saber? Muito embora todos seus oficiais tenham perguntado pros vizinhos. "Pros" e "foda" já usei aqui. Que já ando querendo baixar o nível da prosa.
Deu-me aula em sentença. O Sr. é juiz. Obviamente detém todo tempo do mundo para saber mais que eu, certamente já sabia, pois não consegui passar nem pra técnico do TJ. Trabalho muito, tenho casa, filho, sonhos, academia, mãe... Todas as desculpas esfarrapadas de fracassados.
Só que voltando ao meu réu: ele é su-mi-do. No CPC em algum artigo - que foda-se qual - tem lá que pode apresentar defesa genérica. Tipo diclofenaco de potássio e não Cataflam. Tive que oferecer embargos, porque era necessária uma defesa para a dívida cobrada por nosso município.
Vem o Sr. em boa caixa alta dar aulas. Porque não só indefere e cita os artigos? Pronto, zéfini. Beleza Exa. Quem manda é o senhor (minúsculo por me referir à sua pessoa da capa preta). Manda no Universo. Esse, periférico ao seu. Mas creia que eu não poderia ser específica com alguém que desapareceu, que não me procurou, que se esconde dos vizinhos, que sumiu no mundo, que ninguém viu na vida em tempo algum, todos desconhecem. Vou dizer o que? Fazer acordo? Que ele vai pagar? CPC também usou a lógica.
Desnecessário. Beijo, querido. Toma sua cerveja embalada pelos monges na quinta esquina da lua de Saturno.
Não há recurso. Se o seu moço do disco voador passasse...talvez nem saudade eu sentisse mais. Talvez a falta de gravidade me fizesse ser melhor. Talvez usasse o plano B. Vai saber.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
18/9/2015 às 08h02
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Talvez eu devolva a palhaçada. Sim senhor.
Imagem: Português da Depressão
Sua vida é um parque de diversões. Esses com vista para o mar. Parece divertido. Tem tudo pago, até cerveja quatro por cento na enseada. Tem lugar de dormir e companhia. Parece azul do alto. Os brinquedos são auditados pelo Inmetro. Cada pedaço milimétrico. Tudo emendadinho. Lustrado. Os jardins montados. Tem aquelas mesas com um vermelho escuro. Aquele ambiente de ficar a dois, comida japonesa.
Eu passei por fora. Vi umas cercas arrancadas, uns arames - farpados - arrebentados. Não são medidos. Apenas estão lá pela rua. É a parte que não é nenhum começo.
Recebi o livro com a dedicatória que colhi para você. Aquele outro que comprei sem escrever nada. Uns pequenos de poesias. Duas sacolinhas de promoção de viagem. Um anel que te pedi em casamento ao som do mendigo cantando Ilariê. Custou caro contratar esse cenário.
Daí moleque, é que eu não quero devolver nada. Nem o cinto, nem a camisa, nem peça preta de nada. Nem o bilhete. Talvez eu devolva a palhaçada. Acontece. Sei como embrulhar tudo. Ficou muito grande no guarda-roupa. Todo dia para trabalhar, olho no espelho e o pacote ri às gargalhadas. Até cruzou as pernas, vai se ajeitando dia a dia, desamassou o nariz vermelho. O sapato acertou um pontapé na minha canela outro dia. Foi engraçado.
A viagem foi cancelada, preciso acostumar... No filme trash que montei - olhando pela janela do ônibus - você fez as malas, esqueceu seu cigarro no quarto. Trabalheira danada ir nos guichês da imaginação e explicar que tudo acabou. Tocava Nando e a França ficou muito longe nesse instante. Só para dramatizar: coloquei som de fado, bebi com o garçom um troço amargo. Talvez eu retome Santiago. Em mim o que vale mesmo é solitário.
Imagine eu me rasgando trinta e três dias? Andando fora de alcance. Enquanto você escolheu uma festa de quinta categoria num clube falido. Uma bota nova pra trocar emprestado. Uma tatuagem de fé embaçada, um out-door de propaganda enganada.
Tudo passou num segundo, o destino até apitou... alojou debaixo da pele desabitada. A menina morreu esmagada.
A vida toda é mesmo uma palhaçada.
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Postado por Aden Leonardo Camargos
25/8/2015 às 21h10
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Editor
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