Brega Night Dance Clube, de Luísa e os Alquimistas feat. Keila, dirigido pelo artista audiovisual Matheus Almeida, foi finalista na categoria “Melhor Videoclipe Estreante” no Music Video Festival (m-v-f- awards). Imagem: frame do videoclipe
Até onde pode ir a noite de uma festa de brega? A encontros, desencontros, descobertas, afters? Para o paraense Matheus Almeida, além de tudo isto – e muito mais! – significou a inédita participação na final de uma premiação nacional, com o videoclipe Brega Night Dance Clube, de Luísa e os Alquimistas feat. Keila.
O videoclipe, lançado em maio de 2021, concorreu na categoria “Melhor Videoclipe Estreante” no Music Video Festival (m-v-f- awards) “Gênesis”, premiação que desde 2013 ajuda a destacar não apenas obras de produtores audiovisuais e músicos já “consagrados”, como também novos talentos.
É exatamente este o caso de Matheus Almeida que, aos 25 anos, já possui grande produção audiovisual, seja no ramo publicitário, no qual possui formação acadêmica, como também diversas outras obras, peculiares e instigantes, como o Brega Night, espécie de obra "afrofuturista amazônica e dançante". Sobre esta (tentativa de) definição, Matheus afirma que a obra “tem muito dessa energia que é um futurismo nosso, não necessariamente o estereótipo hollywoodiano de futuro. Temos uma nave que, na verdade, é uma aparelhagem com luzes, sons e outros elementos que dependem muito de gambiarras para estarem ali. No meio de tudo isso, há uma galera dançando, se divertindo... Isso é algo muito próprio nosso, do paraense, do nortista e do nordestino”, destaca o diretor, apontando também para a relação entre o grupo potiguar Luísa e os alquimistas e a paraense Keila.
Curiosamente, é um caleidoscópio de referências (que vai desde filmes trashes, de ficção, viagem no tempo, games de luta como Mortal Kombat, além de diretores como David Lynch, Tim Burton, Gaspar Noé, entre outros) o que singulariza o videoclipe dirigido por Matheus, que também esteve à frente do vídeo “Cura” (2020), premiado pelo Itaú Cultural; o videoclipe “Água Doce” (2021), de Aíla, e o Manifesto Festival Psica 2021.
Sobre esta variedade das produções, ele explica que “cada obra é, obviamente, única, da narrativa ao processo. Cada projeto é um jeito diferente de trabalho e gosto muito de como vai fluindo. Mesmo assim, se fosse para destacar algum traço singular, eu apontaria um fascínio pela noite. A noite muda a forma de como vemos a cidade, é nela que as pessoas descobrem outras narrativas na vida. Eu me sinto muito confortável e tento colocar isso no meu trabalho”, destaca.
Além da preferência pela noite, Matheus também enfatiza outro elemento que está muito presente em Brega Night Dance Club: “o uso das cores para criar um ambiente e atmosfera mais fantasiosa. Na fotografia, o uso de uma câmera mais viva com movimentos mais orgânicos e frenéticos também são marcas dos meus trabalhos”, explica.
Keila e Luísa em Brega Night Dance Clube. Imagem: frame do clipe.
O VIDEOCLIPE
Duas mulheres combinam de ir em uma festa de brega. Ao chegarem no local que seria do evento, literalmente, se atiram no mesmo: “se lançam” metaforicamente em uma piscina. É justamente aí que, de fato, a festa começa. E o videoclipe Brega Night Dance Clube também.
O que se vê após isto é a performance das cantoras, que passeiam, ainda que indiretamente, por gêneros e ritmos como lambada, arrocha, brega, funk, pagodão, forró, tecnobrega, pisadinha, batidão e carimbó, todos até mesmo citados na própria canção.
“A história já é bem diferente por si só né? Duas amigas marcam de ir pra uma festa. Quando chegam não tem ninguém, apenas uma piscina brilhante que na verdade é um portal para uma outra realidade onde 3 guardiãs estão esperando-as para dar uma megafesta. E a estética tinha que acompanhar essa narrativa não tão convencional, assim fomos construindo um universo particular de Brega Night Dance Clube”, sintetiza Matheus.
Assista:
Apesar de possuir inúmeros efeitos visuais e grande equipe de figurantes, o tempo de gravação foi bastante curto. “Desde a ideia até a gravação foram apenas 2 dias, porque Luísa tinha uma estadia bem curta em Belém, então em pouco tempo tivemos que chamar equipe, procurar locação, figurino, direção de arte...”, explica o diretor. Ele também assinou a trabalhosa edição do vídeo: “Já depois de tudo gravado o que mais demorou mesmo foi a edição, animações e todo o processo de pós-produção até a finalização. Foram noites sem dormir, vários momentos duvidei que seria possível, sim, mas felizmente deu tudo certo”, conclui.
A PREMIAÇÃO
Segundo a descrição de seu site, o Music Video Festival (m-v-f-) foi criado em 2013 “como uma plataforma para divulgar e celebrar a produção audiovisual de vídeos musicais, destacando sua importância e influência como expressão criativa, tecnológica, cultural e mercadológica”.
Em quase uma década, a premiação apresenta não apenas novos talentos e consagra outros que já possuem uma carreira consolidada, mas também apresenta uma espécie de panorama da produção audiovisual, em suas diversas plataformas, linguagens e possibilidades de produção e consumo. Neste ano, a categoria “Melhor Videoclipe Estreante” foi vencida por “Blue Echos”, de Caio Amon.
O ARTISTA
Comunicólogo de formação e produtor audiovisual por escolha ou vocação, Matheus Almeida do Nascimento, é mais conhecido nas redes sociais como “@saotheuzolhos”. Talento desde a infância, aos 11, 12 anos já era muito influenciado pelo pai (Eliezer Nascimento), que também é editor. “A partir dos meus 14 anos ele começou a me levar para algumas produções e ali tive certeza do que queria para minha vida. Que era contar histórias, criar formatos diferente e no geral me comunicar mesmo”, explica.
Foto: Taymari Leão.
Atualmente, está com diversos projetos em andamento, não apenas em Belém. “Há uma série que já começamos a rodar, que é Olhares do Norte, com direção geral do Fernando Segtowick, que fala sobre os fotógrafos paraenses. O episódio que dirijo é sobre a Nay Jinknss, que é a minha maior referência. Acredito que ainda vai demorar um pouquinho para estrear por ser um projeto com muitos processos, mas vai ser incrível, fiquem de olho”, convida.
Em 2020, mesmo na pandemia, Matheus foi um dos artistas convidados para se apresentar no Amazônia Mapping (FAM). No festival, fez uma colab com a artista maranhense Gê (@indiioloru): “Gênesis”, uma obra que, como o nome já sugere, fala sobre criação e experimentação.
Também em 2020, produziu e lançou “Cura”, sua primeira obra autoral. A obra, segundo Matheus, “surgiu através de um incômodo e de uma provocação para me tirar da imobilidade em que estava. Sem dúvidas o atual momento do mundo e as manifestações contra o racismo influenciaram diretamente no discurso e conceito da obra. Ela traz uma mensagem de ‘cura’ para vários traumas e olhar para dentro de nós mesmos e refletir sobre quem somos. Nesse momento é muito importante articular a arte como forma de resistência e respostas para injustiças. Todo mundo nasce artista, nosso gene é artista, a nossa pele tem um passado artístico. O que fazemos tem um eco artístico. Não importa o que digam, a arte está em todos nós", finaliza.
A fisionomia de Veneza, na Itália, está sendo modificada com uma grande exposição a céu aberto da brasileira Jaqueline Lisboa, a Jaq Lisboa. Foto de Ilaria Salvagno
Uma subversividade sutil, que instiga novas percepções do espaço urbano e transforma varais – sim, varais de roupas! – de uma das mais famosas e turísticas cidades da Europa em uma grande e interessante galeria a céu aberto, faça chuva ou faça sol. Curioso, não é mesmo? Pois tudo isto é feito por uma brasileira: a arquiteta e artista Jaqueline Lisboa, idealizadora do projeto Sestiere di Venezia.
Contando com a curadoria e apoio da artista visual alemã Jana Doell, o projeto nasceu a partir da necessidade de se divulgar arte no período pandêmico, em que os museus permaneceram fechados. Mais que isso: ao expor obras de cerca de 45 artistas, de diversos países, em varais de diferentes residências de Veneza, o projeto visa aproximar pessoas, ideias, trabalhos e espaços, até mesmo virtualmente, já que a “exposição” pode ser acessada via internet. Varais, vidas e vozes se interconectam em uma nova forma de “galeria”, em que o público também é diverso.
“Para mim, existem três tipos de público: quem hospeda a obra; quem sabe do projeto e tem acesso ao mapa e site e vai dar uma volta em busca das obras pela cidade e, por fim, pessoas ao acaso que passam pelas ruas, canais, jardins, pátios e que podem supor que as peças sejam obras de arte, mas não têm uma confirmação. Talvez o público mais importante aqui sejam as pessoas que hospedam as obras. Elas podem tocar na obra de arte, que ficam expostas ao sol e podem pegar chuva. Se uma tempestade as levar, elas não serão responsabilizadas por nada”, explica Jaqueline, natural de Belém do Pará, Amazônia.
A brasileira Jaq Lisboa (à frente).Foto de Ilaria Salvagno
Ainda de acordo com a paraense, “o projeto busca se apropriar da cidade, com uma subversividade sutil, diria eu, porque se aproxima dos seus habitantes para poder ter a permissão de usar espaços privados (varais a céu aberto nas fachadas das casas), principal forma de roupas pegarem sol ou serem arejadas”, sintetiza.
Apesar da imagem quase “idílica” de Veneza, a cidade possui grandes problemas estruturais e, também, no modo como ocorre seu planejamento urbano. “Veneza, ainda que aparentemente muito pomposa, não governa para as pessoas que vivem nela. Turistas são prioridade e muitas pessoas se sentem ‘largadas’. Existem muitos espaços culturais organizados por cidadãos comuns, que não são ajudados pelo governo. A gentrificação é muito presente. Projetos como estes possibilitam ver a cidade e as pessoas que moram nelas com outros olhos”, analisa Jaq.
ENTRE OBRAS E VIDAS
Expor na Europa, de forma independente e utilizando espaços residenciais que, ao mesmo tempo, são públicos, obviamente não é tarefa simples. Neste processo, entrecruzam-se as obras, o objetivo da exposição e, também, a própria trajetória de Jaq.
“Me perguntei antes de começar se eu realmente queria correr o risco de ser tratada mal por procurar varais. Era um medo que eu tinha. Apesar do receio, encontrei pessoas muito abertas e, através do projeto, posso falar de temas relevantes. Posso também expor a situação de artistas, principalmente pessoas como eu, negras e migrantes. Ao mesmo tempo, saio da minha ‘cápsula’ de turista e me deparo com uma realidade que não seria possível de ver sem ter que morar anos na cidade. O projeto agilizou o meu processo de integração com Veneza. Eu entro nas casas das pessoas, elas me contam suas histórias e perguntam as minhas e dos artistas”, informa a brasileira que está na Itália desde fevereiro de 2021.
Foto: Ilaria Salvagno.
O público pode conhecer, então, obras de artistas, sendo a maioria mulheres, de diferentes países. “No Sestiere somos cinco brasileiros: além de mim, Angela Camara Correa, Marina Witt e Domingos de Barros Octaviano, que vivem na Alemanha, e Mauricio Igor, que mora em Belém. Junto com o mexicano Alejandro Manzanero, por questões de custos e devido a pandemia, eles dois são os únicos que não residem na Europa. Nós nos comprometemos a imprimir pelo menos as obras de dois artistas”, destaca Jaqueline.
O projeto segue até dia 26 de setembro, quando ocorrerá a finissage na “Casa Punto Croce”, em parceria facilitada por Tobia Yaquelí (TobYa), que integra o coletivo cultural responsável pelo espaço.
TRAJETÓRIA
Jaqueline Lisboa saiu de Belém em 2005, aos 22 anos. Na capital paraense, começou a estudar Arquitetura e concluiu seus estudos na Alemanha, onde mora há 15 anos. Em 2020, se formou em Artes. Atualmente, utiliza a experiência com desenho para projetos e, artisticamente, trabalha com performance, figurinos e instalação, destacando temas como identidades e migrações.
É com esta experiência e repertório, sem deixar de lado as origens, que “nasce este projeto, também da vontade de que eu, pessoa do Norte do Brasil, migrante, mulher negra, ‘encontre’ uma pessoa que eu buscava. Procurei uma pessoa com uma história e características como as minhas no meio das artes e, principalmente, na curadoria e não encontrei com facilidade. Eu decidi, então, que eu seria essa pessoa, porque cansei de só ver referências masculinas, de pessoas do sul, brancas”, sintetiza a artista.
FUTURO Pensar, produzir e divulgar arte sempre foi um grande desafio. Neste período pandêmico, como vivemos desde 2020, isto se torna ainda mais complexo. Tal como uma profissão de fé para o porvir da arte, ela destaca que espera que, após a pandemia, “o mundo da arte se descolonialize, que acabe essa história do gênio artista, pois isso não existe. Isso é uma construção! Um artista que vende uma obra caríssima não é necessariamente melhor que um que não a vende pelo mesmo preço ou que não expõe em espaços ‘de prestígio’".
É ela ainda que complementa: "Espero que artistas se unam mais e formem grupos fortes com estratégias para executar sua profissão de forma saudável. Espero também que a arte seja mais valorizada como uma profissão. Nós que fazemos arte a fazemos por uma necessidade devemos ser pagos por isso. O caminho do artista não é somente diversão, envolve muita dedicação, responsabilidade e implica em muitas consequências também. Espero que pessoas que fazem arte possam viver de suas atividades", finaliza.
COLABORE! O projeto Sestiere di Venezia possui uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo), que visa arrecadar € 2 mil para custeio da infraestrutura e organização da “exposição”. Até o momento foram arrecadados 580 euros. A campanha segue até o dia 25 de setembro e as doações podem ser feitas em diversas moedas, inclusive reais. Acesse e contribua clicando aqui!.
SERVIÇO Exposição urbana Sestiere di Venezia: pessoas + arte + varais em Veneza (Itália), idealizada e organizada pela brasileira Jaqueline Lisboa. Quando? Até 26 de setembro, em diversas residências de Veneza.
A obra do brasileiro será lançada de forma virtual no Brasil e em Portugal. Imagem: Frame da obra de Mauricio Igor
Afinal, o que existe em comum entre Belém do Pará e a Belém Lusitana? E Brasil e Portugal? Quais são os contrastes visuais e socioculturais entre as terras além-mar e as amazônidas? São essas as respostas e provocações presentes em “De uma Belém a outra”, exposição (d)e videoperformance do artista visual Mauricio Igor, que estará disponível a partir de sexta-feira (26) nas plataformas da Uncool Artist, canal estadunidense-brasileiro de artistas, educadores e criativos independentes.
Confira o teaser da obra:
A obra problematiza temas como racismo, xenofobia, colonialismo e a existência de monumentos históricos que reforçam e renovam tais ideias colonialistas e preconceituosas. O artista retrata as discrepâncias que existem na Belém portuguesa e na amazônica, além de sentir na pele – literalmente – o que os “conquistadores” continuam a enfatizar, até mesmo em monumentos históricos.
O despertar para o assunto surgiu com um incômodo pessoal e estético de Mauricio. As percepções foram acentuadas em 2019, quando o artista foi contemplado com bolsa do Programa Santander de Bolsas Ibero Americanas para estudos de um semestre na Faculdade de Belas Artes na Universidade do Porto, em Portugal. Durante a vivência “na metrópole”, ele pôde sentir a sua pele negra e amazônida arder ao deparar-se com o monumento Padrão dos Descobrimentos, localizado em Lisboa.
Cartaz de divulgação da exposição. A obra também foi contemplada na Lei Aldir Blanc Pará, no edital de Artes Visuais.
O símbolo representa uma homenagem aos personagens do processo de expansão marítima de Portugal nos séculos XV e XVI em território brasileiro. Há também, em Braga, por exemplo, monumentos que glorificam atos patriotas de homens que ajudam a “pacificar” africanos no século XX, como é o caso da estátua em “Memória dos irmãos Roby”.
“Os monumentos que homenageiam e exaltam as figuras diretas nos processos de colonização também de são formas contribuir para a ideia de hierarquias entre raças e nacionalidades, pois alimentam um orgulho do colonialismo”, explica o artista.
A obra “Memória dos irmãos Roby”, que choca pelo racismo expresso. Fonte: Reprodução.
Através da exposição, Maurício pretende mostrar o quanto pequenos hábitos e práticas possibilitam a observação e compreensão da população amazônica, em especial dos paraenses, destacando nossos modos de experiência, adaptação e criatividade.
Deste modo, as navegações, que também se baseavam em princípios dominadores e racistas, parecem ter deixado ainda certo legado material e mesmo mental entre os colonizadores, como nos monumentos. Embora simbolizem a identidade nacional e o “heroísmo” do povo português, em um mundo com fronteiras cada vez mais tênues, parece ser necessário promover uma conscientização de um passado que não deverá ser repetido. Isto é acentuado mais ainda no Pará, o Estado brasileiro que possui maior número de cidades e distritos cuja origem dos nomes é Portugal, algo evidente desde o batismo de sua capital como “Belém”.
Monumento do Padrão dos Descobrimentos. Imagem: Reprodução.
Para realizar a obra, Mauricio contou com o artista pernambucano Dori Nigro, responsável pelas filmagens e produção da videoperformance. O processo foi fundamental para que a exposição fosse realizada a partir de uma perspectiva de outros corpos, identificados pela mestiçagem, pretitudes, imigração, LGBTQIA+ em um país de brancos e brandos costumes.
Entre corpos e monumentos de concreto, é certo que o debate em relação aos monumentos históricos é urgente e uma questão aberta às ressignificações. Prova disso em escala europeia foi em Bristol (Inglaterra), onde a estátua de Edward Colston, traficante de escravizados que foi derrubada.
Estar presente em um país que tomou as suas terras diz muito sobre o sentimento que espeta o coração do imigrante. Segundo o artista visual, “ser de um país que historicamente foi colonizado é ser visto com olhar de inferioridade. Por isso, direciono minha produção artística de forma a ver criticamente a formação e construção do Brasil e a como estas configurações afetam nossos corpos hoje”, finaliza Mauricio.
O ARTISTA Mauricio Igor é graduado em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará. Em 2019, foi contemplado com bolsa do Programa Santander de Bolsas Ibero Americanas para estudos de um semestre na Faculdade de Belas Artes na Universidade do Porto, em Portugal.
O artista Mauricio Igor. Foto: Isa Raquel
Seu trabalho é focado em reflexões sobre o corpo não hegemônico, atravessando questões de identidades inseridas em temas como miscigenação e sexualidade. Tais processos se desdobram em fotografias, performances, vídeos, textos, intervenções e instalações. Por meio destes, participou de importantes exposições coletivas no Brasil e em Portugal, além de já ter sido capa da revista luso-brasileira Performatus em 2020.
Com a série “Ô lugarzinho pra ter viado!” recebeu menção honrosa no FotoSururu - 1º Encontro de Fotografia Criativa, em Maceió-AL, e com a criação “Como descobrir o que não é desconhecido?” também recebeu menção honrosa na Open Call Intervenções Artísticas SUPERNOVA, na cidade do Porto, em Portugal.
SERVIÇO Exposição “De uma Belém a outra” Quando? Estreia 26 de março, às 20h (Brasil); 23h (Portugal)
Onde? Transmissão ao público através do site da Uncool Artists Vale conferir também "De corpo presente", promovida pela artista, pesquisadora e arquiteta, Laura Benevides, sobre a videoperformance de Mauricio.
O artista visual paraense Mauricio Igor possui diversas obras expostas no Brasil e em Portugal. Foto: ARCES
A exposição “Ventos do Norte”, do artista visual paraense Maurício Igor, será aberta na próxima sexta-feira (19), em Belém. Instalada no Espaço Cultural Candeeiro, o público poderá “visitá-la” gratuitamente sem sair de casa através do site https://www.candeeiro.art.br/.
A exposição reúne ventiladores com gambiarras e histórias curiosas dos seus ex-donos. Isso mesmo! No processo de criação, que partiu de anúncios veiculados em postes e em redes sociais, Maurício adquiriu os eletrodomésticos das pessoas que entraram em contato para vender tais aparelhos e contar suas trajetórias, repletas de “jeitinhos”.
Fundamentais nas residências na Amazônia, sabemos que, devido às altas temperaturas, fazemos o possível para manter os ventiladores em bom funcionamento, garantindo assim o mínimo conforto diante do forte calor. Para isto, muitas vezes, recorre-se a "gambiarras", isto é, pequenos e criativos ajustes que, se não resolvem de fato o problema, ao menos oferecem soluções paliativas.
Um dos cartazes pregados em postes de Belém para divulgar a curiosa ação/ processo criativo do artista. Foto do próprio Maurício Igor
“Estou bem ansioso para ver como o público vai receber a exposição, por se tratar de objetos do nosso dia a dia ali colocados enquanto obras de arte. Me agrada muito essa aproximação”, comenta Maurício. É ainda o artista que antecipa algumas das histórias curiosas: “as histórias dos ventiladores são as mais diversas, como o Mário (dei aos ventiladores os nomes de seus antigos donos) que foi consertado durante um feriado. Não havia onde comprar um novo, então foi improvisada uma base de madeira que ficou tão boa que não houve a necessidade de comprar um novo. Outra situação curiosa é que nessas histórias há alguns ventiladores que recebem apelidos, como ‘Robocop’ ou ‘esqueleto’”, antecipa.
Através da exposição, Maurício pretende mostrar o quanto pequenos hábitos e práticas possibilitam a observação e compreensão da população amazônica, em especial dos paraenses, destacando nossos modos de experiência, adaptação e criatividade.
Trecho da obra de Maurício Igor
“Os ventiladores são bem característicos aqui na região. Com o clima quente, eles fazem parte também da nossa sobrevivência e adaptação. Assim, vejo as gambiarras como estratégias de manter essa sobrevivência quando eles quebram ou apresentam algum defeito. Paralelo a esta ideia, o trabalho também levanta reflexões sobre a sobrevivência na/da própria região Amazônia e as vidas que nela residem", explica.
Por ser inovadora e se aproximar do cotidiano da população, a ideia da obra viralizou nas redes sociais e também chamou atenção de pessoas envolvidas indiretamente com sua constituição. “Após efetuar a compra de ‘Glauber’, recebi uma mensagem do motorista do Uber que o trouxe dizendo que viu o anúncio colado na parede e que tinha ventiladores como eu procurava, também comentava que um amigo tinha muitos desse. Foram relações construídas de forma orgânica, tal qual os consertos para manter a sobrevivência na região”, destaca Maurício.
Cartaz de divulgação da exposição
Tal panorama, curioso e rotineiro, toca a vida de algum modo de todos nós, se espraiando também de forma ágil e em movimentos sinuosos por diversas áreas, tal qual as hélices dos ventiladores. “Esses reflexos aparecem em diversas vertentes, como políticas, sociais, econômicas, artísticas... É como se o restante do país não nos olhasse como deveria, o que é realmente triste, pois o Norte e a Amazônia, são de uma potência e importância gigantescas", finaliza o artista.
PROGRAMAÇÃO O projeto “Ventos do Norte” foi selecionado no Edital de Pesquisa e Experimentação da Aldir Blanc Pará, em Artes Visuais, promovido pela Associação Fotoativa. Durante a programação, estão previstas também outras atividades, como uma mediação virtual, que ocorrerá dia 26 de março; uma oficina de lambe em 16 de abril e, encerrando a exposição, o “Café com artista”, no dia 19 de maio.
No mesmo período, o Espaço Candeeiro receberá ainda outra exposição, “Registros Gerais”, de Rafael Matheus Moreira. Ambas possuem a curadoria de Heldilene Reale e estarão disponíveis no site do estabelecimento.
MAURÍCIO IGOR Mauricio Igor é graduado em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará. Em 2019, foi contemplado com bolsa do Programa Santander de Bolsas Ibero Americanas para estudos de um semestre na Faculdade de Belas Artes na Universidade do Porto, em Portugal.
Seu trabalho é focado em reflexões sobre o corpo não hegemônico, atravessando questões de identidades inseridas em temas como miscigenação e sexualidade. Tais processos se desdobram em fotografias, performances, vídeos, textos, intervenções e instalações. Por meio destes, participou de importantes exposições coletivas no Brasil e em Portugal, além de já ter sido capa da revista luso-brasileira Performatus em 2020. Com a série “Ô lugarzinho pra ter viado!” recebeu menção honrosa no FotoSururu - 1º Encontro de Fotografia Criativa, em Maceió-AL, e com a criação “Como descobrir o que não é desconhecido?” também recebeu menção honrosa na Open Call Intervenções Artísticas SUPERNOVA, na cidade do Porto, em Portugal.
No dia 15 de março, a Universidade Federal do Pará sediou a palestra de Vinoba Vinayagamoorthy. Foto: Enderson Oliveira
Óculos que fotografam com apenas um click, possibilidade de escolher o ângulo da câmera em uma transmissão esportiva, envio imediato de fotos e edição em 'telas' criadas a partir de Realidade Aumentada, além de uma possibilidade gigantesca de troca de informações e conteúdos entre pessoas e veículos.
Este panorama é o que futuro - ou mesmo o agora - reserva para as Comunicações, em especial a imprensa e a produção de conteúdo colaborativo, principalmente na Televisão.
Isto e muito mais foi apresentado e discutido pela pesquisadora Vinoba Vinayagamoorthy, do departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da British Broadcasting Corporation (BBC) de Londres, Inglaterra, na conferência “Habilitando Interações Mais Ricas: fornecendo experiências em multi-dispositivos conectados e sincronizados”, realizada no dia 15 de março, na Universidade Federal do Pará, em Belém.
A programação fez parte da Jornada de Cooperação Internacional da UFPA, realizada pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp) e da Pró-Reitoria de Relações Internacionais (Prointer) da UFPA, com apoio do Núcleo de Inovação e Tecnologias Aplicadas a Ensino e Extensão (NITAE2) e Programa de Pós-Graduação Criatividade e Inovação em Metodologias de Ensino Superior (Ppgcimes).
Na palestra foram apresentados diversos cases e alternativas que estão sendo testados pela BBC em Londres. Foto: Enderson Oliveira
Na palestra, Vinoba destacou que a TV passa por inúmeras e céleres modificações em grandes centros, como no Reino Unido e a passos mais lentos em outros países, como no Brasil e, mais ainda, na Amazônia. Ela citou que a BBC, apesar de ser um veículo independente e não apresentar propagandas, justamente para evitar se atrelar a algum objetivo financeiro externo, investe maciçamente nas inovações tecnológicas como, por exemplo, oferecer a programação ao usuário em aplicativos, seja através da conexão direta à TV via tablets, por exemplo.
Isto permite que os sujeitos possuam maior protagonismo na definição do que se assiste/ acompanha. Com o poder de escolha e personalização de seu conteúdo, passam a ter o que chamou de "experiência adaptativa". Indo além, tal possibilidade permite também aos veículos compreenderem mais facilmente os perfis dos públicos e, assim manter a cadeia de produção de conteúdo e instigar seu consumo.
Nesta cadeia, é fundamental também o feedback e atenção ao consumo de fato do público, que por vezes rejeita algumas iniciativas mais inovadoras e retoma algumas práticas mais antigas. Para isso, são aplicados testes que possibilitam a percepção do que o público nota e de fato consome da produção da BBC.
Tudo isto ocorre porque, segundo a pesquisadora, o avanço tecnológico não se encerra em si próprio. É fundamental que as pessoas entendem o que utilizam e o porquê de utilizarem daquela forma. Só isto poderá de fato colaborar para a "evolução" na produção e consumo de novas alternativas na TV.
É justamente levando isto em conta que pode-se também ousar na forma de conseguir as informações necessárias, não apenas sobre audiência, mas de que audiência se busca/ se deseja investir.
Para isso, a BBC já disponibiliza conteúdos educativos e experiências lúdicas, muitas vezes baseadas na gamificação, que não somente atraem a atenção dos telespectadores, como também ajudam a traçar o panorama de consumo, algo bem mais possível na Europa e difícil de imaginar sendo aplicado logo no Brasil e na Amazônia.
Além da conferência, a pesquisadora ministrou o workshop "Gerando ideias para o futuro da TV" (Generating ideas for the future of TV). Foto: Enderson Oliveira
PERFIL Vinoba Vinayagamoorthy é engenheira, com doutorado em Ciência da Computação pela University College London (UCL). Sua área de atuação é a pesquisa e o desenvolvimento de experiências sincronizadas em telas complementares. Tal atuação envolve a elaboração de protótipos para experiências de exibição de conteúdo e também estudos exploratórios sobre como os diferentes públicos podem reagir a esses conteúdos.
Após quase três anos, o filme agora está disponível no Youtube. Imagem: Reprodução
Quão estranha e sofrida pode ser (ou é) uma cidade castigada pelo calor e pela chuva quase diariamente? Quão esperançosa é uma cidade que é capital de um estado que desde o hino já sentencia: “teu destino é viver entre festas, do progresso, da paz e do amor”? Quão suja e abandonada é uma cidade com inúmeras “obras-sem-fim” e monturos de lixo, em que seus próprios habitantes e filhos não se intimidam e, em qualquer local e a qualquer momento, escarram grosso e raivosamente em dezenas de cusparadas destinadas ao solo citadino, amaldiçoando-o? Quão alegre e diversificada é uma cidade que na cultura, em que pese a gestão raquítica (pública e privada), possui uma produção rica, peculiar e instigante?
Tais situações peculiares, evidenciadas – e evidentes – na capital paraense e as relações com seus moradores, muitas vezes “inscritas” e/ou sugeridas na fisionomia da cidade são pontos centrais no documentário Fisionomia Belém, lançado no Festival de Audiovisual de Belém em 2015 e que agora está disponível no Youtube e com legendas em inglês. A direção do filme é assinada por Relivaldo Pinho, professor e doutor em Antropologia e Yasmin Pires, publicitária, graduada em Cinema e Audiovisual e mestranda em Filosofia.
Mais de 200 pessoas assistiram a estreia do filme no Festival de Audiovisual de Belém 2015, no Cinema Olympia. Foto: Ana Carolina Almeida Souza
O filme busca mostrar uma "outra Belém": contemporânea, talvez pós-moderna, bem mais "real" e (re)conhecida por sua população, e não somente apresentada através do ufanismo e imediatismo turístico e midiático que, por vezes, a simbolizam. O documentário começou a ser produzido em 2014, durante as atividades do grupo de pesquisa “Comunicação, Antropologia e Filosofia: estética e experiência na comunicação visual, audiovisual e literária urbana da contemporaneidade de Belém do Pará”, coordenado por Pinho, e contou com a participação de membros das várias áreas do conhecimento.
Nas pesquisas, que resultaram ainda em um grande acervo de imagens disponibilizado no site do projeto, teve destaque a observação de ruas, avenidas, espaços, propagandas e linguagens artísticas que singularizam e comunicam tais processos, mas que, por vezes, parecem estar despercebidos ou (ainda?) ignorados por certa preferência em incensar a repetição de determinadas fórmulas e imagens.
O projeto partia da ideia central de que Belém do Pará, em seus prédios, lojas, vitrines, avenidas, muitas vezes possui as marcas de um passado que, entrelaçado com o presente, revela uma realidade submersa, ou próxima demais e instigante. Tal choque – ou diálogo – resulta, e ao mesmo tempo é resultado, de novas reconfigurações do espaço urbano na contemporaneidade, que obviamente também ocorrem na Amazônia, ainda que representações imagéticas e culturais insistam em associações a uma supremacia da paisagem verde, a um folclore inigualável e produções culturais tomadas como exóticas pelo resto do país. Contudo, o que se nota vai bem além: uma realidade em movimento, fluida, problemática e complexa, que incita e, ao mesmo tempo, comunica transformações na fisionomia da cidade.
Tais mudanças, ou mesmo sua miscelânea, são potencializadas em Belém, já que “a Amazônia vive vários tempos”, seja o mítico, o moderno, o pós-moderno, como destacou o professor Ernani Chaves. Uma cidade heterotópica emerge então, o que também está presente não somente nas produções arquitetônicas, institucionais e publicitárias, mas também nas artes.
Deste modo, a chamada “metrópole da Amazônia” pode ser analisada e compreendida através de registros materiais e imagéticos, como fotografias, sejam as mais corriqueiras (nem por isso menos prenhes de significados) ou artísticas, mas também outros produtos estéticos, como filmes, pinturas, intervenções, livros, videoclipes e canções.
“As imagens do projeto, e o próprio filme, procuram representar uma contemporaneidade ignorada por um cotidiano que impossibilita uma reorientação do olhar, incapaz de perceber a cidade sob as várias existências imagéticas e temporais, sobre um espaço que se modifica, que abandona certas vivências e incorpora outras, na qual ruínas e novos edifícios coexistem, uma metrópole veloz, mas, que ainda caminha, repleta de imagens que cintilam e de rostos anônimos”, explica Relivaldo Pinho.
O FILME No documentário, além de imagens da cidade, tem relevo as entrevistas com pessoas que comunicam de algum modo, percebem e interpretam as modificações pelas quais passa a cidade. Nesse sentido, sua produção integra cinco entrevistas: com Edyr Augusto, jornalista, radialista, redator publicitário, autor de peças de teatro e livros como Os Éguas (1998), Moscow (2001), Casa de caba (2004), Um sol para cada um (2008), Selva Concreta (2012) e Pssica (2015); Ernani Chaves, pós-doutor em Filosofia e professor na Universidade Federal do Pará; Fernando Segotwick, roteirista e diretor, produtor de filmes como Dias (2000) e Matinta (2012); Eder Oliveira, graduado em Educação Artística – Artes Plásticas pela Universidade Federal do Pará e “pintor por ofício” desde 2004; e Lázaro Magalhães, jornalista e músico, um dos fundadores da banda paraense Cravo Carbono.
Yasmin Pires afirma que “O documentário é importante para que haja uma quebra nessa construção amplamente difundida pela mídia sobre o que é Belém ou a Amazônia. Belém deve ser entendida como um espaço urbano cuja construção é permeada por experiências contemporâneas que transcendem o achatamento de uma realidade representada pelo dançar carimbó, ir ao Ver-o-Peso, tomar açaí etc.”, finaliza.
Assista:
OS DIRETORES -Relivaldo Pinho é Doutor em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É autor dos livros Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia (ed.ufpa, 2015); Mito e modernidade na Trilogia amazônica, de João de Jesus Paes Loureiro (NAEA/UFPA, 2003); Amazônia, cidade e cinema em Um dia qualquer e Ver-o-Peso: ensaio (IAP, 2012), e organizador do livro Cinema na Amazônia: textos sobre exibição, produção e filmes (CNPq, 2004). É autor do capítulo Clifford Geertz (1926-2006), do livro Os antropólogos: clássicos das ciências sociais (Vozes; PUC-RIO, 2015).
-Yasmin Pires é formada em Comunicação Social pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Hoje, é mestranda em Filosofia pela UFPA. Participou das produções dos videoclipes Eu Quero Cerveja, de Félix Robatto, Oswald Canibal, de Henry Burnett, e Redenção, da banda Álibi de Orfeu. A captação de imagens e edição do documentário ficou sob responsabilidade da Fóton Filmes.
FICHA TÉCNICA Sinopse: A cidade contemporânea parece alargada em transformações cotidianas que se desviam da percepção, com traços que às vezes são descortinados apenas em suas representações. Fernando Segtowick, Éder Oliveira, Lázaro Magalhães, Edyr Proença e Ernani Chaves são os mediadores para falar sobre uma única personagem: Belém do Pará. As mudanças, sociabilidades e representações na capital do estado do Pará, encravada no meio de uma Amazônia mítica e real.
Direção: Relivaldo Pinho e Yasmin Pires
Ideia Original/Entrevistas: Relivaldo Pinho
Roteirização: Yasmin Pires
Direção de Fotografia: Yasmin Pires
Câmera: Yasmin Pires, Camila Machado, Victória Costa, Ana Beatriz Oliveira, Robson Cardoso e Enderson Oliveira
Som Direto: Victória Costa e Wenderson Silva
Produção: Ângelo Cavalcante, Danilo Caetano, Priscila Bentes, Paulo Victor Dias, Thamires Veloso, Enderson Oliveira e Vanda Amin
Edição/Mixagem/Finalização: Victória Costa e Yasmin Pires
Entrevistados: Edyr Augusto, Ernani Chaves, Fernando Segtowick, Éder Augusto e Lázaro Magalhães
Decupagem das Entrevistas: Victória Costa, Enderson Oliveira, Priscila Bentes, Paulo Victor Dias e Thamires Veloso
Trilha: Rhapsody in Blue - George Gershwin; Maze - Snakecharm; Zouk House - Strobo; Andando no Chuvisco - Pio Lobato; Marx Marex - Cravo Carbono; Oswald Canibal - Henry Burnett; Respira - Madame Saatan e Equipe Super Vip - DJ Waldo Squash e Maderito
Assessoria de Comunicação: Enderson Oliveira
Realização: Grupo de Pesquisa Comunicação, Antropologia e Filosofia
Co-Produção: Fóton Filmes
Quando você pensa em Amazônia, o que vem à sua mente? Um "Eldorado" a ser explorado? Áreas verdes? Animais selvagens? Populações indígenas? Confusão urbana? Possivelmente você tem uma concepção, resultado de seu imaginário ou mesmo experiência.
Aprofundando a questão, e a Mídia, como veicula a Amazônia? Será que repleta de estereótipos ou de um modo mais coerente com a(s) sua(s) realidade(s) contemporânea(s)? Mais que isso: será que a Amazônia acaba então virando uma certa "Marca", podendo ser veiculada e mesmo consumida?
Atentas a estas e outras discussões, três estudantes da Faculdade Paraense de Ensino (Fapen), de Belém, criaram o blog Marca Amazônia, criado diante da necessidade de maior acesso aos conteúdos sobre o tema, seja pelo escasso acervo reservado ao assunto e, principalmente, pela “pulverização” das pesquisas e produtos.
O blog tem como objetivo geral contribuir para discussão sobre a possível “Marca Amazônia” (A Marca Amazônia: uma promessa publicitária para fidelização de consumidores nos mercados globais, Otacílio Amaral Filho, 2008), problematizando esta possível “marca” bem como o lugar de fala “Amazônia”, não a partir de produtos e da publicidade, mas sim por meio de pessoas e seus conteúdos veiculados nas redes sociais. Segundo Daniely Cabral, a ideia de criar o blog surgiu em 2016, após as estudantes terem decidido qual seria o tema de TCC, que está sendo desenvolvido. "O objetivo deste projeto é fazer um estudo de caso sobre a Marca Amazônia e mostrar como ela é entendida e vista por diversos pesquisadores. Assim, a criação do blog como ferramenta de divulgação do conteúdo nasce da necessidade de se discutir, de forma virtual e em um mesmo espaço a 'Marca Amazônia'”, explica.
É ainda a jovem que afirma que "de início, o blog seria apenas para divulgar nossa pesquisa, mas com o passar do tempo percebemos a oportunidade de ampliar nossos horizontes, visto que houve grande dificuldade em encontrar conteúdo que fizesse referência à temática e sua representação no mundo digital. Dessa forma, ampliar e compartilhar a nossa visão sobre o tema seria desafiador ao mesmo tempo em que recompensador, pois estaríamos levando aos internautas conteúdo de qualidade e apresentando uma Amazônia pouco discutida", esclarece.
Assim, nasce o Blog Marca Amazônia, que conta com template simples e de fácil manuseio, que apresenta, além da pesquisa das jovens, informações relacionado ao tema e conteúdo exclusivo (como as entrevistas cedidas com pesquisadores) aos internautas.
"MARCA AMAZÔNIA"? Para Elen Silva, "a escolha do tema a ser pesquisado foi algo que surgiu depois de uma conversa com o nosso orientador, e a curiosidade de pesquisar esse universo da Amazônia nos fez ver vertentes que não sabíamos sobre a região. No início das pesquisas nossas opiniões sobre o que era a Amazônia era igual a de todos, superfície verde, pulmão do mundo, mata, animais, entre outros", afirma.
"A pesquisa foi nos ensinado que ela (a Amazônia) não é somente isso que nos ensinam desde o fundamental e, após conhecer mais sobre o tema, as opiniões foram mudando até porque 'moramos nessa floresta', mas por conta desses conceitos preestabelecidos esquecemos por completo", destacou.
"A pesquisa sobre o olhar das pessoas, como elas veem a Amazônia só deixou mais claro o quão invisível é a Amazônia, porque ela não é somente mato e animais, existe toda uma realidade urbana que não é enfatizada. Nossa pesquisa se torna importante por que queremos de certa forma desmistificar esse olhar que o mundo tem sobre a Amazônia, tirar essa ideia de invisibilidade urbana, queremos mostrar que aqui existe sim as florestas mas que também existe pessoas, cidades, que as pessoas que moram aqui não são só índios, temos ruas, carros, prédios assim como as demais cidades do brasil e do mundo, que além de mata somos uma Amazônia tecnológica e urbana também", sintetiza Elen.
RESULTADOS Nos últimos meses, as estudantes tiveram três trabalhos aprovados no Congresso Regional de Ciências da Comunicação. Segundo Camila Braga, "ter participado do Intercom Norte, em Manaus, foi um experiência ímpar, e o melhor de tudo foi poder defender os nossos 3 projetos aprovados e mostrá-los para outras pessoas.
Os trabalhos aprovados foram: "na categoria Intercom Jr., “A Amazônia (ainda) é uma marca? “Marca Amazônia”, representações e mudanças de paradigmas”, onde abordamos a ideia de que Amazônia não é só mata, animais e água; ela ultrapassa essa visão restrita, podendo ser analisada por meio de pessoas, internet e audiovisual. Os outros dois trabalhos foram no EXPOCOM, "uma na categoria Filme Publicitário (avulso), “Quando tudo termina é que na verdade começa: o Cosanostra Caffé, de Belém do Pará”, e outro foi na categoria Blog (avulso), “Blog “Marca Amazônia”: comunicação, pesquisa e reflexões em poucos clicks”.
"Acredito que foi um projeto muito gratificante já que estamos dando continuidade a ele e esperamos quem sabe um dia ser de certa forma referência quando a temática for Amazônia", finaliza.
Que a produção cultural de Belém, é muito rica, ainda que a necessidade de profissionalização da gestão – pública e privada – seja urgente e cada vez mais obrigatória por parte de governantes e realizadores, sabe-se (reconhece-se) há muito tempo.
No entanto, nos últimos anos, principalmente através da produção audiovisual (e também a musical, notemos), este cenário – finalmente – parece estar sendo modificado, com maior investimento de tempo (sim!), coragem e vigor para apostar em conteúdos inovadores e sua circulação; e, por fim, com maior pensamento estratégico. Exemplo disto é a websérie paraense “Pretas”, que possui roteiro de Hian Denys, Othon Montalvão e Lucas Moraga (que assina também a direção da obra).
A série possui como protagonista Abigail, interpretada por Rosilene Alves, uma pugilista que enfrenta um verdadeiro caleidoscópio de desafios: criar a filha pequena, seguir na carreira e os preconceitos por ser mulher e negra na Amazônia.
O piloto da websérie, que desde o início foi concebida para ter episódios independentes (o que facilita sua circulação em diversos meios, festivais e outras “janelas” de exibição) quebrou inúmeras barreiras e fugiu das desculpas que muitos adoram dar para justificar a pouca ou nenhuma vontade de desenvolver algo e mesmo encarar grandes desafios.
Em 2016, “Pretas” venceu o Festival Osga de Vídeos Universitários, da Universidade da Amazônia; em 2017, o Festival da Freguesia do Ó, em São Paulo; e foi selecionada para o 39º Festival du Court métrage de Clermont-Ferrand, na França, um dos maiores festivais de cinema do mundo. Detalhe: o primeiro capítulo custou apenas R$350,00. Isto mesmo: menos da metade de um salário mínimo (que, sabemos, é ínfimo e não atende as necessidades básicas de milhões de brasileiros).
Com investimento mínimo, muita coragem e bom trabalho estético, o filme chegou ao Festival du Court métrage de Clermont-Ferrand este ano. Imagem: Reprodução
Embora muita gente ainda associe produção audiovisual com altos custos, grande equipe e a necessidade dos mais novos equipamentos, como se vê, com um pequeno valor a obra alcançou grande visibilidade e retorno. Tudo isto foi possível por conta de um jovem de grande talento e coragem: o paraense Lucas Moraga, de apenas 22 anos, que atualmente é concluinte no curso de Publicidade e Propaganda e “luta pelo audiovisual como estilo próprio de vida e sonhos”, como se auto define.
A trajetória do jovem, que afirmou que suas grandes inspirações no cinema são “Tim Burton, através dele conheci um cinema incrível na infância. Hitchcock com suas obras fantásticas. E atualmente todos os irmãos e irmãs negros(as) que se aventuram em fazer o audiovisual”, merece destaque.
“Apesar do pouco tempo no audiovisual já acumulo alguns títulos. Na minha filmografia já constam 14 premiações, incluindo premiações principais de melhor filme, e 12 seleções oficiais em variados festivais nacionais e internacionais”, diz Moraga, que em 2015 também recebeu o Prêmio de Melhor Curta no Festival Osga pelo filme “Pôr da Terra” e que em 2016 recebeu menções honrosas no Festival de Audiovisual de Belém.
Veja o primeiro episódio da websérie:
"Pretas" do poder Em uma época em que ganha maior destaque discussões sobre empoderamento e a necessidade de se refletir, cada vez mais, sobre o papel político da arte, o filme apresenta temas que por vezes são “escondidos” de grandes debates, como racismo e o papel da mulher, em especial na Amazônia.
“Desde o começo tínhamos noção do campo de batalha em que estávamos entrando e apesar do medo estamos encarando com muito respeito e força. Fazer cinema negro é politizar. É denunciar. É principalmente desmitificar que o negro não tem talento para protagonizar histórias”, enfatiza Lucas.
Política e estética se unem e ajudam a tocar vidas, seguindo aquilo que Ana Margarida da Costa Ribeiro (2008) afirmou ao dizer que “em mais de cem anos de existência, o cinema criou, moldou e difundiu uma enorme quantidade de imagens e pensamentos sobre essas imagens e sobre o mundo”. Uma obra, então, vai além da tela (seja qual for o tipo de tela atualmente) e pode impactar inúmeras vidas.
A equipe de produção de "Pretas" prepara os novos episódios da websérie. Foto: Reprodução/Facebook
“Com a websérie no ar há menos de três meses já recebemos diversos relatos de como a história alcançou e impactou quem assistiu e isso é incrível. Não tínhamos uma real dimensão disso antes, mas agora começamos a ter bem mais. E ficamos muito contentes com isso”, destaca Lucas.
Como se vê, além da importância estética, é claro, a obra também se destaca pela circulação e caráter político e social e mostra também a alunos e professores que o incentivo e luta pelo que se acredita (ainda que seja algo clichê) e a preparação para isto (o que muitas vezes é deixado de lado), são fundamentais e rendem bons frutos.
Sobre isto, o diretor comenta que “primeiramente é importante observar que jamais podemos desprezar o que fazemos dentro da universidade enquanto produção. Basta ter empenho, correr atrás e fazer acontecer. Estar sendo exibido fora do país é uma sensação única e nos dá esperanças gigantes de um dia estar em grandes festivais exibindo nosso trabalho e vivendo disso”. Para isto, no entanto, é necessário maior investimento e pensamento e planejamento estratégicos.
Continuação da websérie depende de você! Desde 7 de março, a produtora Invisível Filmes está com uma campanha de crowdfunding (financiamento coletivo) para arrecadar o valor necessário para produzir de forma mais ampla a continuidade da série.
De acordo com a descrição da campanha, “em ‘Pretas’ visamos um chamamento para o problema da ausência de representatividade negra em produções cinematográficas. Levando em conta aspectos culturais. Tudo de forma metafórica e ficcional que passe uma maior ideia de como isto está presente tão fortemente em nossas vidas”.
Diz ainda a descrição que “dentro dessa proposta começaremos a debater, ainda que de forma inconsciente, qual o papel dessa presença negra sendo protagonista de suas próprias histórias, tendo como alvo principal a mulher negra. Pretendemos inscrever o piloto da websérie em festivais regionais, nacionais e internacionais para uma maior visibilidade do assunto, divulgação de que o audiovisual no Pará é uma realidade e que possuímos um material de qualidade”.
Tudo isto, como se sabe, depende de um ponto de partida que é a coragem de fazer diferente. Com diversas possibilidades via internet, isso não se torna necessariamente mais fácil, mas certamente bem mais possível. “Eu sigo um lema desde o começo: Independente de ter ou não equipamento. De saber ou não manusear. Escrever um roteiro. Vai e faz. A internet está ai para nos ajudar e eu digo que um dos meus maiores professores foram os tutoriais do Youtube. O 'segredo' é nunca parar na primeira produção por achar amadora demais. A evolução vai se dar na prática, fazendo mais filmes, convivendo com mais pessoas e vivendo mais histórias”, explica Lucas.
É ainda o diretor, quando perguntado ainda onde pode chegar que dá um exemplo de estímulo e confiança típicas de quem sabe de fato o que está fazendo e que já começa a caminhar de forma mais firme na produção cultural: “minhas asas estão abertas e alçando voos. Não sei exatamente onde quero chegar, o meu ‘ir’ faz o caminho. Sou um caçador de histórias”, finaliza.
Da mistura equilibrada e atenciosa de cores, curvas e expressões de diversas mulheres, em especial de Belém do Pará, na Amazônia, surgem imagens que retratam, além do corpo feminino, a força e vigor do gênero da maioria da população mundial. As imagens, feitas por uma jovem de apenas 18 anos, de sorriso tímido e click preciso, alcançaram tamanho destaque que aterrissaram, após somente uma escala regional, à Europa.
Sim, três fotografias da jovem fotógrafa paraense Vitória Leona, que já teve outras obras publicadas na revista digital alemã Grunge'n'Art, participaram no início de fevereiro de uma exposição na galeria Copeland Park & Bussey Building, em Londres, capital da Inglaterra, e devem ser expostas novamente entre maio e junho em Paris, na França. A paraense foi a única representante brasileira na exposição, que contou ainda com obras de outros 16 artistas, sendo somente quatro fotógrafos no total.
“Eu recebi um e-mail do Jesse Gassongo-Alexander, diretor e escritor do projeto, no final do ano passado. Como nunca tinha recebido um e-mail em outro idioma, vindo de um remetente estranho, quase não abro por achar que era spam. Porém, vi que o conteúdo era sobre fotografia e era um convite para conhecer mais e participar do projeto. Ele me explicou como funcionava e sobre as duas edições passadas, que aconteceram em Londres e Copenhagen, e pediu para que eu selecionasse algumas imagens do meu acervo em resposta ao curta-metragem Bloom”, explicou a jovem.
As fotografias escolhidas são de Ingrid Velasco, Alexandra Dutra e da produtora audiovisual Débora Mcdowell. Nas imagens, as três mulheres são apresentadas sem grande produção e edição; o destaque é para suas expressões e o cotidiano em que estão inseridas. Corpo, dia-a-dia e simplicidade se unem em uma caleidoscópio que dá margem para acentuar as discussões sobre o poder das mulheres, representação, arte e mídia, destacados por Vitoria que, com um trabalho focado no feminino, busca desconstruir a sexualização do nu.
Os planos da jovem, no entanto, não param por aí. “Eu tenho vários projetos que ainda não tirei do papel, dentre eles alguns voltados para fotografia documental. Quase todos buscando uma maior interação com a cidade e com a nossa cultura paraense, uma forma de juntar as referências que trago do mundo e o que temos aqui”, antecipa Vitória, que afirma ainda que “eu sempre pensei que, apesar de gostar de tantas cidades ao redor do mundo e querer conhecer muitas outras, eu não poderia nascer em um lugar melhor. Eu sou apaixonada pela cultura paraense. Nós temos cores, cheiros, sons, paisagens, fisionomias e costumes muito ricos. É uma diversidade sem tamanho que carrega bastante força. Poder retratar isso é registrar algo único”, enfatiza.
Trajetória curta e promissora Que Belém possui uma tradição de grandes fotógrafos, isso se sabe, mas na obra de Vitoria isto parece ser potencializado. Como o flash de um click, a carreira da jovem passou a ter maior projeção rapidamente. Antes da exposição internacional, a fotógrafa tinha participado somente de outra, em 2016, em Belém: “Em novembro do ano passado fiz minha primeira exposição, com uma visão geral das minhas fotos focadas no nu feminino. Fui convidada pela cantora Liège para expor no evento que ela idealizou, o ‘Liège Sem Crivo’”, explica.
A escolha de mulheres obviamente não é aleatória e possui, mais que certo cunho político, marcas da estética de quem possui como referências o trabalho de Renato Galvão, Mariana Caldas, a canadense Petra Collins e, principalmente, o carioca Fernando Schlaepfer e o paraense Luiz Braga.
A exposição deve passar ainda por Paris este ano. Foto: Jesse Gassongo-Alexander
Neste processo, ganha destaque mais que o corpo feminino como “paisagem”, suas expressões que buscam fugir a clichês e se aproximam de uma realidade mais urbana, contemporânea e “empoderada”. “Quando comecei a fotografar eu fazia bastante fotografia documental. Tenho um conjunto de fotos do cotidiano belenense, mas hoje em dia eu não faço tanto, apesar de achar maravilhoso, pois acabei criando um bloqueio em relação a fotografar desconhecidos, me apropriar da imagem deles sem buscar conhecê-los mais a fundo. Talvez a desconstrução disso resulte em um projeto”, afirma.
Através da obra de Vitória é possível, então, se “espelhar” e mesmo se reconhecer, mostrando o poder da arte e sua relação com o cotidiano pós-moderno da Amazônia, sem deixar de lado a própria identidade. “É óbvio que eu foco na parte de retratos, através deles eu tento passar bastante de mim e do que eu acredito, mas principalmente sobre a pessoa retratada e o que ela pode vir a representar, às vezes oferecendo um olhar mais gentil sobre si mesma. A maioria das meninas que fotografo nunca fizeram isso antes, nunca fizeram um ensaio nu, mas confiam em mim para isso, e algumas estão ali superando inseguranças, parte delas com o próprio corpo. Fico muito feliz quando essas mulheres (convidadas ou clientes) relatam que puderam ver a si mesmas de outra perspectiva jamais imaginada, se sentiram bem, mais bonitas”, finaliza.
Bloom, o filme “Bloom”, curta-metragem inglês que é ponto de partida para exposição, foi escrito e dirigido por Jesse Gassongo-Alexander e apresenta a história de quatro garotas. Periodicamente acontecem eventos que, além da exibição do filme, também contam com a exposição do trabalho de jovens artistas mulheres do mundo inteiro. Veja o teaser:
Conheça Saiba mais sobre as obras de Vitória no Instagram (@vitorialeonaph) e em seu site.
Henry volta a se apresentar no Sesc Boulevard na próxima sexta-feira (27) para lançar "Belém Incidental". Foto: Divulgação
"Sou um compositor de canções tradicional, com a diversidade rítmica e poética de quem passou a maior parte da vida em Belém e que se nutre da cidade até hoje". Assim se apresenta Henry Burnett, músico paraense que lança seu quinto álbum, "Belém Incidental", na próxima sexta-feira (27), às 19h, em show gratuito no Sesc Boulevard.
Falar da obra de Henry é também falar de Belém. Não porque o músico, que também é pós-doutor em Filosofia e professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), repita clichês que se proliferam nas artes, no turismo e na mídia da capital paraense, mas sim por apresentar em suas canções diversas “facetas”, muitas vezes angustiantes e que incomodam, de uma população que não raramente se esquece e desconhece a si mesma.
(Re)unindo poesia e música, em boa parte de suas canções podemos notar "diagnósticos" sobre a cidade, reflexos de seu discurso e análise sobre uma urbe em que o “desamor” predomina e em que parece haver pouca ou quase nenhuma esperança.
Mais que isto: talvez suas canções - para além das que estão no álbum a ser lançado - carreguem certo "espírito de época" de uma metrópole cada vez mais conturbada, apressada e desorganizada, onde a frieza da população se choca cada vez mais com as altas temperaturas que castigam humanos, animais e objetos.
A banda de Henry Burnett (voz, violão, guitarra) é formada ainda por Renato Torres (guitarras e vocais); Maurício Panzera (baixo) e Tiago Belém (bateria)
Levando todo este panorama em conta, aproveitei a data de lançamento do álbum de Henry para, assim como fiz nos últimos dois anos, ouvi-lo sobre as perspectivas (?) para a cidade em seu mês de aniversário, “comemorado” (?) no dia 12, quando completou 401 anos. Enviei então a Henry a provocação/ exercício de imaginação utópica que fiz com outras doze pessoas, que resultaram no texto "Belém do Pará, ano um. 401". A questão era:
"Após 400 anos, Belém pode começar uma nova trajetória. Vive o 'ano 01'. O que a cidade precisa com mais urgência? Qual o conselho tens a dar à cidade imaginando que sua história (re)começa agora? O que desejas a ela/ à população?".
Acredito que em um primeiro momento tais questões surpreenderam (ou assustaram) Henry. "Quem disse isso? parece uma fala de político, de quem não tem responsabilidade pública e utiliza o ano redondo para criar uma falsa ilusão de projeto.", disse o músico ao se deparar com tal proposição, comentando a situação da cidade. Bingo! Era exatamente o tipo de reação esperada, que tem como fio condutor a mesma sensação/ sentimento citados por outras pessoas: o incômodo da reflexão e da observação, em retrospectiva ou não, da cidade e suas diversas circunstâncias cada vez mais problemáticas.
Logo após, Henry explicou sua resposta. "Belém não tem projeto, o último, apenas insinuado, foi elaborado na gestão do Edmilson Rodrigues, mas ao que parece o povo preferiu a continuidade do atual prefeito e o descalabro pelo qual passa nossa cidade agonizante. Não tenho nenhum conselho a dar, é tarde para isso ou para qualquer reação que possa recuperar o que foi a cidade. Nem se trata disso, de ‘voltar ao passado’, mas de um cuidado elementar com a arquitetura, a vida social e com o que resta em pé, nem isso existe. A história não está começando, está terminando. O que pode eventualmente começar é uma nova história, mais triste e decadente", decretou.
Parecer pessimista? Não. Análise realista? Possivelmente. Tal diagnóstico, que erroneamente pode ser transformado em bandeira “política” ou de outras ordens, revela uma precisão que não cai somente no lugar de fala ou queixas aleatórias "de cunho social".
Neste sentido, é possível citar a violência que toma conta da cidade, em especial nos inúmeros bairros e áreas periféricas da capital paraense. Sons de fogos de artifício, rojões e de disparos não raramente se unem em meio a festejos de ordens diversas, como comemorações (ou discussões) por conta de uma vitória ou derrota azul marinha ou bicolor, situação "descrita" em “Terra Firme”, canção presente no álbum-livro Retruque/ Retoque.
Nesta cidade em que a água da chuva dilui as manchas de sangue, sangrias abertas diariamente, ainda que se tente fugir, alguns clichês (símbolos ou mesmo ícones?) parecem inevitáveis, como a referência à chuva da tarde, ou mais precisamente às 14h30, como na canção presente no CD “Não para magoar”. A mesma chuva que “nos escurece” e que serve de “cenário para mil amantes" causa diversos riscos e é a base de "Chuva op. 14:30":
Apesar de toda a poesia e lirismo da canção, sabemos que o cenário atual da cidade é bem mais complexo, problemático e menos idílico. Talvez isto explique o grande número de “exilados” fora do Estado ou ainda pessoas que seguem uma rotina “em movimento”, habitando na cidade, mas viajando sempre que possível (seja para casas no interior ou mesmo outros estados ou países). Cria-se então uma Belém mais contemporânea, menos ligada a um espaço físico de fato, mas sim a insigths, lembranças e cenários "nebulosos". Uma Belém somente de relance, em movimento, de passagem. Sonora e violenta, a cidade das aparelhagens é a base de uma das principais canções do novo álbum do músico: "Belém de passagem".
Neste movimento, diversas "Beléns" se cruzam, por vezes dialogam e em muitas ocasiões se chocam. Em especial uma Belém mais melancólica, próxima e acessível a todos, evidenciada (ou evidenciando) a decadência citadina, como a apresentada em "Oswald Canibal", resultado da parceria de Henry com o poeta Paulo Vieira.
Simbiose de fatores, referências e estilos, a canção tem sua gênese na relação entre a poesia modernista de Oswald Andrade e a filosofia contemporânea de Benedito Nunes, passando pelo interstício que une (pelo bem, pelo mal) São Paulo e Belém do Pará. A canção "fala" da ambição do modernista Oswald e cita o recorrente diagnóstico de Benedito Nunes sobre o esfacelamento de Belém.
Neste “ciclo”, se é que podemos chamar assim, tal decadência termina sendo fortalecida pelos próprios moradores, que desamam a cidade, como afirmou o próprio Henry em entrevista em 2015, em outra reportagem minha, sobre o então aniversário de 399 anos da capital paraense. Aos problemas públicos e privados que se reproduzem em escala e dificultam melhorias na capital paraense, se soma então “o desamor pelos espaços de convívio, a destruição do patrimônio” por parte da população.
Na época, para Henry, este seria o maior problema observado na capital paraense. A solução? O próprio Henry responde: “A necessidade maior é simplesmente amar a cidade e cuidar dela como cuidamos da nossa casa, entendendo que a cidade deve ser uma continuidade amorosa de nossa intimidade”, explica. E isto pode ser feito através de linguagens artísticas, como a música, ainda que permaneçam inúmeras " promessas inscritas nas artes da cidade, que ainda não as merece".
Belém Incidental Em entrevista, Burnett deu detalhes de Belém Incidental. "Foi um álbum pensado muito lentamente, embora tenha sido finalizado de modo rápido. São 10 faixas, que começaram a ser gravadas em Santarém há mais ou menos 4 anos, com produção de Fábio Cavalcante”, explica.
Além disso, Henry afirmou que “o álbum mistura canções antigas ("Vozes do norte", "Balanço de onda") com a safra mais recente ("Belém de passagem, com letra de Paulo Vieira); no meio delas, canções com meus outros dois parceiros frequentes, Renato Torres ("Reino") e Edson Coelho ("Trem do samba"). Cada faixa foi escolhida com calma, por isso o conjunto fala. A exceção é "E nós", que escrevi para os 70 anos da minha mãe, no ano passado", antecipou.
O disco estará disponível para download a partir de sexta. Imagem: Divulgação.
Seguindo o modelo de música independente (ou de “contra-indústria”, utilizado por alguns autores), o músico disse ainda que "o disco foi todo gravado em home studio, quatro no total. Mas a maior parte foi gravada e finalizada no Guamundo home studio, do Renato Torres, que divide a produção do disco com o Fábio, destacou.
Para quem já conhece sua obra, Henry avisou que "uma mudança muito grande foi feita neste álbum, onde assumi uma faceta apenas insinuada nos discos anteriores: o rock. De algum modo, esta opção significa uma homenagem ao grande movimento do rock paraense, simbolizado pela única convidada do disco, a Sammliz", finalizou.
Perfil Henry Burnett nasceu em Belém do Pará em 1971. Pós-doutor em Filosofia, atualmente é professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Como músico, possui quatro CDs gravados: o experimental “Linhas Urbanas”, 1996; “Não Para Magoar”, 2006; “Interior”, 2007, gravado em Buenos Aires em parceria com Florencia Bernales e o livro/CD “Retruque/Retoque”, 2010, em parceria com o poeta paraense Paulo Vieira. Além disso, Henry também produziu o CD “Depois da revoada”, 2012, junto com o músico e poeta paulistano Julio Luchesi.
Já como pesquisador, Henry é autor do livro “Cinco prefácios para cinco livros escritos: uma autobiografia filosófica de Nietzsche” (Tessitura Editora, Belo Horizonte, 2008), da coletânea de ensaios sobre filosofia e música “Nietzsche, Adorno e um pouquinho de Brasil” (Editora Unifesp, 2011) e do volume da Coleção Leituras Filosóficas da Editora Loyola “Para ler O Nascimento da Tragédia de Nietzsche” (2012).
Serviço Lançamento do álbum Belém Incidental, de Henry Burnett Onde? Sesc Boulebard (Boulevard Castilhos França, 562/563, Campina)
Quando? Sexta-feira (27), 19h.
Entrada Franca