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Segunda-feira, 2/11/2015
Blog de Cassionei Niches Petry
Cassionei Niches Petry
 
Dia dos Mortos: dia de aprender a viver

Dia dos Mortos ou Dia de Finados. O nome não importa, tampouco sua origem católica, nem mesmo se existe ou não uma vida após a morte. O dia de hoje serve para pensarmos sobre a finitude humana. Pensar não só nos que se foram, mas também, e muito mais ainda, nos que estão vivos.

Nossa sociedade é feita de rituais. Seja o batismo, a formatura, os 15 anos, todas representam um rito de passagem. Quando um ente querido morre, há também toda uma cerimônia dessa suposta passagem. Só que o ritual se estende durante toda a vida dos que ficam, quando cuidam do túmulo, rezam, levam flores, acendem velas pelas almas. O 2 de novembro é um dia especial para isso. Tudo pode ser plenamente justificado pela crença, e cada cultura tem sua maneira de ritualizar.

Interessante também é ver as diferentes formas da indesejada das gentes. Na mitologia grega, Tânatos era personificação da morte e irmão gêmeo de Hipnos, o deus do sono. Seria a morte o sono eterno? Ainda na riquíssima mitologia grega, havia as três Moiras que presidiam o destino, fabricando, tecendo e cortando o fio da vida, sendo esta última tarefa destinada a Átropos, que significa "afastar". Temos aí um termo mais leve para a morte, afinal de contas as pessoas que morrem se afastam do nosso convívio, só que é um afastamento definitivo (ou não, dependendo da crença).

Outras representações colocam a morte como um ser cadavérico, com uma foice na mão ceifando vidas. Nas histórias em quadrinhos de Neil Gaiman, a Morte é uma jovem que se veste à moda gótica e é irmã de Sandman, o Senhor dos Sonhos. Clássica ainda é a imagem da Morte, nesse caso um homem, jogando xadrez com um cavaleiro da Idade Média no filme O sétimo selo, de Ingmar Bergman.

A morte é considerada a única certeza de todo ser humano. Mas... e se deixássemos de morrer? Se fosse descoberto e vendido em qualquer farmácia o "Elixir da Longa Vida"? No romance As intermitências da morte, o finado José Saramago imaginou um país onde a morte decide deixar de atuar. Uma das consequências é a superlotação dos hospitais, já que as pessoas continuariam doentes; outra é a perda da importância da religião, pois sem a morte as pessoas não precisariam mais pensar em céu ou inferno.

Faz parte da natureza o fim da vida, mas somente o homem tem consciência disso e é o único ser a questionar sobre o que há do outro lado. Para mim, na há mais nada. Penso como o escritor Vladimir Nabokov: "nossa existência não é mais que um curto circuito de luz entre duas eternidades de escuridão." Para quem acredita, porém, há céu, inferno, purgatório, mundo espiritual, reencarnação, juízo final, etc.

Não saberemos a verdade. Sabemos, porém, que a vida tem um fim, mas antes tem um começo e um meio. Parece óbvio, mas muitas vezes não vemos o óbvio. Perdemos um tempo precioso pensando apenas no fim. Questionando a uma pessoa ligada ao espiritismo por que motivo não fora visitar minha mãe que estava doente, ela respondeu: "estou sem tempo, sabe como é, sempre envolvida com o centro espírita." Independente de crenças, não deveríamos dar atenção para os vivos também?

Por isso, o Dia de Finados é um dia para refletirmos sobre nossas atitudes, reavaliar o que fizemos, a partir do legado das pessoas que se foram. Com isso, aprenderemos a viver melhor, a valorizar os vivos que estão ao nosso redor e também aprenderemos a morrer.

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Postado por Cassionei Niches Petry
2/11/2015 às 09h33

 
Um travesseiro nada confortável

(Resenha originalmente publicada em 2010.)

Quem lê minhas resenhas nesse espaço sabe que elas não são nem um pouco objetivas. Uso muito o "eu" porque leio realmente os livros e acho um desrespeito com o leitor ficar apenas reproduzindo o release da editora. Da mesma forma, acabo resenhando aquelas obras que me pegam pelo cangote e esfregam minha cara no chão, ou então me jogam de encontro a uma parede, de preferência bem áspera. A boa literatura não serve para nos deixar felizes. Ela deve nos incomodar, nos tirar da posição cômoda em que muitas vezes vivemos, da "catatonia integral" como diz uma canção do Gonzaguinha. O romance 2666, de Roberto Bolaño (Companhia das Letras, 856 páginas, tradução de Eduardo Brandão), nos faz justamente isso.

O escritor, nascido no Chile em 1953, viveu também no México e na Espanha. Começou a chamar a atenção em 1998, com um prêmio recebido para Os detetives selvagens. Depois de sua morte em 2003, provocada por uma doença hepática, passou a ser cultuado e suas obras alcançaram ainda mais reconhecimento da crítica, além da boa vendagem, inclusive nos EUA. Alguns já chamam esse fenômeno de "bolañomania". Foi durante a doença, sabendo que seu fim estava próximo, que Roberto Bolaño dedicou-se a escrever o que seriam cinco romances diferentes, com os quais queria amparar financeiramente a família por um tempo. Devido, porém, à unidade entre eles, o editor, em acordo com os familiares, os publicou num só volume. Essa decisão foi fundamental para a qualidade da obra.

Imagine uma pessoa atraída por teorias conspiratórias - e Bolaño adorava esse tipo de fabulação, segundo seu amigo, o escritor Rodrigo Fresán - se deparando, em uma livraria, com exemplares do livro 2666 expostos nas prateleiras. Seja na capa ou na grossa lombada, a cifra se destaca. O conspiracionista logo fará a ligação com o número da Besta, descrito no Apocalipse bíblico. No caso, é o mal multiplicado por dois. O numeral é um dos enigmas espalhados na obra do chileno Roberto Bolaño e aparece em dois outros romances, em Amuleto e no já citado Os detetives selvagens, num jogo intertextual típico do autor. Nesse último, a personagem Cesárea Tinajero, fala sobre "os tempos que se aproximam" e que a data seria por volta de "dois mil seiscentos e pouco". Esse paradoxo reforça a ideia apocalíptica de que o fim está próximo e, enquanto não chega, o mal toma conta do mundo.

No romance, esse mal se manifesta de várias formas, mas o autor não nos joga logo nesse inferno. Primeiro nos conquista, na primeira parte, com a história de quatro críticos europeus, três homens e uma mulher, de nacionalidades diferentes, especialistas na obra de um escritor alemão chamado Benno von Archimboldi. A busca pelo seu paradeiro - que é fio de Ariadne na estrutura labiríntica da obra - os leva para a cidade de Santa Tereza, na divisa do México com os EUA. Mas antes, na Inglaterra, dois deles espancam um taxista, por ele ter ofendido a mulher. Esse ato de violência e muitos outros que pontuam a narrativa são indícios das coisas ruins que estão por ser narradas. Tal qual Virgílio, conduzindo Dante na Divina Comédia, Bolaño pega o leitor pela mão e o leva, aos poucos, para o último círculo do inferno.

O mal aparece na última parte através dos relatos da Segunda Guerra, de cujas batalhas o escritor Archimboldi participara. Porém, o centro desse inferno são os assassinatos de centenas de mulheres cometidos na cidade de Santa Tereza, que na vida real corresponde a Ciudad Juárez. O caso verídico já havia sido retratado por Bolaño em uma de suas crônicas reunidas em Entre paréntesis (não publicado no Brasil ainda), onde consta também uma entrevista concedida à revista Playboy. Perguntado sobre como deveria ser o inferno, ele citou Ciudad Juárez, "nossa maldição e nosso espelho, o espelho sem sossego de nossas frustrações". Nesse pequeno cosmo, portanto, o autor quis mostrar como o ser humano pode destruir o mundo todo, seja agora ou no longínquo ano de 2666.

A monumental obra do escritor chileno, misto de metaliteratura, romance policial e ensaio, já é um dos romances capitais das letras latino-americanas, ao lado de O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquez e Sobre heróis e tumbas, de Ernesto Sabato, só para citar alguns. Usando das palavras de Almafitano, um dos personagens marcantes do romance, 2666 faz parte das "grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminho no desconhecido"; e Roberto Bolaño é um dos grandes mestres que "lutam contra aquilo, esse aquilo que atemoriza a todos nós, esse aquilo que acovarda e põe na defensiva, e há sangue e ferimentos mortais e fetidez." Na sua última entrevista, ele disse que "o livro é o melhor travesseiro que existe". Nesse caso, felizmente, é um travesseiro nada confortável.

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Postado por Cassionei Niches Petry
1/11/2015 às 16h38

 
No final do telejornal tinha um poeta...

(Texto publicado originalmente em 2012)

Nos primeiros dias das minhas aulas de literatura, trabalho com os alunos a leitura e interpretação de um poema de Carlos Drummond de Andrade, o "Cota Zero", publicado no seu primeiro livro. Lembro a eles a importância desse poeta, o maior da nossa literatura, o que é comprovado pelo espaço que lhe foi dado no Jornal Nacional quando do seu falecimento em 1987. O burocrático programa, bem diferente do que é hoje, não foi encerrado com o famoso "boa noite" de Cid Moreira, mas com uma declamação do poema "José", na voz peculiar do então âncora do telejornal.

A obra do autor dos versos "No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho" está sendo reeditada pela Companhia das Letras. Vamos nos deter em dois de seus livros de poemas.

A rosa do povo, de 1945, é um livro de temática social bastante acentuada, sem ser, no entanto, panfletário. Escrito durante a Segunda Grande Guerra, expressa as angústias do homem e a posição do poeta frente aos problemas do mundo: "O mundo não acabou, pois que entre as ruínas/outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora". Em "Consideração do poema", que abre o livro, o eu lírico (a voz do texto poético, o equivalente ao narrador na prosa) diz que seu canto quer atingir as pessoas comuns ("Tal uma lâmina,/o povo, meu poema te atravessa"), não os eruditos, como expressado em "Carta a Stalingrado" ("A poesia fugiu dos livros e está agora nos jornais"). O livro aborda um tempo em que os homens se dividiam em ideologias ("Este é tempo de partido/tempo de homens partidos"), numa possível crítica à ditadura de Vargas e ao nazifascismo da época. No entanto, não são apenas as inquietações sociais que são abordadas, mas também, como lembra Francisco Ashcar, há outros temas presentes no livro, assim como em toda a obra de Drummond: a existência e a própria poesia.

Claro enigma, de 1951, deixa de lado as preocupações com a atualidade vistas em A rosa do povo. "O poeta cruza os braços", escreveu Salviano Santiago. Aqui, são as questões existenciais que prevalecem, principalmente as contradições inerentes ao humano, como bem denota o título. Seriam os enigmas da vida tão claros, mas não os percebemos, ou seriam as coisas simples da vida tão claras que se tornam enigmáticas? Aqui, o eu lírico reflete sobre o amor ("Que pode uma criatura senão/entre criaturas, amar?), sobre a culpa ("Não amei bastante o meu semelhante/não catei o verme nem curei a sarna"), sobre a morte ("As paredes/que viram morrer os homens, /... /que viram, reviram, viram/já não veem. Também morrem") e sobre o ser e o tempo ("enquanto o tempo, em suas formas breves /ou longas que sutil interpretavas/se evapora no fundo de teu ser?"). O que parece tão simples na nossa vida são mistérios que o poeta quer desvendar. A poesia, porém, mais pergunta do que responde. O eu lírico somente questiona. Cabe ao leitor a resposta, se a tiver.

Dois livros aparentemente tão contraditórios mostram um poeta insatisfeito, inquieto — não por acaso um ensaio do crítico Antonio Candido sobre o poeta de Itabira chama-se "As Inquietudes da Poesia de Drummond". São, por isso mesmo, um convite para conhecer a obra poética do autor, convite impresso numa das estrofes de "Procura da poesia", com um alerta, no entanto, de que a chave para a interpretação está com quem lê: "Chega mais perto e contempla as palavras./Cada uma/tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta,/pobre ou terrível, que lhe deres:/Trouxeste a chave?"

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Postado por Cassionei Niches Petry
31/10/2015 às 09h18

 
Impacto no escuro

(Resenha originalmente publicada em janeiro de 2010.)

A escolha do ponto de vista é muito importante para o desenvolvimento de qualquer narrativa, seja um filme ou uma história em quadrinhos, por exemplo. Nas narrativas literárias muito mais ainda, pois pode revelar ou esconder fatos, instigando o leitor e, principalmente, prendendo-o até a última página. Em Dom Casmurro, um dos mais importantes romances da literatura brasileira, Machado de Assis opta pelo narrador em 1ª pessoa, pois quem conta a história é Bentinho, o protagonista. Devido a isso, ficamos sabendo dos fatos só pelo ponto de vista dele e, consequentemente, não sabemos se Capitu realmente o traiu ou não com seu amigo Escobar, apesar de ele afirmar isso o tempo todo, inclusive achando seu filho idêntico ao outro. Não poderia estar imaginando coisas? É o conhecido "enigma de Capitu", que até hoje provoca debates nos meios literários.

Altair Martins escreveu A parede no escuro (Record, 253 páginas) para tentar entender os mecanismos do narrador, servindo até como base para sua dissertação de mestrado na UFRGS sobre o tema. Para tanto, utiliza vários pontos de vista ao contar a história de Adorno, padeiro que mora em uma cidade próxima de Porto Alegre, que é atropelado em uma manhã chuvosa. O acidente é só o ponto de encontro entre as vidas que vão se cruzar. Logo vem à mente do leitor com mais bagagem literária romances como Caminhos cruzados, de Érico Veríssimo. Mas a história do consagrado escritor é toda em 3ª pessoa, focando diferentes personagens e se espraiando em capítulos longos. O mais próximo do romance de Altair seria Enquanto agonizo, de Willian Faulkner, em que cada capítulo é narrado por uma personagem diferente. No romance de estreia de Altair Martins, os personagens contam os fatos na 1ª pessoa, porém as mudanças de narrativa ocorrem na mesma página de forma abrupta, requerendo um leitor atento às vozes de cada personagem, cada uma com características peculiares, tiques de falas ou repetições de determinadas expressões, relatando uma mesma cena em perspectivas diferentes.

Além da fatalidade ocorrida com o padeiro, outras questões humanas são abordadas na história. Sentimos as angústias religiosas de sua mulher, Onilda, sempre invocando a Jesus Cristo. A tentativa da filha, Maria do Céu, de se acostumar a viver fora de casa e encarar sua escolha sexual. Outros personagens acabam se cruzando, mas o mais importante é Emanuel, um típico professor de Ensino Médio em uma escola particular, vivendo os problemas da profissão, as relações conflituosas com seus alunos e os pais deles. Acompanhamos sua angústia por um ato grave que cometeu. Ele, que era tão preocupado pela ordem das coisas (tinha mania de arrumar tudo que estava fora de lugar), acaba tendo que se deparar com a culpa dostoievskiana pelo ato ilícito.

Não é um romance que facilita a leitura. Aliás, Altair Martins nunca quis ser um escritor fácil, como já demonstravam seus livros de contos Como se moesse ferro e Se choverem pássaros. Não fossem essas reflexões existenciais dos personagens, o romance se perderia no emaranhado das técnicas narrativas propostas pelo autor, pois a boa literatura não é apenas o trabalho elaborado da palavra, mas também uma reflexão sobre os dramas humanos. A sensação ao terminar a leitura? Parece que fui atropelado ou dei de cara em uma parede no escuro.

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Postado por Cassionei Niches Petry
29/10/2015 às 14h55

 
Leitura vertical

Um navio, que de tão monumental é batizado com um nome que lembra seres gigantes da mitologia grega. Um casal na proa, de braços abertos e os cabelos ao vento, tendo como fundo musical o som pegajoso de uma cantora com voz estridente. Na superfície do mar, um pedaço de gelo inofensivo. Mal sabem eles o que os aguarda sob as águas.

Se o leitor sabe do que estou falando, é porque fez uma leitura nas chamadas entrelinhas, ou seja, procurou dados para interpretar o texto nos elementos disponibilizados pelo autor e no conhecimento que já possui. Aprofundou-se um pouco mais na leitura, não lendo só o que está na superfície. Já o capitão do navio, justamente por ver apenas o que estava sobre as águas, talvez por estar despreparado para uma situação como aquela, acabou se dando mal, levando com ele dezenas de pessoas. Se tivesse mais conhecimentos ou tivesse mergulhado no mar para ver o tamanho real do perigo, a tragédia não teria acontecido.

Ernest Hemingway, autor de Adeus às armas, entre outras obras-primas da literatura, afirmou em uma entrevista que escreve a partir de um princípio que ficou conhecido mais tarde como a "Teoria do Iceberg": "Sempre existem sete oitavos dele sob a água, para cada parte que aparece. O que quer que se saiba, pode ser eliminado (...). É a parte que não aparece." Assim como ele, vários escritores deixam subtendidos os significados dos seus textos. O leitor, portanto, não deve realizar uma leitura superficial, mas sim uma leitura profunda, mergulhar realmente no texto. Em outras palavras, o olhar de quem aprecia uma obra literária dever ser vertical e não horizontal.

Outros mestres da literatura também abordaram o tema em entrevistas ou trabalhos teóricos. O escritor peruano Mario Vargas Llosa, por exemplo, ao comentar os procedimentos de Hemingway, chama aos silêncios significativos de um escritor de "dado escondido". São as informações que o autor suprime para despertar a imaginação do leitor, a fim de que ele "preencha aqueles brancos da história" com suas interpretações. De onde se conclui que há necessidade de um leitor mais participativo, mais ativo, sabedor de que não vai receber nada pronto, mastigado.

Claro que estou me referindo à literatura e não aos textos jornalísticos. As notícias têm como premissa informar, muitas vezes de forma rápida, pois o leitor sai de casa apressado para seu dia a dia, não sem antes dar uma lida também apressada no jornal preferido. Mesmo nesses textos, porém, podem aparecer dados escondidos, afinal quem os escreve, mesmo sem intenção, acaba deixando transparecer seus pontos de vista. Se um jornalista ao noticiar um conflito entrevista só um dos lados envolvidos, acabará revelando sua ideologia para um leitor mais atento.

As palavras também não devem ser desprezadas. Elas escondem em si vários significados, que devem ser considerados em uma leitura mais profunda. Se o escritor descreve uma casa onde há uma cruz na parede, ela pode não estar ali apenas como elemento decorativo. Há no simbolismo dessa palavra uma infinidade de interpretações que podem nos remeter à possível religiosidade da família, ao sofrimento de uma personagem, quem sabe um sentimento de culpa de outra ou pode até representar os caminhos cruzados. O leitor experimentado não deixa passar nada em branco e o escritor, esperto, sabe disso.

Os bons textos, portanto, não nos deixam passivos. Eles fazem com que nos debrucemos sobre as palavras, sugando o veneno ou o mel que elas podem oferecer, nos tirando da calmaria das ideias prontas e nos jogando nas águas turbulentas da reflexão. Pensando bem, é bom dar de cara com um iceberg de vez em quando.

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Postado por Cassionei Niches Petry
27/10/2015 às 13h46

 
Júlio Nogueira e o celular na sala de aula

Mais uma colaboração do Júlio Nogueira, professor de literatura aposentado, que mora numa chácara no interior de uma cidade do interior do RS, e que hoje apenas lê e escreve. O mestre me mandou esse e-mail depois de ler um comentário no facebook de um desses críticos da educação que não saem dos seus gabinetes. É sobre um "gif" dos Simpson, que também compartilhei nas redes sociais da internet:

"Sobre o descaso dos professores retrógrados como eu que não usam o celular como recurso 'pedagógico' em sala de aula, cabem algumas considerações:

1- Nem todos os alunos têm o aparelho, o que dificulta o trabalho uniforme e gera a exclusão.

2 - O acesso à internet ainda é precário nas escolas.

3 - Se o professor não consegue controlar o aluno que não faz as atividades (como uma simples leitura de um texto) por causa do celular, quem garante que ele utilizará o aparelho para a atividade proposta? Vale para tablet, notebook, etc.

4 - Nem todos os professores têm condições ou querem ter um aparelho moderno. Sou ultrapassado se quero ter um celular barato que apenas faz e recebe ligação?

5 - Vamos dar mais um passo para sermos escravizados por esse aparelhinho?

6 - Por que abandonar os livros? Ora, não adianta fazer de vez em quando o uso do celular como prática pedagógica. Quando não for utilizado, o aluno não vai largá-lo para ler um livro e continuaremos com o mesmo problema. Então, vamos aposentar os livros e os deixem apenas para velhos gagás como eu.

7 - Será que, para resolvermos todos os nossos problemas, precisamos sempre nos adaptar e mudar nosso comportamento? Por que o aluno não pode mudar o seu?

8 - Até quando quem pouco ou nunca pisou numa sala de aula do ensino básico (dar palestrinhas ou fazer projetinhos extraclasse vez ou outra não conta como experiência) vai ficar defecando na cabeça dos professores?

9 - Se os alunos são o reflexo de seus mestres, basta uma visita a uma sala de professores na hora do recreio e contar quantos estão lendo um livro e quantos estão nos seus celulares vendo e compartilhando besteiras para sabermos o nível em que estamos. Alguns ainda, felizmente, conversam entre si, mesmo que seja para falar sobre a imagem que compartilharam no celular.

10 - Ah!, mas isso é coisa de mentes ultrapassadas como a minha.

11 - Teria outras considerações a fazer, caro Cassionei, mas volto à minha releitura de Kafka.

12 - Metido a intelectual, esse cara, dirão alguns depois de ler esses itens, o que para muitos é um defeito. O certo hoje em dia é ser metido a imbecil."

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Postado por Cassionei Niches Petry
23/10/2015 às 13h19

 
Ainda sobre o outro

Escrevi na crônica anterior algo sobre não pensar no outro. No entanto, como escritor, estou sempre olhando, analisando e me pondo no lugar desse outro. A alteridade é importante para o escritor. Alteridade, palavrinha que me fez passar vergonha numa entrevista para entrar no mestrado em uma universidade federal.

Acredito que sempre somos o centro do mundo. O mundo gira a nosso redor sim. Mesmo quem pensa na coletividade, no bem comum, é solidário, na verdade é por uma satisfação pessoal. Sente-se melhor consigo mesmo quando vê a felicidade do outro. Não deixa de ser, portanto, individualista e egocêntrico.

Vejamos o sexo. É um ato individualista, mesmo que seja a dois, a três, a quatro, etc, e mesmo para aquele homem que fica se preocupando se a mulher vai gozar ou não. Ele o faz porque sente prazer em ver o prazer do outro.

Os políticos são individualistas (conte-me uma novidade, Cassionei!), mesmo aqueles que dizem pensar no bem comum. O caridoso também é individualista. Todos pensam somente em si. Quem me desculpem os que se dizem altruístas, mas não acredito no altruísmo.

Então, como ia dizendo, quando escrevo, olho para o outro. Sou um observador do outro. Analiso gestos, opiniões, atitudes, para assim ajudar a criar minhas personagens que, como vocês sabem, não surgem do nada. Há um pouco dos outros em cada personagem que invento, assim como há um pouco de mim. "Personagem", etimologicamente, significa "máscara". O escritor apenas mascara a realidade ou então tira as máscaras de quem as usa. Portanto, tomem cuidado comigo!

Toda vez que penso na palavra "outro", me vem à mente a novela O outro , da Rede Globo, e um poema do português Mário de Sá-Carneiro, que foi musicado pela Adriana Calcanhoto: "Eu não sou eu nem sou o outro,/Sou qualquer coisa de intermédio:/Pilar da ponte de tédio/Que vai de mim para o Outro."

A novela, escrita pelo Aguinaldo Silva, bebeu na fonte da boa literatura e do cinema que tratam do duplo, da possibilidade de haver um sósia de cada um de nós solto por aí, aprontando das suas e com o risco do original levar a culpa. O pior, ainda, é quando esse outro toma nosso lugar. O duplo , do Dostoiévski, William Wilson , do Poe e O homem duplicado , do Saramago, são algumas das obras literárias que trazem este tema.

Já o poema de Sá-Carneiro sugere aquele outro que gostaríamos de ser e não conseguimos. Aliás, na tentativa de ser outro, ficamos no meio termo, entramos em conflito com o outro eu, gritando no meio da ponte como na pintura de Edvard Munch, enquanto ignoramos os outros que estão atrás de nós, tentando nos ajudar ou nos prejudicar, depende da interpretação que se faz da pintura.

Ou seja, quando escrevo olho para os outros, porém, da mesma forma, para o outro que está dentro de mim.

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Postado por Cassionei Niches Petry
12/10/2015 às 10h53

 
Estrague sua vida que eu estrago a minha

Conheço pessoas que têm um aplicativo no celular que avisa onde há uma "blitz" policial. Não saem de nenhuma festa sem antes consultar o oráculo para poder fugir do bafômetro e de uma multa. Essas mesmas pessoas reclamam dos governantes, dos impostos, da crise, da violência, dos furtos. Inclusive têm medo de terem seus carros roubados. E, claro, esquecem que os bandidos também têm o mesmo aplicativo e que, por isso, também escapam da polícia depois de praticarem o roubo.

Conheço pessoas que, depois de ler este primeiro parágrafo, já estão tentando se desculpar, se justificar, vão tentar me atacar, achando que estão certos em burlar as leis. "Ora, bebo, mas não perco meus reflexos", "o limite de velocidade é muito baixo nas ruas da cidade", "não deixo meus documentos em dia porque os governantes só nos tiram dinheiro e sou apenas mais uma vítima da indústria da multa".

E o bandido, pergunto, também não seria vítima de algo, segundo os defensores do chamado "direitos humanos"? Não reclame, então, se te roubarem, afinal todos temos nossas razões, todos somos vítimas.

Por que estou escrevendo isso? Sei lá, estava pensando cá com minha xícara de café e meu cachimbo sem fumo: parei de beber justamente depois de começar a dirigir, pensando nas pessoas que estão comigo, nas pessoas que estão na rua, nas pessoas que estão em outros carros. Basta pensarmos no outro. O que eu faço tem consequência não só para mim. O problema é que só pensamos em nós mesmos, nos nossos prazeres, na nossa pretensa infalibilidade.

Minto. Penso em mim também. Na verdade, penso primeiro em mim. E só penso no outro que faz parte da minha vida. Como escreveu Luiz Felipe Pondé, no seu Guia politicamente incorreto da filosofia, "quando o 'outro' não cria problema, não há nenhum valor ético supremo em tolerá-lo." Que se dane o outro. Penso só no meu bem-estar. Se bebo, fico com meu estado mental alterado e não gosto disso. O pior é a ressaca do outro dia e, com ressaca, não consigo ler e escrever. E se não consigo ler e escrever eu não vivo. Sem literatura eu não vivo. A literatura é a minha cervejinha. Ela é que me embebeda.

Ah, mas é claro que bebi muito. É o que está louco para me dizer aquele que me conhece de carnavais passados, de boates todo o final de semana, do vinho ou do "samba" (mistura de cachaça e Coca-Cola) quase diário nas esquinas da vida. Costumo dizer: ainda bem que não existia facebook na minha adolescência. Postaria coisas de que estaria arrependido hoje.

Não estou julgando ninguém. Não tenho moral para isso. Critico, porém, quem julga os outros de forma hipócrita. Viva e arque com as consequências. Já dizia o ator Antônio Abujamra: "a vida é sua, estrague-a como quiser". Eu a estrago com a literatura. E com muito café também.

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Postado por Cassionei Niches Petry
11/10/2015 às 17h50

 
Saramago e a morte

Viemos a este mundo para nascer, crescer e morrer, certo? Talvez. Talvez? Bom, eu nasci, você nasceu, eu cresci, você cresceu. Mas eu vou morrer? Você vai morrer? Já disseram que a única coisa certa na nossa vida é que vamos morrer. Certa por quê? Porque outros morreram? Agora porque os outros passaram dessa para melhor (?) eu tenho que ir também?

Bom, não estou velho e nem no fim da vida para me preocupar com isso, muito menos uma inquietação filosófica me faz escrever este texto. O tema vem à tona por causa do último romance de José Saramago (ou melhor, do mais recente, porque ele não vai morrer agora) [Texto publicado originalmente em 2006.], As intermitências da morte (Companhia das Letras, 208p.). Imaginem, senhoras e senhores, se as pessoas deixassem de morrer. Quais as consequências? Imaginaram? Pois esse é o ponto de partida da história. O que vocês, simples mortais, imaginaram, porém, está longe do que a mente brilhante de Saramago pode criar, me desculpem. A capacidade criativa do autor português também nunca morre. Basta lembrar romances como Ensaio sobre a cegueira ou Jangada de pedra, e depois ler o atual, para entender por que ele é um dos maiores escritores contemporâneos e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1998.

A maioria dos críticos, no entanto, não pensa dessa forma, ou porque gostaria que ele escrevesse sempre obras-primas ou porque nunca gostou de nenhum dos seus livros. Nessa última categoria, estão os que admiram o também português António Lobo Antunes e não querem admirar ao mesmo tempo José Saramago, pois para eles o primeiro, autor de romances como Exortação aos crocodilos, era quem deveria ter recebido o Prêmio Nobel. Da mesma forma, a postura política de Saramago incomoda muitas pessoas, como se isso influenciasse na qualidade de um livro.

Voltemos ao romance, então.

A principal personagem é a própria morte. Por um simples capricho ela resolve que não vai mais "trabalhar" em um determinado país. As consequências são alarmantes. Nessa primeira parte, cabe de tudo um pouco do rol de temas do escritor português: há a discussão sobre a finitude do ser humano, a velhice, etc. Não poderia, da mesma forma, faltar o lado polêmico do autor, quando ele analisa as consequências políticas e, principalmente, religiosas que a ausência da morte acarretaria. Pouco foi comentado, porém - apesar de ser um tema que seguidamente está em pauta -, que o romance também trata da eutanásia. Não havendo morte, como ficariam os doentes em estado terminal? Vale lembrar que as mortes cessaram, mas não as doenças. A solução para esse impasse? Leia o romance.

Na segunda parte, a morte resolve voltar a atuar e escreve uma carta para uma emissora de TV, para que seja anunciado que, à meia-noite, tudo voltará ao normal e que todos aqueles que deveriam ter morrido naquele período, morrerão agora. Mais caos à vista, continuando a narrativa a flertar com o realismo mágico latino-americano. Ela anuncia também uma novidade: antes de morrer, cada pessoa receberá uma carta anunciando sua partida com 7 dias de antecedência, podendo assim resolver suas pendências no mundo dos vivos e se despedir dos familiares e amigos. Uma das cartas, no entanto, teima em voltar para a remetente. E é quando começa a terceira parte, a melhor do romance.

Num estilo mais poético, ao contrário do tom mais amargo e irônico do restante da história, a morte toma feições humanas, se transformando numa mulher, e vai ao encontro do destinatário da carta. Trata-se de um violoncelista, escolha acertada para poder contrapor a suavidade da música clássica com uma situação tão dura que é a morte. Pode surpreender os fãs acostumados com a acidez saramaguiana. O desfecho, no entanto, pode decepcionar um pouco, mas nada que tire o brilho do resto do romance.

As intermitências da morte faz parte do tipo de literatura que nos deixa inquietos, no faz refletir, acaba com nossas certezas. Devemos nos preocupar com a morte ou o que vem depois dela? Em vez de pensar somente nela, não deveríamos viver o tempo presente, aproveitando nossa vida na Terra? José Saramago nos mostra que a morte é, paradoxalmente, parte da vida e não passagem para outra. Ateu, acredita que as religiões se apoderam da ideia da morte para existirem. Certo ou não, se há outra vida depois dessa, espero que lá tenha romances tão bons como esse para ler.

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Postado por Cassionei Niches Petry
10/10/2015 às 14h28

 
Por trás das sombras

Ser invisível é uma arte, principalmente para quem escreve. O escritor pratica a literatura para tirar as pessoas da letargia, mas, muitas vezes, não encontra leitores que o leiam, tampouco vê suas ideias repercutirem. Por conseguinte, ele se fecha no seu mundo, tornando-se mais invisível ainda. Não é o caso de Paul Auster, escritor de renome, cuja obra sempre desperta interesse, seja através de comentários favoráveis, seja através de críticas severas. Seus livros não deixam ninguém indiferente.

Ele sentiu também, no início da carreira, a sensação de que ninguém o lia, como retratou em Da mão para a boca, sua autobiografia, e colocou um pouco disso no personagem do romance Invisível (Companhia das Letras, tradução de Rubens Figueiredo, 280 páginas). Adam Walker é um aspirante a escritor e tradutor de poetas franceses, assim como foi Auster. No início da narrativa, o vemos em Nova York, na primavera de 1967, mais precisamente na universidade de Columbia, onde estuda Literatura. Lá, encontra o professor francês Rudolf Born e sua namorada Margot. Ansioso por alavancar sua carreira, aceita a proposta de Born para criar uma revista literária bancada por este, não sem antes se envolver com sua mulher. É o inicio da caminhada, como denota seu nome (walker é andarilho, em inglês), em direção ao inferno pessoal. Assim como Dante, que tentou encontrar Beatriz no Inferno da Divina Comédia (aliás, Born é sobrenome de um poeta que aparece, na obra de Dante, segurando sua própria cabeça decepada ) ou Orfeu, que buscou Eurídice no mundo dos mortos, Walker não mede esforços para ser alguém.

Essa descida ao inferno é narrada em um manuscrito inacabado que chega, 40 anos depois, às mãos do escritor James Freeman, ex-colega de Adam na universidade. Nesse inferno, aparece o assassinato cometido por Born, que ficou impune. O episódio afastou Walker do professor e incutiu-lhe o desejo de lutar contra as injustiças, levando-o a estudar Direito ("Adeus, literatura. Bem-vinda a realidade sensível.") É doloroso para ele também lembrar o caso incestuoso com sua irmã, Gwin, aliás, um dos momentos mais bem escritos por Auster, ao descrever com sensibilidade a cena de sexo entre os dois. O relato autobiográfico é uma tentativa de prestar contas com esse passado e com ele próprio, pois pior do que ser invisível para os outros é ser invisível para si mesmo.

Os ingredientes costumeiros da literatura de Paul Auster estão mais uma vez no cardápio: personagens escritores, o acaso, Nova York, Paris e narrativas dentro de outra narrativas. O cinema, da mesma forma, marca presença (lembrando que Auster é roteirista e diretor também). As citações cinematográficas, além de contribuir para a interpretação das histórias, instigam o leitor a procurar apreciar as obras mencionadas. No caso de Invisível, o filme A palavra, de Carl Dreyer, assistido pelos irmãos num dado momento, é uma ótima sobremesa. Como na película de Dreyer, o romance de Paul Auster é um jogo de claro e escuro, pois deixa para o leitor a tarefa de procurar a luz e desvendar, através das sombras, o que está invisível no enredo.

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Postado por Cassionei Niches Petry
9/10/2015 às 14h50

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