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28/2/2016
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Entrevista com o diretor de cinema Rafael Saar
Campanha de financiamento coletivo tenta viabilizar o lançamento do documentário sobre Luli e Lucina

Em breve finalmente poderemos apreciar, em circuito comercial, a estreia de um dos documentários mais premiados do último ano, Yorimatã de Rafael Saar , que teve um currículo próspero em festivais - ganhador do prémio do júri e público do In-Edit Brasil - Festival de documentário musicais - e menção honrosa no Mix Brasil.
O filme aborda a história da dupla Luhli e Lucina gravada entre outros por Nara Leão, Nana Caymmi, Zélia Duncan e especialmente Ney Matogrosso intérprete de sucessos como O Vira, Bandoleiro e Fala.

A relação que era apenas de compositoras frutificou-se em dupla nas apresentações da carreira em que cantaram suas mais de 800 parcerias empunhando os violões e atabaques que aprenderam a manipular e construí-los no contato profundo e fecundo que mantiveram com o candomblé.
O que poderia ser tomado como incomum até agora toma ares ainda mais singulares quando a parceria profissional torna-se vital, no instante em que se transforma no casamento delas com o fotógrafo Luís Fernando Fonseca . Este, além do já dito, é o olho que capta as artistas no passado, quem registra o grande material que é apresentado ao longo do filme realizadas em Super 8, como também é responsável pela concepção visual dos shows da dupla. Neste ponto o talento de Rafael Saar como realizador do projeto se eleva, nos processos de pesquisa de imagens e na maneira de e dispô-las de modo equilibrado, sem que se apresentem repetitivas e cansativas para o público. Tarefa que alcança, apesar de alguns saltos um tanto mais bruscos no início no filme.
Aliás, Rafael foi pesquisador do filme Olho Nu de Joel Pizzini que de alguma maneira foi o precursor desse filme à medida que, a partir desse trabalho, conheceu as protagonistas deste longa-metragem.
Um dos grandes méritos do filme, presente também fortemente no roteiro, é mostrar que a luta travada por elas era apenas de ter o direito a ter uma carreira e um estilo de vida que estivesse de acordo com a música realizada por elas, em grande medida inclassificável. As imagens como não podiam deixar de ser em um bom filme, ressaltam essa música, que tinha total relação com o estilo mais alternativo que possuíam. Sem rótulos, assim como a ligação com a própria vivência estabelecida por elas e desfrutada claramente neste filme. Experiência entremeada de relatos da mistura da cultura e natureza - candomblé, orixás, matas, florestas, cachoeiras, palcos, filhos, perdas, conquistas - e, acima de tudo, vida.

Para que mais pessoas possam assistir esta produção e embarquem no sonho dessas personagens por liberdade e outros temas atuais até hoje como a diversidade, religião e constituição da família foi criada uma campanha de financiamento coletivo para facilitar a confecção de cópias, distribuição e criação de material gráfico para a divulgação do filme. A ação entrou na reta final e termina no dia 01 de março. Caso queira contribuir e ajudar essa equipe a atingir seu objetivo, clique aqui.

A seguir acompanhe a bate-papo bacana que o diretor teve com o blog.

Apesar de o filme apresentar vários elementos como a animação e vasto material de pesquisa, a direção me parece inequivocamente segura, mesmo se tratando do seu primeiro longa. Em que medida, realizar os seus curtas anteriores e ser assistente de direção de Olho Nu, do Joel Pizzini, por exemplo, colaborou neste processo?
Rafael Saar: Entendo que seja muito natural que um filme leve ao outro, embora bem distintos todos entre si, seja no processo, ou na ideia em si, todos tem um fio condutor em comum. Meus curtas-metragens foram feitos praticamente todos quando eu ainda estudava Cinema na UFF e são ficcionais ou experimentais, não tendo nenhum aspecto documental. O Joel Pizzini, cujos filmes foram objeto de estudo de meu projeto final, e com quem trabalhei por muitos anos no Olho Nu – entre 2008 e 2012 – foi quem me despertou para as possibilidades que eu poderia encontrar no documentário. E fazer este filme, com o Joel que é um realizador que me instiga demais, e o Ney Matogrosso, foi certamente uma experiência de muito aprendizado e influência em todos os meus trabalhos. O Yorimatã é um “derivado” do Olho Nu, no sentido em que eu mesmo conheci Luhli e Lucina através da pesquisa que fiz para o filme do Pizzini, e muitas das minhas opções estéticas tem relação direta com o que estávamos fazendo com o Ney. Dos curtas pude talvez reunir o que neles eram experiências e trazer para este primeiro filme, como no caso mais óbvio para mim do trabalho de voice over e poemas do Homem-ave que está também em Yorimatã.
Conte como foi a origem deste filme? Como surgiu a idéia? Ele está sendo realizado desde 2009?
Rafael Saar: Durante essa fase de pesquisa para o Olho Nu, onde eu estive como assistente de direção e pesquisador, conheci as músicas de Luhli e Lucina. Eu era o único pesquisador e decupei todo o material de arquivo do Ney, centenas de horas de entrevistas, conheci todas as suas gravações em discos, filmes, TVs, etc.. Elas estavam presentes com força na discografia do Ney Matogrosso e eu me questionava por que eu nunca tinha ouvido falar, assim como as pessoas em geral não conhecem. Até que procuramos Luhli em busca de mais materiais, além de entrevista-la e gravar um show, onde também estava Lucina. Ali comecei a conhecer um pouco da história delas. Em seguida gravei um show de Lucina e ela surgiu com 10 rolos super 8mm filmados pelo Luiz Fernando Borges da Fonseca (companheiro delas), que elas ainda nem tinham assistido e assistimos projetados em minha casa. Eram imagens muito emocionantes e feitas por um fotógrafo incrível que é o Luiz Fernando e decidimos ali, em 2009, começar essa ideia de um filme que surgiria naquelas imagens e na história que eu ainda iria conhecer.
Como foi todo o processo de realização? E esse processo para você?>
Rafael Saar:Entre 2009 e 2012, sem uma equipe fixa, eu fui colhendo materiais de arquivo com Luhli e Lucina, e fazendo filmagens pontuais, de apresentações, entrevistas, e em paralelo tentando a captação da verba para viabiliza-lo. Em 2012 tivemos o projeto contemplado no edital Riofilme/Canal Brasil e então pude ter uma equipe e concentrar o trabalho de pesquisa, filmagens, etc. Fiz este roteiro com a colaboração de Luhli e Lucina, e foi um processo intenso, de mergulho e pesquisa. Existe uma obsessão pessoal de ter que ver e conhecer tudo, e isso certamente se reflete no resultado do filme, na duração, na quantidade de informações e propriedade que posso falar sobre os temas.
Como foi a recepção de Luli e Lucina quando propôs o documentário?
Rafael Saar: Foi um processo que surgiu em conjunto entre nós. Apesar de elas estarem a princípio reticentes em relação à abordagem da vida pessoal, aos poucos foram entendendo a proposta e tive total liberdade para colocar no filme minhas escolhas. Eu queria fazer um filme com Luhli, com Lucina e não sobre elas, como em todos estes meus filmes com aspectos biográficos. Me interessava que elas estivessem participando de todo o processo.
E a recepção das outras pessoas que aparecem no filme?
Rafael Saar: Luhli e Lucina vivas, altamente produtivas e podendo contar seu ponto de vista sobre sua própria história me fez optar por um filme sem depoimentos. A trajetória delas como artistas independentes faz com que elas tenham uma rede enorme de parceiros, por isso o Antônio Adolfo diz isso, que é autoprodução o que fazem, porque estas opções deixam os artistas mais dependentes ainda de colaboradores. Desta forma pensamos nestes encontros com artistas que de alguma forma dialogavam com elas.
Queria algum depoimento, pessoa, imagem ou vídeo que se perdeu ou não encontrou?
Rafael Saar: As escolhas por caminhos artísticos alternativos fez com que a pesquisa de registros fosse bem mais difícil. Não havia praticamente imagens delas em acervos institucionais de TVs como a Rede Globo, Record, Band, a maioria estava disponível nas emissoras públicas (TV Brasil e TV Cultura) e muitas vezes com registros errados (Lully e Luciana, Lucinda...) A maior parte das imagens de arquivo do filme vem de registros independentes que conseguimos através delas ou da campanha online que fizemos, em que algumas pessoas enviaram fitas k7, VHS, fotos.
Alguns momentos como o lançamento delas como dupla com o “Flor Lilás” no Festival da Canção de 1972, a Globo não tem, assim como um videoclipe que fizeram com elas. Os registros de Lucina como cantora solo nos Festivais da Canção, suas apresentações nesta época no programa da Jovem Guarda também se perderam na Record, não conseguimos.
Como chegou ao roteiro ou argumento do filme?
Rafael Saar: Costumo trabalhar com roteiros muito abertos à criação nas filmagens. O roteiro de “Yorimatã” foi baseado num argumento que escrevi nesta colaboração com Luhli e Lucina, onde pensamos nas participações, músicas essenciais, temas que seriam abordados, locações, imagens de arquivo, e desta forma fomos adaptando no processo de filmagens até que na montagem o filme foi se mostrando. É um filme em que a montagem foi decisiva também para o roteiro.
Apesar da quantidade de imagens referentes a um passado distante, algumas apresentações recentes, feitas para o filme – presumo – são essenciais, como por exemplo, a bela imagem em que elas cantam acompanhadas do som de cristais. Como foi a concepção, produção e realização das imagens?
Rafael Saar: Eu conheci Luhli e Lucina de hoje, fazendo a música de hoje, cada uma com sua carreira, e foi a partir delas que fui conhecer o passado. O filme foi feito nesse caminho, das personagens hoje como referência, e isso foi um processo fundamental não só de valorização da arte que elas fazem, mas de entendimento do passado a que referimos. Esta cena, por exemplo, delas cantando “Ponto de Oxum”, com Décio Gioielli nas taças de cristal, atravessa os vários eixos do filme. É uma saudação a Oxum, a imagem é feita em cima de um cenário e fotos concebidos pelo Luiz Fernando, e que reproduzimos; o som foi pensado e mixado como na gravação original desta música no LP Yorimatã/Amor de Mulher, e trouxemos um parceiro de uma fase inteira da carreira da dupla que é o Décio.
Como foi assistir as gravações do Luiz Fernando? Assistiu com Luli e Lucina? Como foi esse processo para elas?
Rafael Saar : A primeira vez que assisti foi com Lucina em minha casa, projetamos na parede os super 8mm. Foi muito emocionante e logo ela deu de presente para a Luhli um DVD com a digitalização que fizemos. Uma das vezes Lucina disse que assisti-la a fazia lembrar de uma pessoa diferente que ela tinha sido, e como isso era forte.
Mesmo Luiz Fernando estando morto qual é o papel ou participação dele no seu filme? Em relação aos registros realizados por ele...
Rafael Saar: O filme surge das imagens, do olhar do Luiz. Perseguimos esse olhar, nas fotos, super 8mm, 16mm, nos sons que ele gravava nos rolos magnéticos. Quando eu pensava nas cenas, eu pensava naquele olhar do Luiz, em como ele faria aquilo, e refilmamos muitas coisas reproduzindo exatamente os enquadramentos, texturas e cores que ele trazia. Por isso acho que as pessoas que o conheciam o sentem tão forte no filme, mesmo ele aparecendo pontualmente numa cena, que foi a única que encontramos.
Deixou alguma dessas imagens fora do filme? Algo que para você tinha qualidade, mas não tinha muita relação com o filme?
Rafael Saar: Nos caminhos da pesquisa encontramos muito material incrível, seja nas mais de 800 composições de Luhli e Lucina – no filme temos 75 músicas - ou nas dezenas de horas de vídeos e filmes. Shows inteiros que espero que estejam disponíveis de alguma forma. Fizemos um site para a dupla onde é possível escutar toda a discografia e com muitas músicas raras, e um canal no Youtube onde postamos vídeos do acervo. Também ficou de fora a maior parte dos encontros musicais que filmamos, com Ney Matogrosso, Joyce, Gilberto Gil, Tetê e Alzira, Décio Gioielli, Luiz Carlos Sá, isso esperamos disponibilizar em DVD.
Sobre as animações... Elas sempre fizeram parte do processo ou estavam na sua mente desde o início?
Rafael Saar: As animações vieram a princípio quando não tínhamos nenhuma imagem física do Luiz Fernando, e tendo um acervo enorme e maravilhoso, como forma de trazê-lo mais presente no filme. Assim pensamos nas sequências fotográficas que fizemos a partir de seus materiais, negativos, contatos e ampliações. O Daniel Sake fez esse trabalho lindo com diferentes técnicas, e uma das imagens mais fortes do filme, na minha opinião, é a animação que fizemos da primeira capa de disco da dupla a partir das fotos do Luiz Fernando com elas em silhueta nas dunas de Arraial do Cabo.
Qual a importância deste prêmio e do Festival In Edit Brasil para você?
Rafael Saar : Recebemos os prêmios de Melhor Filme pelo público e pelo júri. São muito especiais por serem os primeiros prêmios do filme e virem de um festival tão importante como o In-Edit, estando concorrendo com filmes tão incríveis. Claro que é um impulso importante para que o filme circule mais e para que eu continue fazendo cinema.
Tem alguma proposta para o filme sair em circuito comercial ou DVD?
Rafael Saar: Eu gostaria muito que o filme circulasse em circuito comercial. Infelizmente ainda não conseguimos nenhuma distribuidora que se interessasse pelo filme. Conseguir o financiamento para produção de um filme como este é uma guerra, a distribuição/exibição de filmes documentários não faz parte de das políticas públicas nacionais que curiosamente protegem e financiam o cinema de mercado. Em DVD temos expectativa de fazê-lo em parceria com nosso coprodutor, Canal Brasil.
Assisti duas exibições do seu filme no In Edit Brasil. Em ambas foi muito bem recebido por parte do público, inclusive com aplausos demorados. Causou uma espécie de comoção no público, assim como em parte do júri que estava presente na primeira sessão que acompanhei. Como sente essa reação do público – e crítica - ao seu filme?
Rafael Saar: A sessão que pude acompanhar no In-Edit, na Cinemateca, foi surpreendente, pois foi uma das poucas em que parecia que o som estava perfeito, como foi pensado, e isso é fundamental para entrar no filme. As reações são muito lindas e emocionantes, a fala principal é “Como eu não as conhecia?” Pessoas que nunca ouviram falar e saem completamente envolvidas com a emoção, e isso é a maior resposta que eu poderia ter. Acredito também que o momento político em que estamos vivendo, de retrocessos gravíssimos e das pessoas em geral estarem muito mais caretas, um filme que mostra estas mulheres fazendo o que querem, livres... A instigação final de Lucina “Quero ver quem tem coragem...” Isso é forte.
Finalizando, fale-me sobre os seus projetos futuros. Sei que está fazendo um documentário sobre a Baby do Brasil. Pode nos falar sobre?
Rafael Saar: Atualmente estou me dedicando a alguns projetos também ligados a músicos e cinema. Acabei de filmar o Peixe, um filme híbrido documentário e ficção a partir da obra do Luís Capucho, um artista maravilhoso que vive Niterói. Este filme está bem diferente do que tenho feito, pois parece que neste momento espera-se um filme musical, e o Peixe apesar de também ser musical, é um filme que dialoga profundamente com o trabalho de autobiografia ficcional do Capucho. Continuo com o Apopcalipse segundo Baby, filme que comecei há tanto tempo, em 2008, mas que estou fazendo com a Baby do Brasil sem pressa e por enquanto sem nenhum financiamento, o que acabou travando um pouco o processo. Sendo a Baby uma grande popstar (e popstora) o projeto torna-se muito caro se tomarmos como princípio somente os direitos para uso das músicas e imagens de arquivo. Acredito que o fato de Baby ser evangélica dificulte um pouco o processo de conseguir o financiamento, pois existe uma questão de preconceito muito forte que envolve talvez o medo de ser um filme panfletário sobre alguma religião, o que obviamente não será. Continuarei tentando. E também começando um projeto novo sobre a cantora Maria Alcina, mas ainda estamos muito no princípio...
Acompanhem o primeiro teaser do filme:
Aqui o outro teaser:
Mauro Henrique Santos.
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Postado por Sobre as Artes, por Mauro Henrique
28/2/2016 às 19h39
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Cromos
Se o dia-a-dia é em pastel
Nos sonhos a existência é em acrílico
- Pra que?
Pra que não trombrem na escuridão
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Postado por Metáforas do Zé
28/2/2016 às 18h08
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O que te disse o seu orientador?
Os doze trabalhos de hércules, o pesquisador
Hércules é um dos habitantes da cidade Universitária de Atenas. Ele é metade mortal e metade-aspirante à PH-Deus . Vive rodeado por PH-Deuses e imerso em problemas, de pesquisa. Ele é orientado por Zeus, o Deus dos Deuses, mas quem o orienta mesmo é Quíron, seu co-orientador, uma vez que Zeus vive em seus congressos no olimpo e (para sorte de Hércules) nunca aparece. Quíron é um centauro, mas para Hércules ele é um centauro. Junto com Jazão, Narciso, Aquiles e Orfeu, Hércules vive inúmeras aventuras em direção ao título de PH-Deus. Há quem diga que só Hércules tem condições de chegar à PH-Deus, isso, é claro, se ele sobreviver aos seus 12 trabalhos como doutorando.
Acompanhe a tira cômica do herói toda semana!
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Postado por Blog de Alex Caldas
28/2/2016 às 15h25
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Pedalando sem meu pai
A "descoberta" me caiu como um raio sobre a cabeça, enquanto pedalava pela ciclovia da Lagoa. Explico-me. Vinha distraída, admirando a paisagem, enquanto pensava na reportagem que tinha acabado de ler sobre um grupo de voluntários que dão aulas no Aterro do Flamengo a crianças e adultos que queiram aprender a andar de bicicleta. Escola Bike Angel é o nome do grupo, que já atua aqui no Rio há mais de um ano. O que mais me chamou a atenção na reportagem foi o fato de haver adultos interessados nessas aulas.

Como assim, adultos? Sempre associei o ato de aprender a andar de bicicleta à fase da infância - quando nos expomos a essas coisas maravilhosas que, uma vez aprendidas, jamais esquecemos na vida - como ler, escrever e assoviar. Pedalar bicicleta, para mim, fazia parte deste curriculum natural na vida de qualquer criança.
Não foi preciso muito tempo para que eu me desse conta da absurda ingenuidade desta ideia. É claro que nem todas as crianças do mundo tem acesso a uma bicicleta, menos ainda as de gerações passadas. Por que razão eu nunca havia pensado na necessidade de um adulto ter aulas para aprender a andar de bicicleta?
Enquanto pedalava, meus pensamentos voaram ao passado. Onde é que eu estava quando andei de bicicleta pela primeira vez? Quem foi que estava ao meu lado naquele momento mágico de equilíbrio e coragem que me libertou para sempre daquelas rodinhas de trás?

Eu me vi então na calçada da rua tranquila de um Leblon que já não existe, onde vivi toda a infância. A muito custo me equilibrava naquela Merck Suisse cor de vinho, que me parecia enorme. De repente, senti um empurrão no assento da minha bicicleta, que foi jogada à frente aos solavancos. Lá de trás, pude ouvir a voz de meu pai, segura e confiante: "Pode ir, vai!" O guidón tremilicou de um lado para o outro, mas logo consegui dominar a bicicleta e deslizei, livre e feliz, pelos cinco metros mais gloriosos da minha vida até então. Lembro bem do sorriso orgulhoso do meu pai, quando desmontei da bicicleta e me virei para trás para me certificar de que ele ainda estava lá. A primeira pedalada sem rodinhas ninguém esquece!
Somente agora, depois de todos esses anos vividos, de repente me dei conta do óbvio. Aquele que me deu o empurrão necessário, transmitindo-me confiança para que eu fosse capaz de me equilibrar sobre duas rodas... nunca aprendeu, ele mesmo, a andar de bicicleta na vida! Uma constatação ao mesmo tempo clara e surpreendente para mim.
Foi esta a "descoberta" inesperada que se abateu como um raio sobre a minha cabeça, a que me referi no início do texto. Por mais que eu revirasse as gavetas da memória, não consegui encontrar nenhuma lembrança de meu pai pedalando. Nenhuma foto, nenhum fragmento de história contada. Nada.
De família humilde, meu pai não teve a sorte de ganhar uma bicicleta na infância. Já adulto e crescido, poderia perfeitamente ter aprendido a andar de bicicleta e recuperado o tempo perdido. Mas talvez não tivesse mais vontade - ou coragem - para pedalar sem rodinhas.
Se ainda estivesse vivo, hoje meu pai faria 95 anos de idade. Neste dia do seu aniversário, deixo aqui um pensamento de gratidão ao meu professor de bicicleta - aquele que jamais soube andar em uma.
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Postado por Blog da Monipin
28/2/2016 às 10h03
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A gota que salva
De volta as clepsidras
Abaixo os digitais
A velha régua d'água
Real medida do tempo
Assim como se dilui a palavra
e se forma o pensamento
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Postado por Metáforas do Zé
28/2/2016 às 08h26
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Os olhos de Ingrid Bergman

“Você me despreza?”, pergunta Ugarte (Peter Lorre) a Rick (Humphrey Bogart). “Se ao menos pensasse em você, provavelmente, desprezaria”. Em outro momento, um oficial alemão pergunta a Bogart: “Qual a sua nacionalidade?”. “Eu sou um bêbado”. O mesmo oficial ainda comenta com Rick: “quer dizer que você não simpatiza com a raposa?” Eles estão em Casablanca, África, no Marrocos francês. Rick é dono do lugar mais badalado da cidade, o Rick's Café Américain. Taciturno, temido, cioso de seu negócio, foi obrigado a fugir de Paris quando os alemães tomaram a capital francesa logo no início da II Guerra Mundial. Fugindo de Paris, deixou para trás Ilsa Lund, ninguém menos que Ingrid Bergman, cuja beleza em Casablanca atinge a plenitude. Portanto, ele não tem motivo para simpatizar com a raposa, o III Reich. “Não em particular”, responde ao oficial alemão. “Entendo o ponto-de-vista dos cães também”. Rick tem apenas 37 anos.

E assim o filme vai contando a história dessas pessoas ancoradas como ilhas, sem ter como fugir dali, sequiosas de encontrar a liberdade e tomar um avião para Lisboa, numa rota que significa a possibilidade de fugir da Europa e seguir para a América, bem distante da guerra. O único lugar onde todos querem estar à noite é o bar do Rick. É lá que ele reencontrará Ilsa. A cena é clássica. Os dois ainda não se viram. Ela aproxima-se de Sam (Dooley Wilson) e pergunta por Rick. Sam sabe que essa mulher é uma nuvem repleta de raios na vida do patrão e, por isso, pede a ela que vá embora. Ela o ignora. “Toque 'As time goes by', Sam”. É a música dos dois, Rick & Ilsa, ou Bogart & Bergman, longe do repertório do pianista desde a fuga de Paris. Com a canção timidamente tocada por Sam, a câmera focaliza os olhos de Ilsa, e há uma tristeza profunda ali, como quem não compreende as peças que a vida prega. É um dos momentos mais bonitos da história do cinema. Os olhos de Ingrid Bergman. A canção é triste como esses olhos, e eis que chega Rick, colérico por Sam estar tocando essa música proibida e, então, ele vê Ilsa.
E é só o começo de Casablanca.
Ilustração de Helton Souto
Texto publicado originalmente no site tertúlia. Aqui: tertúlia .
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Postado por Blog de Renato Alessandro dos Santos
27/2/2016 às 16h16
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O cantador
Eu queria mesmo era ser cantador,
fazer verso de improviso pra dar banho
de poesia em Doutor de Universidade.
Eu queria mesmo era ser cantador:
navegar nas pedras do rio seco,
me enrolar na rede do dia,
construir no açude o mar sonhado.
Eu queria mesmo é fazer poesia,
longe do livro de Sociologia
e conhecer o sertão dos ancestrais
sem as soluções da aula de Economia.
Eu queria saber escrever folheto,
versejar o ferro que virou brasa,
cinza que virou pavão,
onça pintada voando no céu, e eu,
fazendo emboscada com as armas
do verso nas rimas do cordel.
Eu queria mesmo era ser poeta,
com meu verso cantado na praça.
Mas, ah! essa cultura importada de cidade grande
sem pedir licença entra na minha casa
nos fins de semana, anunciado best-sellers
naqueles jornais vazios, vazios
de ideias e imaginação.
Eu queria mesmo era ser cantador:
cantar o grilo que virou onça,
a gralha que virou pavão,
fogo transformado em ave,
papagaio cantando no poleiro do céu.
E eu, depois, fazendo emboscada
com a lâmina dos versos no ritmo
do cordel.
(Do livro 50 poemas escolhidos pelo autor)
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Postado por Blog da Mirian
27/2/2016 às 11h12
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A retomada do inimigo
Perdida a visão Orelhas eretas Flexíveis antenas
Vergam-se tão somente às vibrações,
como o cão, ante o eterno inesperado
Sentidos circunscritos à audição e ao faro
A partir de então
percebo tão apenas o inonimado
"Enquanto a caravana passa, os cães ladram"
P.S.Nesta citação, final, a epígrafe que virou epílogo.
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Postado por Metáforas do Zé
27/2/2016 às 09h32
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Último Lançamento
Livro de Crônicas de Nacib Hetti, clique aqui para ser redirecionado.
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Postado por Blog Ophicina de Arte & Prosa
26/2/2016 às 16h43
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O fenômeno Trump: uma abordagem Gaussiana
Vamos supor que o quociente de inteligência tenha uma distribuição normal. Então 68% das pessoas têm inteligência "comum", entre mais e menos um desvio padrão de distância da média. É razoável supor que os que estão fora do padrão são néscios para efeito de análise política. Verdade que não há qq relação científica entre QI mensurável e inteligência; mas podemos manter a hipótese simplificadora de que ⅓ dos indivíduos tem compreensão dos fatos fora do comum.
Também é fato que em campeonatos de xadrez ou vestibulares competitivos o quimérico QI alto é uma vantagem; mas em muitos casos a inteligência supostamente superior é uma esperteza ou habilidade muito especializada que conduz o sextil superior a sofismas e falhas de avaliação quase indistinguíveis daquelas do sextil inferior. Então vamos corrigir nossa estimativa anterior, e dizer que a fração de néscios numa população corresponde a ¼, o sextil inferior mais a metade do sextil superior.
Também podemos supor que 68% da população apresentam um quociente emocional "normal", entre a média menos 1 desvio padrão e a média mais 1 desvio padrão, embora a medida do QE seja ainda mais impossível. O sextil inferior tem pouca empatia; são os malvados. O sextil superior tem muita empatia; às vezes em excesso, os que lhes imbui de mais afeição pelo calhorda do que pelo inocente, e assim os aproxima politicamente do 1o grupo. Analogamente ao caso anterior, vamos considerar a grosso modo, para efeito de análise política, que ¼ do eleitorado é nefando.
Juntos, néscios e nefandos formam uma fração entre ¼ e ½ da população. Não há motivo para supor correlação total, positiva ou negativa, entre as funções indicadoras das 2 categorias, portanto uma estimativa mais razoável a priori seria em torno de 40%, que corresponde à hipótese simplificadora de independência aproximada entre estupidez e má fé. É para dividir esses votos que os políticos decentes e racionais devem fazer apelos ocasionais à trapaça e à irracionalidade. Seja como for, quando no curso dos acontecimentos humanos os néscios se unem aos nefandos, eles podem bem conseguir eleger um presidente, ou ao menos colocar seu candidato de coalização no 2o turno.
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Postado por O Blog do Pait
26/2/2016 às 11h53
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