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Quarta-feira, 23/5/2018
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Publicando no Observatório de Alberto Dines

Na minha época de colunista independente, antes do Digestivo, fui publicado, muitas vezes, pelo Observatório da Imprensa e, hoje, agradeço ao Alberto Dines.

Eu era um simples estudante recém-formado de Engenharia, que tentava emplacar meus textos (antes dos blogs e das redes sociais) - e o Observatório nunca quis saber se eu era jornalista ou se conhecia alguém na redação.

A única exigência era que o assunto fosse mídia. Como eu não tinha compromisso com ninguém (eu não era da área) e não fazia média, acabei me metendo em, pelo menos, duas polêmicas involuntárias.

Uma foi com o Jô Soares, à qual ele nunca me respondeu. Ele havia acabado de lançar seu segundo romance, ruim pra chuchu, mas, como toda a mídia dependia do programa dele, muito cotado naquela época, para fazer divulgação, ninguém tinha coragem para dizer que o rei estava nu.

Ao contrário da maioria dos resenhistas, que era só elogios, eu resolvi *ler* o romance, e era uma porcaria. Escrevi meu texto com trechos do livro, exemplificando. E minha tese era a de que todo mundo dependia do seu beneplácito, então ninguém tinha peito para lhe falar a verdade.

O texto foi parar na versão impressa do Observatório da Imprensa e mudaram o título para “O Gordo Intocável”. Eu nunca chamaria ele de “gordo”, mas tudo bem. Meu título era: “Quem tem medo do Jô Soares?” (está no Google).

O fato é que tempos depois, um jornalista inglês da BBC quis me entrevistar. E, mais tarde, eu descobri, por um amigo que foi trabalhar na mesma BBC, que, entre as “fontes” sobre Jô Soares, em todo o Brasil, eu era a única “contra”.

Meu amigo me deu essa informação aos risos. Anos depois, no auge do Digestivo, alguns Colunistas achavam que eu deveria “ir ao Jô Soares”, para falar do site. Achei que seria uma hipocrisia. E o programa acabou decaindo (para a minha sorte)...

A outra polêmica foi com o Ruy Castro. Mas essa não me impediu de conhecê-lo. E de ter um contato amigável com ele.

Foi uma vez em que o Ruy escreveu um artigo no Estadão criticando o rock’n’roll. E eu escrevi outro, em resposta ao dele: “Ruy Castro e a Mistificação do Rock” (tem no Google também).

Saiu no Observatório da Imprensa. Eu, obviamente, não conhecia o Ruy Castro. Só o admirava pelos livros.

Pois bem: o Observatório levou meu artigo a sério e ligou para o Ruy Castro - mas ele “não quis comentar”.

Hoje, conhecendo o humor dele, deve ter pensado: “Quem é esse desconhecido, que tem a cara de pau de me criticar, é publicado pelo Observatório, e ainda me pedem comentário?”.

Anos mais tarde, numa Bienal, em que fui encontrar o Sérgio Augusto, que já me lia, acabei sendo apresentado para o Ruy Castro e dei meu cartão a ele, que ficou olhando meu nome impresso, sem emitir nenhum som. Tentando quebrar o gelo, perguntei se a letra estava muito pequena - ao que ele me respondeu, com voz grave e séria: “Não, está, não. Eu enxergo muito bem!”.

Depois soube que ele indicava o Digestivo para amigos. Acabamos trocando e-mails. Conversando por telefone e pessoalmente. Já o entrevistei, mais de uma vez. E ele me manda seus livros - o que eu considero um privilégio.

Mas nunca comentamos sobre aquele meu texto no Observatório da Imprensa...

A ideia do Alberto de Dines, de fiscalizar a mídia, e principalmente os “jornalões”, rendeu uma certa notoriedade aos meus escritos, e algumas reações divertidas, como as de cima.

Além de toda a importância do Dines para a jornalismo do Brasil, ele tinha essa abertura para novas vozes - algo que não é o comum nesse meio, de indicações e de amigos de amigos.

Numa era de profusão das fake news, o slogan de “nunca mais ler jornal do mesmo jeito” soa quase ingênuo. Mas foi importante naquele momento. E, como outsider, consegui participar do O.I. e até me divertir. Descanse em paz, Alberto Dines.

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Postado por Julio Daio Bløg
23/5/2018 às 14h15

 
Tom Wolfe

Tom Wolfe era um daqueles jornalistas “maior que o jornalismo”. *Ele* era o assunto - tanto quanto o assunto sobre o qual escrevia...

Embora a comparação não seja justa - e nenhum dos dois talvez concorde -, eu o aproximo do Paulo Francis. Ambos escrevendo num estilo “apimentado”; ambos personalidades transbordantes; ambos com grande presência cênica; e ambos se metendo em polêmicas e criando inimizades “para a vida inteira”...

Leio que Plauto, o comediógrafo romano, quando escrevia uma peça, tinha de competir com toda a sorte de “atrações”, inclusive gladiadores... E como chamar a atenção do público senão exagerando bastante?

Foi o que a New Yorker escreveu sobre Tom Wolfe. Como competir com os anos 60, a música, as revoluções, a televisão... Como - sem carregar nas tintas?

Repare que o mesmo vale para Paulo Francis, que “apareceu” criticando teatro, apanhando do marido da Tônia Carrero, depois criticando Carlos Lacerda na televisão, sendo preso pela Ditadura, se auto-exilando em Nova York, metendo o pau no Brasil, acabando processado, e talvez morto, pela Petrobras...

Nelson Rodrigues, outro “exagerado” - com estilo apimentado, presença cênica, polêmicas e inimizades também -, repetia que o que é dito apenas uma vez, permanece inédito. Era uma flor de obsessão. E tinha lá as suas razões...

A diferença entre Francis e Wolfe é que o último conseguiu nos deixar mais livros, diria Piza. Francis tinha um grande efeito imediato; mas dialogava mal com a posteridade.

A crítica de Wolfe deve ficar. Não é preciso nem ler os livros para saber do que se trata - os títulos falam por si (mesmo em nossa língua): “Da Bauhaus ao nosso caos”; “A Palavra Pintada”; “Fogueira das Vaidades”...

Ele tentou ficar sério com os romances. Ou ser levando a sério. Ou ambos. Mas já era tarde demais...

Norman Mailer - um desafeto - explicou que algumas características o romancista só adquiria na juventude. Wolfe começou tarde. O Wolfe romancista, portanto, não merecia atenção...

Seja como for, a descrição da recepção oferecida aos Panteras Negras, por Leonard Bernstein, em “Radical Chique”, nunca mais saiu da minha cabeça - a ponto de eu não conseguir mais encarar Bernstein sem pensar no “Lenny” de Wolfe...

Lendo “Ficar ou não ficar”, aprendi a repetir vogais, e pontos de exclamação e interrogação, sempre em número ímpar. Fora outros truques que me ajudaram, mas que, com o tempo, eu abandonei, procurando um estilo mais sóbrio...

Sempre penso que os autores da antiguidade - os que nos chegaram - não abusavam dos pontos de exclamação, dos itálicos, das maiúsculas, nem das onomatopéias...

Ao mesmo tempo, conheci tanta gente que foi “mexer” com jornalismo por causa do Paulo Francis. (Eu, inclusive.)

Às vezes, falta uma personalidade. (Olha a nossa política...)

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Postado por Julio Daio Bløg
16/5/2018 às 09h57

 
Que comece o espetáculo!

Eu tinha 6 anos quando os meus pais me levaram ao cinema pela primeira vez. O ano era 1997 e o filme era Titanic, não era um filme muito atraente para uma criança, mas ver as coisas acontecendo, ali na tela grande, me garantiram duas coisas: eu não viveria sem cinema e o Leonardo DiCaprio é um ator sensacional! Depois disso foram vários filmes, entre live action e animações, que foram formando minha bagagem cultural, que é bem eclética. O colegial foi uma época importante, estudava perto do cinema e uma vez ou outra eu conseguia ver os lançamentos da semana, além de pagar meia, conseguia aproveitar as promoções.

Já era agosto de 2011, quando em meio a uma daquelas minhas aventuras de ir ao cinema sozinho, para a primeira sessão do dia, onde encontrava uma sala com poucas pessoas, me surgiu a ideia de escrever sobre o que assistia naqueles dias. O filme era Planeta dos Macacos – A Origem, no já extinto portal Frequência Global, depois disso sempre tentei passar as minhas experiências de cada sessão, foram inúmeros filmes, sempre aprendendo como escrever e atrair o público para aquele universo que tanto me chamava. Depois disso vieram alguns outros portais e blogs, nos quais aprendi ainda mais, por meio de cabines de imprensa e coletivas.

Certa vez li em ‘Cinema ou sardinha’, de Guillermo Cabrera Infante, um texto que traz como título “Por quem os filmes dobram”, onde ele conta como o cinema se modifica em prol de seus espectadores, com legendas e dublagem fazendo cada película ultrapassar fronteiras políticas e culturais. Ele termina o texto dizendo que é por esses espectadores que os filmes dobram, vez ou outra me pego pensando nisso e percebo mais uma vez como o cinema pode ser grandioso, então esqueço o cansado causado pela correria do dia a dia e parte em busca de mais uma aventura na tela mágica.

Então começo mais um projeto, em busca de compartilhar minhas experiências e inspirar as pessoas a fazerem o mesmo, como acontece comigo quando leio análises de críticos que admiro. Espero que todos tenham uma boa leitura e em seguida uma extraordinárias sessões!

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Postado por A Lanterna Mágica
14/5/2018 às 14h51

 
A alforja de minha mãe

Para Norma, Feliciano, Leslie, Julie e Susie

Carregando, sem mágoas,
coisas que o mundo exige do feminino,
a alforja de minha mãe acalenta o fôlego da vida.
Às dobras do tempo, a alforja de minha mãe
traz numa oração a fé que suportou dias de penúria
quando a sobrevivência movia as mãos
que fizeram na medida certa
o redondo dos docinhos.

Tal um ninho de dádivas, a alforja de minha mãe
até hoje alegra os dedos que costuravam roupas.
E guarda agulhas que cerziram o vestido roto
e os casaquinhos das crianças.

Berço acolhedor, a alforja de minha mãe
embalou com bons augúrios o remédio dos filhos.
Seguindo a magia dos ritos, a alforja de minha mãe
preserva o fogo sagrado que no dia a dia cozinhava
nosso alimento. E até hoje amadurece o abacate
para a refeição do pai.

Em meio ao trabalho, esse abrigo
se dispõe ao plantio das gérberas do jardim.
Aos percalços da vida, essa alforja
nunca se esvaziou do afeto por todos nós.
Com carinho, olha o retrato dos amigos
e registra palavras ouvidas na infância.

Na alforja de minha mãe,
há também espaços reservados à esperança.
Do lado do coração, acolhe a América Latina
onde nascemos à espera de algo
que ainda não aconteceu.

Assumindo-se útero e oferenda,
a alforja de minha mãe
guarda o ovo do quetzal azul e branco
que um dia nos anunciará
igualdade e liberdade
para todas as etnias.

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Postado por Blog da Mirian
12/5/2018 às 18h27

 
Filosofia no colégio

Fiz uma leitura do artigo EFEITOS DA INSERÇÃO DAS DISCIPLINAS DE FILOSOFIA E SOCIOLOGIA NO ENSINO MÉDIO SOBRE O DESEMPENHO ESCOLAR
de Thais Waideman Niquito e Adolfo Sachsida, abril 2018. Um parecer de revisor seguiria as seguintes linhas.

O artigo apresenta 2 modelos lineares, as equações (1) e (2). Não fica claro qual dos modelos é usado, se algum deles. A modelagem consistiria em calcular valores dos parâmetros beta ou alpha, mas os parâmetros só aparecem uma vez no artigo. Sem explicitar a relação com os modelos, não é possível interpretar as tabelas.

Há variáveis indefinidas ou definidas multiplamente. Exemplo: O vetor de covariadas X_{it} contém dados dos indivíduos como dito após (1), ou das escolas como após (2)? O parâmetro epsilon também é multiplamente definido. As tabelas deixam dúvida sobre qual exatamente são as variáveis listadas. Parece ser apenas um problema de redação.

Os valores p são indicados com 1, 2, ou 3 asteriscos. E os números sem asterisco, qual a significância? Considerando que são apresentadas dezenas de variações, positivas e negativas, é provável que apareçam correlações meramente aleatórias com probabilidade individual menor que 5%.

Já que o artigo na forma distribuída não faz a conexão entre modelo e as tabelas, minha leitura tem que se restringir ao texto. A dúvida mais evidente é que as pioras referidas são da ordem de 1% do desvio padrão - quantidades muito pequenas em vista das mudanças qualitativas nos exames e nas mudanças de tamanho e composição dos estudantes mostradas na tabela 3.1. Minha maior dúvida é que a análise de efeito é forçosamente diferencial - mede a diferença entre as notas em um ano e outro. Mas as medidas são muito ruidosas, e a diferença entre medidas tem uma relação sinal-ruído baixa. Para ter uma noção disso seria indispensável saber algo sobre os parâmetros alpha, beta, e epsilon, que aparecem nos modelos mas não são discutidos na sequência.

A relação de causalidade expressa no resumo "Os resultados mostram efeito negativo da inclusão dessas disciplinas sobre diversas áreas do conhecimento, sobretudo sobre o desempenho em matemática" não encontra justificativa no artigo. Mesmo se variações significativas fossem detectadas, o que não fica claro devido às observações anteriores, é possível imaginar inúmeros mecanismos explicativos que não a causalidade. Por exemplo: auto-seleção da introdução de novas disciplinas por escola e por aluno correlacionada com desempenho. Mesmo um mecanismo fraco de causa comum poderia explicar as pequenas variações detectadas.

Outra possibilidade é que mudanças curriculares, concomitantes mas não necessariamente coincidentes com a introdução de novas disciplinas, tenham tido efeito de aumentar ou diminuir a preparação dos estudantes para exames padronizados, ou para seções dos exames. Isso poderia refletir o julgamento de algumas escolas e alunos de que a finalidade do ensino não é a preparação para o Enem.

Em resumo: embora possa conter contribuições publicáveis, o artigo é pouco acessível na forma como foi redigido. As afirmações feitas não estão devidamente apoiadas pela análise dos dados. A metodologia é discutível e, na forma apresentada, insuficiente para estabelecer causalidade.

(Enviei o texto acima ao 2o autor, que gentilmente disponibilizou preprint. Já que o artigo foi bastante comentado nas redes sociais, não me parece inadequado dar minha opinião nesse blog.)

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Postado por O Blog do Pait
4/5/2018 às 11h24

 
ZERO ABSOLUTO

Perdera-se de si mesmo: ignorava por que fora parar preso entre as quatro paredes de pedra daquela masmorra medieval em pleno século XXI, nas mãos de cruéis torturadores da Inquisição, acorrentado a uma tábua que ao girar de uma roda, manipulada por um carrasco esticava seu corpo até seus ossos estalarem, provocando uma dor lacerante que o fazia uivar em desespero, para confessar algo que nem vivera. Estava deslocado no tempo e no espaço e achava que enlouquecera.

Foi acordado com seus próprios gritos, suando em bicas e todo urinado. Que merda! xingou e correu até o banheiro para vomitar às pressas. Lavou o rosto e uma súbita sensação de estranhamento o dominou. Será que tudo aquilo não passara de um sonho, ou melhor, um pesadelo, ou será que não?...

Não sabia responder. Achava-se como um fugitivo de uma bolha do tempo, de onde escapara para uma nova vida, por artes bizarras, quem sabe até arcanas, que lhe evocavam resquícios de ocultismos e de magias.

Como quer que fosse, era foçado a começar do nada, do zero absoluto, como se voltasse ao ensino primário, aprendendo aritmética, as quatro operações, e voltando àquele suplício, que iria durar muitos anos que já não lhe restavam, seu horizonte temporal prenunciando a chegada do inverno de sua existência. Logo, logo, chegaria ao zero absoluto.

Não, não haveria tempo para reaprender álgebra. Meno male — o que já era um consolo.

Devia andar pela casa dos oitenta, segundo o testemunho dos vizinhos, aquele idoso polido, mas casmurro. Ouviam-no cantarolar às vezes alguns pedaços de árias que eles desconheciam, enquanto lavava a roupa no tanque ou tomava um banho, até outro morador idoso como ele reconhecer as tais cantilenas desconhecidas pelos demais, decifrando o enigma que embasbacava muitos moradores: eram árias, ou seja, partes de óperas. Então a cegueira linguística que toldava os olhos alheios desapareceu e abriu-se uma abertura para a luz...

Depois de seu banho matutino, aquele octogenário sistemático e casmurro ia à padaria comprar uma baguete ainda quentinha e o jornal do dia. Era um homem de hábitos austeros. De seus haveres, nada se sabia, apenas que não deixava de pagar suas dívidas, disso ninguém duvidava nem duvida, pois na portaria do prédio antigo e malconservado jamais chegou qualquer aviso de cobrança em seu nome.

Aos que, por mera curiosidade, mais que justificável e natural, devo responder-lhes com uma pergunta: num texto ficcional onde tudo é de mentira para que nominá-lo, se não tem certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF etc. etc. etc.?...

Deem a ele o nome que lhes aprouver: Manuel, Sócrates, Eliot, Gaudí, La Fontaine, Freud, Goete, Van Gogh, Jacob, Rachmaninoff, o que quiserem — e tudo não passará de um rótulo, mero pedaço de papel que se cola em frascos, latas e embalagens de todo tipo.

Mas a curiosidade humana não tem limites. Às escondidas, abriram até a lata de lixo em frente à porta daquele velho casmurro e sistemático em busca de alguma pista e nada acharam além de uma caixa de leite desnatado, cascas de legumes de bananas, tiras de papel higiênico usadas para o que servem, enfim coisas irrisórias até para aqueles indivíduos da espécie saprofítica, que, conforme consabido, se nutem da podridão.

Na vida, porém, deixamos rastros visíveis e invisíveis. Estes, aliás, são os mais significativos, e se ocultam no acervo de ecos e de sombras que carregamos na mais recôndita memória, o que, de resto, não constitui novidade alguma sob o sol. Ali estão nossos segredos, nossos medos, nossas covardias, nossos amores, rancores e toda sorte de coisas que nos causam constrangimentos, nesse baú sem alça, que com enorme sacrifício somos forçados a levar conosco e pesam, pesam muito, além provocar pesares, como a hipocrisia e o farisaísmo com que nos portamos muitas vezes. Mas é melhor parar por aqui, para alívio nosso e felicidade geral da nação.

Trocou a rosa solitária na jarra de pescoço fino e longo, que discretamente fazia companhia à foto de uma bela senhora de aproximadamente quarenta anos, num ritual que a cada semana se repetia naquela sala modesta, onde mal cabia a mesa com quatro cadeiras, duas poltronas de espaldar alto e um armário baixo, que ele não conseguia identificar se era um buffet ou um étagère, antiga herança de família que lhe coube em sorte, à falta de outro herdeiro interessado.

Não saberia se fora isso ou algo completamente diferente. Seria ele um fugitivo de outra vida, vivida aqui mesmo, sabido que somos vários ao variar dos tempos? Recusava-se a refletir a respeito, embora a dúvida que o assaltava com certa frequência, que ele enxotava aos pontapés, sem buscar refúgio em teorias anímicas, às quais tachava de muletas metafísicas, nos momentos de ácida ironia.

Sobreviver a todos os amigos é a maior desgraça que pode acontecer a um homem — lera recentemente num livro de um autor de sucesso, cujo nome perdera nas lacunas infindáveis da memória. Grande verdade esta, ele comentava, às vezes, para a jovem senhora da foto, que franzia a testa para ele. Seria caduquice, ilusão de ótica, mas como, se já ocorrera toda vez que tocava no assunto e ela reagia assim? Melhor deixar quieto, como falam agora.

Talvez mosca quase despercebida no início destas páginas pudesse revelar o conteúdo do monólogo do velho casmurro e sistemático ante o retrato, mas seria exigir muito de um reles inseto, díptero e impertinente. Não estamos mais no tempo das prosopopeias e ponto. Manda a humana razão se conclua que para ali fora a mosca não por bisbilhotice, mas pelo odor da rosa emurchecente trocada por outra rosa em pleno viço, pois bem conhecido é o gosto do moscardo pela natureza morta em processo de decomposição.

Pelas frestas da veneziana descascada filtrava-se um caminho de luz iridescente, onde o brilho das partículas de poeira em suspensão era o luciluzir dos astros e estrelas dentro da sala acanhada. O velho casmurro e sistemático olhou aquela cena inusitada, mas continuou aferrado ao seu negativismo teimoso e mal-humorado, eu não preciso disso, prefiro as praias infindas de brancas areias e mares de um azul sereno, que revisito quando fecho os olhos, não em sonho e sim desperto. Visões encantatórias abriam-se então às suas retinas cansadas, com a concretude e clareza das coisas presentes. Quem sabe um dia, revisitaria, de fato, esses lugares mágicos e inefáveis. Era um projeto seu, talvez o último ou, quem sabe, um devaneio senil. Restou-lhe a dúvida...

... e aquela mosca pousada em seu ouvido esquerdo, sem qualquer gesto que a repelisse. Antes de explorar o labirinto dos ouvidos, que acenava com muitos prazeres para o seu paladar, a mosca, bem à vontade, esfregou as patas dianteiras uma na outra, daquele modo ancestral que todas as moscas fazem, à semelhança dos seres humanos ao lavarem as mãos, e preparou-se para o banquete...

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Impressões Digitais
3/5/2018 às 17h07

 
Go é um jogo mais simples do que imaginávamos

AlphaGo da Google, e agora OpenGo do Facebook. Um inesperado triunfo da moderna ciência europeia sobre a milenar sabedoria asiática: o jogo japonês e chinês foi conquistado por ingleses e californianos. Demorou 20 anos porque a literatura do xadrez era muito superior, capaz de explicar o caminho para a vitória de uma forma que os computadores entenderam facilmente. A literatura do Go era menos precisa, e o domínio do jogo exigiu força bruta.

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Postado por O Blog do Pait
3/5/2018 às 16h10

 
Wild Wild Country

Conheci o Osho há pouco mais de 20 anos. Estava me formando na Poli, manifestava um interesse por Filosofia, e o tio de uma namorada, muito atencioso, me presenteou com um livro do Osho.

Meu interesse, na época, era por Filosofia Ocidental, e meu livro de cabeceira era “Uma História da Filosofia Ocidental”, do Bertrand Russell, que eu cotejava com as aulas de Filosofia Antiga, do professor Roberto Bolzani Filho, na USP.

Sem espaço para o Osho, portanto. Aquele livro, do tio da minha ex-namorada, eu só fui ler quase 20 anos depois, em outra situação. E o livro falou mais comigo pela lembrança e pelo carinho, do tio postiço, do que pela filosofia em si.

Fui assistir “Wild Wild Country” por curiosidade. Tinham falado muito, num dos grupos de WhatsApp de que participo. E havia lido um texto sobre a tal Sheela, em que a pessoa se dizia muito impressionada pela figura dela, apesar de todo o mal perpetrado etc.

O que me impressionou, nos primeiros capítulos, foi o sonho, recorrente, de fundar uma cidade, e de refundar a humanidade, no processo. Me ocorreram desde a República, de Platão, até a Utopia, de Thomas Morus, passando pela experiência de Robert Owen, que um professor de História nos contava na escola, até Brasília.

Como brasileiro conhecedor do experimento de Juscelino, eu sabia que Rajneeshpuram - literalmente a cidade do Osho (Rajneesh) -, fundada nos anos 80, no estado de Oregon, nos Estados Unidos, seria um fracasso desde o início.

Mas o Osho acreditou, e seus comandados - e levaram milhares de pessoas para lá.

A própria Filosofia nos ensina que, apesar da beleza - sublime - da sua “República”, Platão não foi bem-sucedido quando tentou implementar suas políticas em Siracusa.

E do pouco que conheço de filosofia política é infinitamente mais recomendável estudar as conclusões de Maquiavel, que simplesmente estudou a prática, do que embarcar num sistema “desenhado” (designed) sem base na realidade.

Se o projeto de Brasília pode soar discutível para alguns, eu convido os resistentes a examinar qualquer projeto de “utopia socialista”, sendo o mais próximo de nós, o do PT, sob cujas consequências estamos vivendo até hoje, 2018, final do mandato do Vice da Dilma.

Para qualquer brasileiro maior de idade, que tenha vivido no país, dos anos Lula pra cá, e que não tenha sua inteligência obliterada pela ideologia, considero autoevidente que qualquer tentativa de “refundar” a sociedade - à esquerda, à direita ou ao centro - seja um total disparate e que não merece a nossa consideração.

Mas Osho acreditou; e seus seguidores - e levaram milhares de pessoas pra lá...

Se eu me decepcionei com Osho? É claro que sim. Não basta ser um guru? Tornar-se sábio, ter seus livros publicados, ser consagrado até fora da Índia? Para que fundar uma cidade? Ainda mais nos Estados Unidos? E para que “refundar” o Homem? Que diabo que pretensão é essa? E que delírio?

Não; não consegui admirar a Sheela. Para mim, ela nunca passou de um leão-de-chácara do Osho. Aquele capanga, ou personagem meio mafioso, que todo idealista, ou líder benevolente, tem, para fazer o serviço sujo, enquanto se mantém puro, limpo ou quase isso.

No documentário, Sheela tem ideias próprias: acha que, além de administrar Rajneeshpuram, pode interferir até no destino do próprio Osho - até que dá tudo errado, ela foge com seus comandados; ele não a perdoa, rompe seu voto de silêncio, de anos - e o mundo assiste a uma troca de acusações nada edificante.

Para mim, é o pior momento do Osho: quando ele tem de dizer que não teve nada com ela, nenhum envolvimento homem-mulher, que ela está drogada, usou drogas pesadas etc. E Sheela devolve, chamando Osho de “manipulado” - sob efeito de um novo círculo, que não quer o seu bem, até deseja a sua morte etc.

O bate-boca é suficiente para o governo dos Estados Unidos interferir e terminam ambos presos, mais pessoas próximas do círculo de Sheela.

No caso de Osho, ele aceita um acordo, assume a culpa por crimes ligados a imigração ilegal, enquanto retorna à Índia. Já Sheela cumpre prisão, sem atenuantes, e termina liberada na Europa, onde vive até hoje.

Osho termina tão desiludido da vida que quer ser esquecido. Desiste do próprio nome, “Bhagwan”. Quer ser “ninguém”. Não quer ter nome. Até que alguém sugere, justamente, “Osho” - que, em japonês, quer dizer “mestre”.

Bhagwan morre em 1990, mas Osho vira uma marca. Até hoje.

O documentário, da Netflix, não se decide por uma conclusão positiva ou negativa, do Osho e até de Rajneeshpuram. Termina com a Sheela, que montou um asilo. Arrependida?

Gurus foram moda, sobretudo nos anos 60. E até os Beatles caíram...

Quando resolveram ir embora da Índia, John Lennon resolveu testar o guru - Maharishi - para ver se ele sabia (por que eles iam). Lógico que ele não sabia.

Lennon fez “Sexy Sadie” para ele: “What have you done? O que você fez? You made a fool of everyone. Você fez todo mundo de bobo...”

Fast-forward para 2018. E as pessoas, no Brasil, continuam seguindo gente como “A Monja”, Karnal, Pondé... como se fossem gurus...

“Sexy Sadie. You laid it down for all to see... Você pôs tudo abaixo - para que todo mundo visse...”

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Postado por Julio Daio Bløg
2/5/2018 às 09h02

 
Um velho adolescente

Descobri recentemente, mais precisamente no sábado passado, que sou um velho adolescente.

Isso porque me peguei grudado a tarde toda num livro da Thalita Rebouças.

A visão da escritora me fez voar, imaginar situações, me perder em dilemas, num passeio raso d’água nos olhos, encarar alguns medos eternos, até sentir novamente as transformações.

Thalita escreve para mulheres de um modo tão próximo e profundo, que conseguiu, por momentos, me transformar num velho adolescente menina.

Foi um despertar, pouco antes, na minha retina cansada, guardava a adolescência como se fosse a estátua de Antínoo, dura, fria, calada, mas eternamente jovem.

No livro, logo me identifiquei com a personagem, uma garota sem dotes de beleza, um tanto desleixada, dona dos cabelos ruins e peso acima do ideal.

Outras semelhanças apareceram durante a narrativa: a menina ouve música para sentir vontade de chorar.

Fiz isso recentemente, sem motivos aparentes, lágrima libertária, não de agonia, envolta numa música antiga e besta, de um cantor que eu desprezava quando adolescente, o Biafra, naquela parte que ele afirma existir um licor a mais no bombom.

Homem não chora! Uma ova, chora sim, mesmo na maturidade.

Trago ainda guardado alguns costumes de quando adolescente; usar roupa velha e rasgada em casa e desligar o mundo, ler, ouvir música, assistir séries de TV; visitar fotos antigas e me espantar: nossa, quando foi isso? Eu era magro em 87.

Creio, com sinceridade, envelheci bem, eu era muito feio na adolescência, e fazia bullying comigo, me olhava no espelho e dizia, “tu é horrível, desajeitado, seu cabelo ruim lembra nuvens de tempestades”, e depois ria da própria desfaçatez.

Hoje me acho bonito, mesmo quase sem cabelos – algo libertador, no meu caso – e com essa barba rala que não tem nada a ver com rebeldia, é coisa de vaidade mesmo.

Se existe algo bastante mudado é a minha capacidade atual de me amar, de olhar para o espelho e afirmar: cara, você está lindo!

Narciso me incorpora todas as manhãs.

Ser adolescente é dolorido para todos, mas, para as meninas, Thalita me ensinou que o baque é maior; a transformação para mulher requer o apego o quanto antes à maturidade; a menstruação é um sinal assustador, noves fora o crescimento dos seios, do quadril, e os olhares ameaçadores que começam a surgir em volta, de repente, sem avisar.

Thalita Rebouças é doutora no assunto.

Declaro, no entanto, o sofrimento do eu menino daquela época.

De repente, espalharam-se em mim as espinhas, a espantosa percepção das curvas do avesso, das medidas, de cada detalhe: a menina franzina e irritante, moradora da vizinhança, de repente se tornou uma encantadora fêmea fatal, me fazendo suspirar profundamente.

Será que ela ainda se lembra de mim?

Era um tempo de solidão, de descobrir detalhes nunca antes imaginados; a luz da lâmpada atraia os insetos, medrava a escuridão, mas nada afastava alguns pensamentos.

Fui salvo pela erudição: muito mais do que banho gelado, a leitura acalmava a febre.

Quase adulto, imaginava a maturidade tal e qual a quinta sinfonia de Beethoven, a reta final, da qual queria distância.

No entanto, cá estou.

Acho que Biafra me fez chorar por causa disso: o licor ainda vivo, perdido em meio ao bombom.

Imagino Beethoven, mas escuto Biafra.

“O que sai de mim vem do prazer, de querer sentir o que eu não posso ter...”, o que ele quis dizer com isso?

As folhas da árvore da minha adolescência ainda tremem, esparramam o orvalho no soprar do vento, pingos daquela mesma chuva que me arrancou o sono, restando em mim o pensamento incerto: será que existe por ai outro adolescente velho, quieto e atento, tal e qual a estátua de Antínoo, ouvindo, entrelaçado por pequenos tremores, a sinfonia de Beethoven?

Fechei a última página, já sentindo saudades da menina do livro e à procura do resto de licor perdido dentro do bombom.

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Postado por Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
1/5/2018 às 12h14

 
Um velho adolescente

Descobri recentemente, mais precisamente no sábado passado, que sou um velho adolescente.

Isso porque me peguei grudado a tarde toda num livro da Thalita Rebouças.

A visão da escritora me fez voar, imaginar situações, me perder em dilemas, num passeio raso d’água nos olhos, encarar alguns medos eternos, até sentir novamente as transformações.

Thalita escreve para mulheres de um modo tão próximo e profundo, que conseguiu, por momentos, me transformar num velho adolescente menina.

Foi um despertar, pouco antes, na minha retina cansada, guardava a adolescência como se fosse a estátua de Antínoo, dura, fria, calada, mas eternamente jovem.

No livro, logo me identifiquei com a personagem, uma garota sem dotes de beleza, um tanto desleixada, dona dos cabelos ruins e peso acima do ideal.

Outras semelhanças apareceram durante a narrativa: a menina ouve música para sentir vontade de chorar.

Fiz isso recentemente, sem motivos aparentes, lágrima libertária, não de agonia, envolta numa música antiga e besta, de um cantor que eu desprezava quando adolescente, o Biafra, naquela parte que ele afirma existir um licor a mais no bombom.

Homem não chora! Uma ova, chora sim, mesmo na maturidade.

Trago ainda guardado alguns costumes de quando adolescente; usar roupa velha e rasgada em casa e desligar o mundo, ler, ouvir música, assistir séries de TV; visitar fotos antigas e me espantar: nossa, quando foi isso? Eu era magro em 87.

Creio, com sinceridade, envelheci bem, eu era muito feio na adolescência, e fazia bullying comigo, me olhava no espelho e dizia, “tu é horrível, desajeitado, seu cabelo ruim lembra nuvens de tempestades”, e depois ria da própria desfaçatez.

Hoje me acho bonito, mesmo quase sem cabelos – algo libertador, no meu caso – e com essa barba rala que não tem nada a ver com rebeldia, é coisa de vaidade mesmo.

Se existe algo bastante mudado é a minha capacidade atual de me amar, de olhar para o espelho e afirmar: cara, você está lindo!

Narciso me incorpora todas as manhãs.

Ser adolescente é dolorido para todos, mas para as meninas, Thalita me ensinou que o baque é maior; a transformação para mulher requer o apego o quanto antes à maturidade; a menstruação é um sinal assustador, noves fora o crescimento dos seios, do quadril, e os olhares ameaçadores que começam a surgir em volta, de repente, sem avisar.

Thalita Rebouças é doutora no assunto.

Declaro, no entanto, o sofrimento do eu menino daquela época.

De repente, espalharam-se em mim as espinhas, a espantosa percepção das curvas do avesso, das medidas, de cada detalhe: a menina franzina e irritante, moradora da vizinhança, de repente se tornou uma encantadora fêmea fatal, me fazendo suspirar profundamente.

Será que ela ainda se lembra de mim?

Era um tempo de solidão, de descobrir detalhes nunca antes imaginados; a luz da lâmpada atraia os insetos, medrava a escuridão, mas nada afastava alguns pensamentos.

Fui salvo pela erudição, muito mais do que banho gelado, a leitura acalmava a febre.

Quase adulto, imaginava a maturidade tal e qual a quinta sinfonia de Beethoven, a reta final, da qual queria distância.

No entanto, cá estou.

Acho que Biafra me fez chorar por causa disso: o licor ainda vivo, perdido em meio ao bombom.

Imagino Beethoven, mas escuto Biafra.

“O que sai de mim vem do prazer, de querer sentir o que eu não posso ter...”, o que ele quis dizer com isso?

As folhas da árvore da minha adolescência ainda tremem, esparramam o orvalho no soprar do vento, pingos daquela mesma chuva que me arrancou o sono, restando em mim o pensamento incerto: será que existe por ai outro adolescente velho quieto e atento, tal e qual a estátua de Antínoo, ouvindo, entrelaçado por pequenos tremores, a sinfonia de Beethoven?

Fechei a última página, já sentindo saudades da menina do livro e à procura do resto de licor perdido dentro do bombom.

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Postado por Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
1/5/2018 às 12h14

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