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Sábado,
29/2/2020
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Nas linhas das minhas mãos IV
Às previsões das linhas cruzadas,
minhas mãos outra vez acolheram o visitante
que retornou, tal fosse o filho pródigo
renascido no parto da espera.
E, à sua chegada, matei o novilho.
E cozinhei o pão. E lhe servi o vinho.
E lhe entreguei o fruto
que a abelha adoçou.
E outros amei.
E amei outro que não era Pedro.
Aquele que na imagem de muitos
se revelou uno, confesso que amei.
Em Pedro amei o caminho dos remos.
E ao trazer-me cestos de bons augúrios,
pesada sua barca. Teimosa a rede,
a reiniciar a pesca.
Teimosa a perseverança
humanizando a Terra.
Em Pedro, amei o ofício.
E, se estrangeiro ele fosse,
o seguiria à terra de origem.
Do livro Canções de Amor
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Postado por Blog da Mirian
29/2/2020 às 10h26
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Vida de boy
Toda noite chego da aula, pego o prato no forno, levo pra sala e fico vendo televisão até mamãe chamar, filho, vai deitar, está tarde. Entra semana, sai semana, entra mês, sai mês, todo dia a mesma coisa. Estudo, trabalho, o dinheiro não dá pra comprar uma roupa decente. Ando sem parar, pego fila de banco, de correio, corro atrás de ônibus o tempo todo. O pior é de noite no colégio. Me esforço pra não dormir, não tem jeito. Até na hora do intervalo dá pra levar. Depois é uma luta pra ficar acordado. Eles acham que a gente dorme por desinteresse. As aulas de biologia são boas, a matéria pesa pro vestibular, debruço na carteira, não tem jeito. Um dia a turma me sacaneou. Saiu todo mundo em silêncio, apagaram a luz e ficaram de longe, esperando. A faxineira chegou e me cutucou.
Turma legal a minha. Dá de tudo: ajudante de pedreiro, trocador, auxiliar de escritório, manicure e um cara muito estranho que trabalha na escola de medicina, na sala onde ficam os cadáveres. Me contaram que quando corta os órgãos pros alunos, ele morde a língua de cacoete. O Luiz, gente boa, eles gozam muito. Durante o tempo em que a professora de história está na sala, ele fica se alisando debaixo da carteira. Com as meninas eu não consigo nada. Não sei se é porque sou tímido, ou porque não sou bonito. Feio de todo também não sou. Tem cara que vai chegando e falando, com assunto pra tudo, pra toda hora. Falam umas coisas sem graça e todo mundo ri. Fico num canto olhando, encolhido feito um caracol, coçando a cabeça ou assobiando, fingindo que está tudo bem, que estou numa boa. No fundo fico doido pra ser diferente. Será que tem cara que nem eu, cismado com tudo?
Chega sábado é legal. Largo o serviço ao meio-dia e corro pra casa. Almoço, descanso um pouco e caio na rua. Bato perna no bairro, encontro um e outro e quando vejo o dia acabou. É no sábado que acho que alguma coisa vai acontecer. Imagino uma menina, a gente acabou de dançar. Caminho com ela pro jardim e digo uma coisa do tipo faz tempo que não vejo uma noite tão bonita. Eu só fico imaginando a cena de sábado. Nada acontece. Nada muda. Não sei se é porque sou sonhador ou é porque a gente vê isso nos filmes e nas novelas.
Chega domingo, acordo tarde, almoço e de tardinha baixa a tristeza. Do fim de domingo ninguém escapa. Não acho resposta pra muita coisa. Às vezes mamãe fala pra sair quando me vê parado, pensativo.
E assim vai passando o tempo. Todo dia, toda semana, entra mês, sai mês, o mesmo de sempre. Nada de novo acontece. O negocio é inventar qualquer coisa pra mudar o rumo da vida, sem nada a ver, sem muita explicação. Uma vez eu estava viajando de ônibus numa estrada longa e deserta. Na frente ia um caminhão que começava a fazer ziguezague nas duas pistas e depois de algum tempo voltava a seguir normalmente. Passava um pouco, fazia o mesmo. Foi assim até que eu virei prum sujeito de meia idade sentado ao meu e lado e perguntei por que o motorista fazia aquilo. Ele ficou pensativo e depois de algum tempo respondeu que achava que o cara fazia aquilo pra acabar com a monotonia da viagem.
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Postado por Blog de Anchieta Rocha
21/2/2020 às 10h15
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Nas linhas das minhas mãos III
No visitante que em três dias retornou,
reconheci Pedro. Pedro, perfeição imperfeita,
em teu caminho encontrarei
minha pedra de humanidade.
Pedro, o que retornou à minha casa,
no que me deixou de presença e vazio,
amei-lhe o rosto. Daquele que se fez indefinição,
amei-lhe o perfil. Amei-lhe as palavras.
Nele amei a negação, ante o desolado
canto do galo que lhe anunciou a fé.
Amei-lhe a pureza, antes de sabê-la
parte de si. Amei-lhe a dúvida.
Em Pedro, amei a recusa.
Amei o temor.
Amo a contrição.
Do livro Canções de Amor
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Postado por Blog da Mirian
15/2/2020 às 14h49
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psiu!!!
...asportaseabremquandoo(...)seinstala,asportasseabrem,janelasseescancaram,eo(...)semovimenta,o(...)lateja,o(...)nãosecala,o(...)éumtagarela,o(...)nãopara,o(...)semovimentaemmotocontínuo,o(...)nãotemmemória,o(...)nãotemmotivo,o(...)nãosevende,o(...)nãosedá,o(...)sefazpresenteeausente,o(...)dói,o(...)amortece,o(...)nãotemremédio,remediadoestá...
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Postado por Metáforas do Zé
8/2/2020 às 19h55
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Nas linhas das minhas mãos II
Naquele dia ele veio, trazendo
bandeiras de festa. Ele era um. E era muitos.
E sem saber-lhes batismo ou descendência,
à minha mesa sentaram-se.
Nos vários fragmentos deixados por todos,
pressenti contradições. Em irrealizada unidade
imaginei completude. No visitante, vi outros
que, sem procurar, encontrei.
Encontrei aqueles que de mim
se apartaram antes da chegada,
naquelas ruas e horas vazias
onde inda prossigo na busca.
Pelos desenhos indecifráveis
nas linhas das minhas mãos.
Do livro Canções de Amor
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Postado por Blog da Mirian
2/2/2020 às 10h06
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Mão dupla
Tanto na conquista como na desconquista
na palavra e na despalavra
no consumo e no desconsumo
o empenho é o mesmo
Esforços iguais para sentidos diferentes
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Postado por Metáforas do Zé
31/1/2020 às 12h42
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Devida(mente) balizada
A fome se engana pela gula
A necessidade pelo desejo
Mas a sede é única não há como ludibriá-la...
Só mesmo um copo d'água
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Postado por Metáforas do Zé
29/1/2020 às 22h51
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Aos meus doces pesadelos
A noite é uma criança...
refratária à luz da razão
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Postado por Metáforas do Zé
27/1/2020 às 23h24
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Algoritmos
Invadido de coincidências
preso aos bons ventos
febril bonança...
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Postado por Metáforas do Zé
22/1/2020 às 22h33
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Belém, nostalgia e tempos possíveis
Para o Pedro
Foto: Angelo Cavalcante @angelomcavalcante
Tic! Tac! Tec! Tec! É meu sobrinho jogando “beyblade”. O “beyblade” é um brinquedo que imita o antigo pião e que se digladia com outros em uma arena de plástico. O pião moderno, ao contrário do pião de outra infância, não possui prego na ponta. É mais seguro e mais prático. Como a cidade que se quis moderna, o novo brinquedo gira em seu próprio eixo e, para aquela outra infância, apenas suscita nostalgia. Tic! Tac! Tec! Tec! Belém! Belém!
Costuma-se atribuir segurança e praticidade à vida moderna e, em oposição, desafio e rusticidade a uma vida anterior. As cidades são uma expressão privilegiada dessas representações.
Não raramente, tendemos a lembrar de um tempo anterior com um significado de perda irrecuperável, quando vemos imagens de diferentes tempos da cidade. Olhamos ao redor e giramos em busca de um tempo memorável, um eixo a nos guiar e definir.
Em certo sentido, Belém parece estar mergulhada nesse sentimento, agora transportado para outros espaços, para outras mídias.
Dia desses, vi um perfil, em uma rede social, exaltar uma imagem icônica da cidade, um copo de cerveja que se enchia e esvaziava reluzentemente na entrada da cidade.
Eu mesmo quando vi pela primeira vez, aquele néon inesquecível simbolizava uma ideia de tecnologia, modernidade, mas, não podemos esquecer, de magia também.
O mundo das imagens nos levou a essa forma de percepção, na qual tratamos simulacros (Baudrillard) como nossa verdadeira experiência. Não é um lamento, é um sintoma.
É como o novo jogo de meu sobrinho. Esperto, ele sempre lembra das suas vitórias, mas, quando ele perde, ele esquece ou lamenta.
As crianças exaltam e repetem seus momentos/movimentos pela compulsão; mas talvez seja o mesmo sentimento que habita aquele que, agora, na internet, vangloria o passado pela lamentação, como nostalgia.
Fonte: @nostalgiabelem
Temos, nas redes sociais, nostalgias de Belém, memórias de Belém, Belém de antigamente, etc. A cidade se exalta em um tempo que gira sobre si mesmo e, descontente com a arena na qual se digladia, deita-se, quedando-se em torpor.
De certo modo, subvertemos a ideia Benjaminiana de perder-se na cidade como forma de re-conhecê-la. Voltamos a uma eterna repetição do passado e — na verdade Benjamin, estava certo — agora o reproduzimos tecnicamente como imagens de júbilo e eterno descontentamento. É um sintoma.
Nostálgico, irreparável, irremovível, para alguns, compulsivo. O sentimento que perdura é de que a cidade, possivelmente, tenta se lembrar do que “não foi”, e seus habitantes tentam fruir aquele passado que “nunca” tiveram.
Foto: “Cenários em ruínas” (Nelson B. Peixoto), de Enderson Oliveira @o_enderson_
Como nosso tempo contemporâneo é outro, confuso, interseccionado, esse lembrar, que ia em busca de décadas passadas distantes, já se manifesta — o que talvez seja um sintoma ainda mais latente — sobre o que ocorreu há poucos anos, em um passado que, dizemos, “parece que foi ontem”.
Também acendemos luzes coloridas sobre a história como forma de — acreditamos —iluminá-la e reconhecê-la. Mas a cidade, sua história, nem sempre pode ser atravessada por luzes artificiais, resplendores discursivos, lampejos retóricos.
É preciso lembrar que a cidade, hoje, vai além de uma única imagem, de um único monumento, ou de uma resplandecente publicidade. Ela é, fundamentalmente, um espírito que a tudo isso se liga, que emana, salta, entrecruzando-se, do seu sentido anterior e do seu sentido atual.
Múltiplos sentidos, variadas representações, diferentes formas de percepção. Belém precisa lidar com seu passado como forma de tomá-lo, apreendê-lo, no presente; cada tempo com seu espírito, colidindo, renascendo, em tempos possíveis.
Foto:“Pontes limiares”, de Relivaldo Pinho @relivaldopinho
Como uma colisão que nasça de giros que deixem de se movimentar na mesma órbita, para se abrirem em uma nova constelação. Tempos possíveis, representações olvidadas, percepções distendidas. A arena não precisa ser de plástico.
A imagem da tulipa em neon, que secava e enchia permanentemente, precisa ser vista sobre outro movimento. Menos repetitivo, mais denso (Geertz) e, ao mesmo tempo, mais rúptil.
Agora, imagine outra tulipa que começa a encher e a secar. Tec! O pião parou. Precisamos jogar outra vez. Belém! Belém!
Este texto foi publicado em 13/01/2020 no Diário Online
Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia, ed.ufpa, 2015.
[email protected]
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Postado por Relivaldo Pinho
22/1/2020 às 19h53
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