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Domingo, 5/2/2017
Impressões Digitais
Ayrton Pereira da Silva
 
DESLEMBRANÇAS

O tempo não tem pressa

e lentamente

erige em seu lugar as deslembranças

pedaços de hiatos

fragmentos de espaço

decompondo a memória

e sua história.


O sorriso paterno

esbatido na distância

já é um rictus

nem riso nem sorriso

e sua voz não soa mais no ouvido.


O retrato da casa em si tão vívido

desenhado em relevo na saudade

vira saudade só

sem corpo apenas mito.


Assim o tempo desconstrói a sua obra

acrônica e atópica

que se afirma por si

tão metafísica quanto metafórica

de vácuo preenchida

na sua imponderável engenharia.


Ayrton Pereira da Silva

(in Umbrais, Sette Letras, 1977)



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
5/2/2017 às 19h15

 
FRIBURGO, MINHA TERRA DE ADOÇÃO

”Soverteu num rompante. A terra encrespou e tudo veio abaixo”. Ouvi essas palavras de um peão de obra, que havia trabalhado na construção de uma casa na encosta serrana, tal como ele estava contando a seus companheiros, na folga do almoço. Isso ocorreu muito antes da tragédia que se abateu sobre a cidade. Mas já não seria o prenúncio do que viria depois? Não sei, a natureza tem seus caprichos, é imprevisível.

“Quando tomei tento, tinha sumido dali”, o peão acrescentou, enquanto jogava no chão do botequim de beira-estrada um pouco de cachaça, dizendo que era pro santo. E foi tudo que vi e ouvi, pois já saía do bar onde fora comprar um copo d´água mineral. Tinha pressa de chegar até a casa de campo onde a família me esperava. Entrei no carro estacionado no acostamento e parti.

Esse cara, pensei enquanto dirigia, estava repetindo, como tantos outros, sem saber, o gesto irônico de Sócrates, o grande filósofo grego, ao fingir entornar uma porção de cicuta, que fora condenado a beber, dizendo ao carrasco e aos discípulos ali presentes, solidários e comovidos ao lado de seu mentor nos últimos instantes de sua vida, que seria uma reverência a algum deus — e não aos deuses do Olimpo cuja existência negava — para que o guiasse em sua peregrinação rumo ao desconhecido. Esse gesto simbólico, em seu despojamento e singeleza, tem mais de dois milênios e está descrito nos Diálogos de Platão, que foi seu discípulo e depois mestre de Aristóteles.

Friburgo sempre me pegou por duas coisas: a paisagem bem diversa da orla do mar em que vivo e gosto de viver e um certo sabor encontrável em seus pequenos achados, diminutas pepitas ocultas no ramerrão dos dias. Às vezes uma surpresa, como a coleção inteira das aventuras de Sherlock Holmes, em primeira edição, que arrematei, a preço vil, num velho bazar de variedades em Olaria, ou uma informação, em português castiço, prestada por um modesto quitandeiro sobre a incidência do sol à tarde em Mury: “o lado de cá é solarengo, o de lá é noruega”, disse-me ele. E era um nativo do lugar, tão brasileiro como eu.

Friburgo me pegava também pela linguagem por vezes tão surpreendente e peculiar.

Então, fiquei matutando: esse quitandeiro, modesto, de origem humilde, nunca deve ter folheado um clássico qualquer, mas como, perguntei-me, de onde saíra aquela frase perfeita, de um vernáculo irretocável, deslocada no tempo e no espaço? E a resposta me acudiu rápida e prontamente: da tradição. Sim, da velha e boa tradição oral. Pois é.

As cidades montanhesas, creio, são assim: ainda reservam raras riquezas somente acessíveis às mentes e aos corações.

Quanto ao ato corriqueiro de saudar o santo nos botecos da vida, sua perpetuação no tempo em fora é algo que dá o que pensar. E, diga-se, não é somente um costume local; tanto quanto eu saiba, é comum aos bebedores da quase totalidade dos botequins e biroscas de nossa terra. Seria culpa do inconsciente coletivo de Karl Jung, responsável também pelo cisma que o distanciou de Sigmund Freud? Ou quem sabe da memória atávica, da psicogenética... sei lá. De qualquer sorte, resta um vasto campo aberto a inumeráveis lucubrações de ordem metafísica, transcendental, esotérica, extrassensorial e outras teorizações que tais. Há vertentes para todos os gostos. Façam suas opções. Mas, na verdade, sinto dizê-lo, não é nada disso. Trata-se simplesmente de uma tradição, a boa e velha tradição consistente na passagem da memória dos acontecimentos fastos e nefastos de uma para outra geração. Este o exato significado da palavra tradição: entrega, passagem de alguma coisa de alguém para outrem. Infelizmente, costumes como esses, que forjaram o caráter dos povos e das nações, estão caindo em desuso, cedendo lugar ao advento de uma nova era. Sinal dos tempos que avançam irreversivelmente.

Lembro que, criança ainda, quando de minha primeira viagem a Friburgo, pelos fins dos anos 40, foi como se vivesse um sonho acordado. As cenas de outrora agora me acorrem, vívidas, em slow motion, quadro a quadro, como num fotograma de que sou eu mesmo o roteirista.

Estou abismado, na estação da Leopoldina Railway, no centro de Niterói (ou Nictheroy, como se escrevia antigamente), diante daquele monstro negro de ferro resfolegante, que despedia faíscas e grossos rolos de fumaça para todos os lados, no esforço esclerótico das caldeiras, pronto para partir, tracionando uma fileira incontável de vagões. Chamavam carinhosamente aquele colosso ameaçador de Maria Fumaça, mas para mim talvez fosse preferível chamá-lo de Moura Torta, que eu não sabia bem como era, mas assombrava, às vezes, minhas noites com terríveis pesadelos.

Meu pai, munido de guarda-pó, para proteger-se da fuligem que invadia o trem, mal saíamos da estação, abria o Correio da Manhã para ler as notícias do avanço das tropas aliadas, retomando as cidades europeias que a máquina de guerra nazista ia abandonando em fuga. Já nossa mãe se azafamava em retirar da bagagem os agasalhos que iríamos vestir na subida da serra envolta em brumas, porque a temperatura despencava vários graus à medida que a locomotiva galgava as grimpas, bufando, arfando e apitando como um dragão ensandecido.

Quando a curiosidade do menino vencia a batalha contra o medo, era possível vislumbrar, em meio à névoa, pelo retângulo da janela do vagão em movimento, a beleza rara da paisagem serrana em sua versão altaneira, matizada pelo pincel e as tintas do clima frio e do ar balsâmico dos eucaliptos, o verdor exuberante das ramagens, o multicor buliçoso dos matizes da flora silvestre, nascida ao deus-dará, a folhagem prateada de árvores que se alteavam sobre as demais, as frondes das araucárias abertas em leque, o delicado esparrame de flores das quaresmeiras, a algazarra das cores berrantes dos ipês tão perdulários de beleza, a gratuidade da natureza em estado de plenitude e, quase, de pureza.

Mas nem tudo eram flores e cores. Havia também aquele zumbido chato nos ouvidos, uma surdez repentina provocada pela altitude, que os mais precavidos procuravam amenizar mascando chicletes, como antídoto contra a descompressão. Vencida a serra, o trem parava na estação de Cachoeiras de Macacu, onde ainda hoje ecoa, no labirinto de meus ouvidos, a mistura de vozes dos garotos apregoando suas mercadorias: pastéis, morangos, caquis, frutas-de-conde, curau, pamonhas, sucos. Eu e meu irmão menor a tudo assistíamos de dentro do vagão, com água na boca, pois era um risco ingerir algo de que não se soubesse a procedência. Portanto, nem valia arriscar um pedido aos nossos pais. Fôramos educados à maneira dos severos usos e costumes oitocentistas, pois nosso pai nascera antes mesmo da Lei Áurea e educou-nos na rígida disciplina do século XIX.

Dessa primeira ida a Friburgo restaram uns poucos fragmentos de recordação, que, anos após, com a ajuda de meus irmãos mais velhos, pude, em parte, recuperar. Mas são detalhes de somenos, valem somente para uso interno.

Retornei muitas e muitas vezes, de lambreta e de carro, a Friburgo. Alcancei ainda os tempos do Hotel Glória, os carnavais antigos do Clube Xadrez, a Confeitaria Danúbio Azul, que era um ponto obrigatório da juventude dos Anos Dourados. Que tempos aqueles! Pelo retrovisor da memória, cada vez mais distante, são como imagens fragmentárias de um caleidoscópio quebrado...

Lembro da chuva das cinco, sempre pontual, cujos primeiros pingos, em algumas férias de verão passadas ali, em minha infância, eu recolhia na concha das mãos, para beber direto das fontes do céu a água benta (assim pensava em minhas fantasias de criança); lembro do fog que baixava sobre a cidade ao entardecer, encenando uma atmosfera gótica que evocava as estórias de mistério e assombro ao estilo de Jack, o estripador, e do Cão dos Baskerville.

A regência do tempo obedecia a outro compasso e a vida montanhesa guardava os ares de um pacato burgo alpestre.

Mas são lembranças antigas, de que não ficou comigo sequer um retrato. Melhor assim, pois o filtro da memória, em sua benfazeja generosidade, somente libera as evocações de que os peregrinos de outras épocas carecem como um nutriente necessário à preservação do que restou da autoestima a caminho da desintegração — e não da ilusão barata da eternidade falsa dos retratos.

A Friburgo de hoje, como, de resto, parece que tudo, nesse mundo velho sem porteira, sofre os efeitos do esmeril de Chronos, Senhor do Tempo, e de nós mesmos, coadjutores do processo erosivo de destruição do planeta.

Apesar de todos os pesares, se rastreados bem, Friburgo ainda guarda em seus refolhos alguns achados que os raros, tenho certeza, inconscientemente, sabem onde estão e, os que não sabem, com certa dose de engenho, mente e coração, ah, esses, seguramente, também, quando menos esperarem, encontrarão.

Mas a história não termina aí, a vida continua, e aquele rio-tempo ou tempo-rio a que se referia Heráclito de Éfeso continua a correr, irrefreável, reinventando-se, sempre e novamente. A Vida em si é uma obra em comum perpetuamente em aberto, na qual cada um deixa o seu contributo, na breve viagem de navegante nas águas vertiginosas do tempo que lhe couber.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
3/1/2017 às 18h48

 
MARINHA

3

... e pois seguimos nós no mar brumoso

galgando ora montanhas liquefeitas

ou descaindo em socavões profundos

nesta casca de noz

escaler de papel

de velhas folhas de um jornal extinto

de um incerto dia onde se liam

em tipos garrafais

letras que agora não se leem mais.

5

porque a água em vagas salitradas

solapa letras sílabas palavras

a água lava apaga

mesmo a memória dos mais nefandos fastos

mas deixa um rasto enlutado

de borrão sépia

tinta de polvo

inventando ao acaso outro alfabeto.

6

esse mar de palavras revoltoso

é um mar de marés imprevisíveis

a que presidem lunações perversas

é um mar de profundas reticências

que volta e meia

circunflexo relampeja

e agudamente craseia.

9

essas palavras de mar viram oceano

são palavras demais

e aderem ao casco das naus

às quais retiram o sentimento das águas

o que é um risco

pois uma quilha sem corte

não enxerga

os perigos das sintaxes nas pedras

nem percebe

o cântico enganoso das semânticas.

13

semiótico enxergo claro o tempo

das palavras concretas em bom porto.

há de chegar o tempo, marinheiro,

de fundear o barco bonançoso.

“há de chegar o tempo

o tempo o tempo”...

repete a gaivota em pleno voo.

15

D. Giovanni:

“a esta hora os mortos retornam

à sua tumba de bravos marujos”.

era um crepúsculo

de brônzeos reflexos

um amarelo-magma

um ocre ígneo.

“não são de Deus esses marujos mortos

sem sepultura cristã”.

não são de Deus talvez

mas são de Posseidon.

... e esses peixes que devoram os olhos

dos náufragos são de Deus talvez?

ou essas aves que nada fazem

e mereceram citação supina?

D. Giovanni não responde, cala.

assim é ele: um velho marinheiro italiano

afeito às calmarias às bonanças

ao fogo de Santelmo e às borrascas.

18

um marinista melhor que um marinheiro

deve aos que chegam deixar esse registro

do cemitério naval onde carcaças jazem

as ossaturas de ferro velho expostas

à ferrugem do sal e à maresia.

num outro quadro a este justaposto

com essas mesmas tintas

misturadas de modo diferente

pinte-as de novo o marinista anônimo

para mostrar a todos que como Flebas

um dia essas carcaças foram belas.

21

...e no entanto esse mar emoldurado

pelas janelas francesas da varanda

é um mar sem magia, não espanta.

não é o mar de Homero

ou dos fenícios

é um mar sem história nem prestígios.

é um pedaço de mar

um mar urbano

exposto ao olhar profano dessas gentes

que desconhecem trirremes e tridentes

e só por isso não temem sua fúria

quando os tritões assopram as grossas nuvens

desatando os nós dos ventos e das chuvas.

Ayrton Pereira da Silva

(in Umbrais, Sette Letras, 1997)



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
25/9/2016 às 15h52

 
ROMANÇA

Ana partiu tão cedo.

Ana tão cedo partiu.

Ela que tanto doou,

outro tanto mais levou.

Saiu sem me dar adeus,

porta afora de repente.

Fiquei sozinho e ausente.

Hoje à procura de mim,

nem sei quem sou ou não sou.

Ana ao partir me levou.

E assim fiquei duplamente

órfão de Ana e de mim,

de um modo súbito, frio.

Sobrevivo no hiato

de um tempo morto, apagado.

Ana me deletou.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
12/9/2016 às 18h16

 
A ABSTRATA MARGEM

Sinto o mar lamber meus pés, acariciando-me com sua língua aveludada. Sua lâmina imóvel reflete a cor do céu e fico achando que dessa associação deve ter nascido a expressão espelho d’água. É uma dessas manhãs de aquarela, irretocáveis. A certa distância, à esquerda, duas canoas de pesca dormitam ao sol, parecendo não se incomodar com as gaivotas pousadas e imóveis sobre elas.

Deixo a praia com a sensação de que o mar está completo e desembarco no meu quarto sem ter molhado meus pés, nem ter dado um passo sequer. É um aposento austero com área suficiente para as divagações de um velho octogenário, guarnecido pelo mobiliário que se resume a uma escrivaninha pequena, dessas com tampo corrediço, uma cama de solteiro e uma cadeira de braços para visitas que jamais chegaram. Um exíguo banheiro com chuveiro e vaso sanitário estabelece os limites de meu território privado, no qual se entra obviamente por uma porta entreaberta por onde diariamente passa Joana, uma espécie de anjo de avental, sempre com um sorriso atarraxado nos lábios e uma bandeja com minhas frugais refeições. Quando estou de bom humor, chego a pensar que sorri para mim, mas a impressão mais comum que tenho é de que sorri de mim...

Somos as únicas presenças de vida nesta casa, na verdade um cubículo.

Valquíria vem visitar-me, de quando em quando, à noitinha, mas ela não precisa passar pela porta nem saltar a janela. Chega em silêncio, senta-se na borda cama e parece segurar minha mão. Sempre foi uma mulher de poucas palavras e agora menos ainda, mas seus olhos interrogadores pedem que lhe diga como vou indo. Tenho muitas saudades, Val, de você e de mim mesmo. Até hoje não sei por que você partiu assim de súbito, assumindo uma postura de estátua. Seus olhos então me respondem de um modo um tanto oblíquo, reticencioso, sei lá, parecendo dar a entender que havia outros caminhos a seguir até chegar à abstrata margem, e não me dá maiores explicações.

Ontem fiz um poema para você, e ela me diz com os olhos que quer ouvi-lo, mas a audição é interrompida antes mesmo de começar, pois Joana chega com o meu jantar. Bom apetite, ela me diz gentilmente, como se fosse possível degustar uma tisana daquelas. Se ela tivesse um miligrama de massa cinzenta eu seria capaz de pensar mal dela, mas, não, seria impossível, dali só saíam mesmo gestos mecânicos: Joana definitivamente não se definira entre ter nascido uma pessoa ou um robô. Alguma coisa falhara na sua estrutura genética, a mãe natureza dera um cochilo ao projetá-la.

Sabedora de minha contumaz inapetência, Valquíria, com sua mão de vento, me ajuda a segurar a colher que a contragosto levo à boca, incentivando-me a tomar aquele líquido gosmento, de um verde catarroso. Olhe, Val, sei muito bem que, à medida que o círculo da vida se vai fechando, os extremos se aproximam, mas ainda não cheguei à segunda infância. Mas você precisa se alimentar para chegar à longínqua margem, dizem seus olhos.

O tempo me embruteceu, vivi dias maravilhosos e dias horrorosos, estes em maior número; ou você pensa que minha vida se resume nessa praia elegíaca que sempre emoldurou minhas melhores recordações e que até hoje frequento com os passos da imaginação?

Sou um homem sem raízes, embora paradoxalmente arraigado a esta cela franciscana. Ando com dificuldade e quando a artrite generalizada me permite mover-me dentro do meu quarto, ensaio penosamente uns poucos passos com a ajuda desse par de muletas postado à minha cabeceira como duas sentinelas de prontidão. Sabe, já não escrevo mais. Até aquele poema interrompido não foi escrito por mim, (devo confessar-lhe), e ficou bem melhor que ficasse assim pelo meio, como um aborto de filho indesejado.

Você nunca me descreveu essa abstrata margem e nada posso fazer quando seus olhos se calam.

São assim os meus diálogos com Valquíria.

O fim da estrada muitas vezes é assim mesmo. A nossa história pessoal morre conosco e em alguns casos até antes, quando o denso nevoeiro apaga a memória. Não sei afinal de contas o que vem a ser a tal de abstrata margem e nem ousei perguntar a Joana cujo sorriso alvar denuncia um cérebro de formiga. Certa feita, indaguei de um pescador se ele conhecia a abstrata margem, mas ele laconicamente respondeu que era um homem do mar e não de água doce...

Há manhãs em que com muito esforço vou até a praia pendente de um quadro na parede de meu quarto, mas até isso me cansa enormemente. Então começo a divagar, engolfado em meus pensamentos que me atordoam, sentindo-me à deriva, como um náufrago em seco sem esperança de salvação.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
27/8/2016 às 15h22

 
ENIGMA

Donde virá?

Sabe ninguém.

Vem do silêncio?

Do oco das palavras?

Do amor, do ódio,

(irmãos germanos

de sangue e coração)?

Da imaginação,

essa louca da casa?

Donde virá?

E o que será?

Será ou não?

Eu vos direi:

nem sim nem não!

É isso que me provoca:

algo que a si mesmo se interroga.

Mas para os outros será um sim ou não

— e uma interna interrogação.

Ayrton Pereira da Silva

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Postado por Ayrton Pereira da Silva
9/8/2016 às 20h10

 
UM NOME E TANTO...

Em seus últimos momentos, Juan de la Concepción Joaquin Esteban Fradique de Urtiaga carregava o peso de um enorme desgosto pela vida fracassada, agravado pelo tamanho sem fim de um nome de batismo pomposo que servira de mote inesgotável de piadas maldosas por parte dos conhecidos.

Consta da tradição oral que suas derradeiras palavras foram: “caralho, a porra desse nome não caberia nem na lápide que não vou ter.”

De fato, foi com um sentimento de alívio que se livraram do defunto, encontrado no pântano, já em adiantado estado de decomposição, mas surpreendentemente intacto, sem ter sido abocanhado sequer pelos crocodilos que infestavam aquelas águas pútridas nos confins da aldeota, com apetite insaciável.

Como ninguém reclamou o corpo e não houve vivalma disposta a velar o morto ou acompanhá-lo ao domicílio final, até porque o fedor que exalava era insuportável, foi enterrado num caixote improvisado de madeira de entulho que lhe arranjaram às pressas, pelo temor de que, se fosse para a cova rasa embrulhado num lençol velho, resolvesse voltar para assombrar os viventes.

A verdade, porém, é que Juan de Urtiaga, depois de morto, angariou um prestígio que jamais tivera em vida, sendo invocado, de início, nos terreiros e congás, como uma entidade de temíveis poderes, que levaram à loucura alguns médiuns desavisados que ousaram incorporá-lo e acabaram se atirando de um penhasco para o abismo sem fundo que delimitava um dos extremos do povoado, numa espécie de reprise do episódio bíblico da vara de porcos endemoninhados que, desatinados, se lançaram de um despenhadeiro para a morte.

De sorte que nas preces e exortações que lhe dirigiam com pedidos de luz para sua alma atormentada, seu nome de batismo deixou de ser declinado, passando a ser respeitosamente designado como o Guardião das Águas Paradas, de quem esperavam as benesses de seus misteriosos prodígios.

Nascera órfão de pai ignorado e mãe anônima que o depositara, como nos clichês dos folhetins antigos, na calada de uma noite tormentosa de inverno, defronte à porta da igrejinha do povoado de Urtiaga, um lugarejo sem registro no mapa, formado por um arruamento de modestas casas de porta e janela e pelo prédio maltratado da prefeitura que também abrigava, nos fundos, a dependência policial com sua única cela, onde os poucos bêbados do lugar curtiam sua ressaca. Esse vilarejo esquecido de Deus limitava-se de um lado pela escarpa pedregosa de vegetação rasteira e plantas venenosas e de outro por um pântano de fétidos miasmas deletérios.

O recém-nascido e futuro Juan de la Concepción Joaquin Esteban Fradique de Urtiaga foi recolhido de manhã pelo pároco da aldeia, de quem se dizia que fora, certa vez, visto com um halo de santidade pairando sobre sua cabeça, durante a procissão do dia da Ascensão do Senhor.

Quanto ao nome que recebera na pia batismal, as opiniões se dividiam entre aqueles que acreditavam tratar-se de um ato piedoso do padre ao atribuir ao enjeitado apelidos de família escolhidos entre aqueles com fumaças de nobreza, enquanto outros, com extrema malícia, achavam que a escolha do padre fora motivada por pura ironia.

Seguindo o destino dos enjeitados, Juan de Urtiaga fora coroinha em menino e sacristão quando trocara as calças curtas de zuarte pelas calças compridas de um tamanho maior, com fundilhos de coar café, arrepanhadas entre as sobras de um bazar de caridade.

─ Ô joão-ninguém do sino, já coou o café do vigário hoje? – motejavam os colegas do colégio público onde aprendera as primeiras letras.

Ele calava diante das piadas e dos insultos de mulher do padre, até que seus olhos, sem que ninguém reparasse, começaram a mudar de cor, adquirindo um aspecto estranho. Então, acontecimentos inusitados se desencadearam, quebrando a rotina movimentada do recreio quando o valentão da turma, depois de provocar Juan de Urtiaga até arrancar gargalhadas e gracejos do resto dos meninos, de repente cagou-se e mijou-se todo, como se tivesse visto algo aterrador em plena luz do dia, empestando o pátio do colégio com uma fedentina tal que tiveram de suspender as aulas por três dias para lavagem de todo o prédio com litros e mais litros de água sanitária e soda cáustica até que o cheiro de merda desaparecesse.

A partir daí, ninguém mais se atreveu a mexer com Juan de Urtiaga, que passou a ser evitado, principalmente pelo valentão da turma que mudava de calçada para não cruzar como ele. Juan até se alegrou com esse isolamento, pois jamais se sentira à vontade na presença dos outros. E já nem pensava mais no assunto, quando começaram os sonhos premonitórios.

E foi assim que acordou em sobressalto, quase caindo do catre em que dormia no quarto de guardados da casa paroquial, por causa da visão clara de onde morava a mãe biológica que jamais conhecera e cujo nome e sobrenome ressoaram em seus ouvidos como um eco de palavras gritadas na nave de uma imensa catedral vazia.

Madrugada ainda, pôs-se a caminho, mastigando um pedaço pão dormido como desjejum, pois o trajeto a percorrer seria longo até chegar ao lugar onde, num casebre de pau-a-pique, morava uma anciã de melenas brancas que lhe caíam até a bainha de uma bata imunda e rota, que fedia como dez gambás.

─ A senhora é Doña Violante de la Anunciación de Roncesvalles – afirmou Juan de Urtiaga mais que perguntou, ante a figura espectral que assomara à porta do casebre, mal refeito da surpresa de haver pronunciado de cor o nome e o sobrenome, até aquele dia completamente ignorados, de sua mãe desnaturada, como se ele fosse um boneco de ventríloquo manipulado por uma entidade invisível.

─ Some daqui, emissário do Belzebu! Quem te mandou? Aposto que foi aquele padre de meia pataca que teima em não arder no fogo inferno. Sabe o que ele anda espalhando por aí? Que sou uma feiticeira. Tudo por inveja das curas das minhas ervas. Parece que tem medo da concorrência, pois as rezas dele só fazem efeito depois que o cristão entrega o corpo à terra.

Sem arredar pé diante dos vitupérios da anciã e debaixo de uma chuva de perdigotos saídos de sua boca desdentada, Juan com uma voz surdinosa sussurrou para a megera:

─ Sou seu filho, mãe.

Nem ele mesmo acreditou nas palavras que escaparam de seus lábios, e teve então a certeza de que definitivamente estava sendo manejado por alguma força alheia à sua própria vontade. Para dramatizar ainda mais aquele instante de absoluta perplexidade e espanto, a mãe, sem dizer palavra, cingiu-o em seus braços esqueléticos.

Juan, passando a viver com sua mãe biológica até então desconhecida, abandonou o ofício de sacristão, e só lhe deram pela falta quando, às seis horas da tarde, o sino do campanário não tocou as badaladas da Ave-Maria, e dizem que desde então grassou um tempo de adversidades que levou à ruína o que restava do povoado.

Sua mãe iniciou-o na arte hermética dos herbanários ancestrais, ensinando-lhe os segredos das ervas curativas dos males do corpo e do espírito e os arcanos proibidos das plantas de amavios e dos filtros de bem-querer e malquerer.

Aos poucos, foi-se operando uma metamorfose quase imperceptível em Juan de Urtiaga cujos olhos passaram a irradiar uma coloração iridescente de rara serenidade e harmonia, enquanto sua mãe rejuvenescia a olhos vistos, adquirindo o porte adelgaçado de uma matrona de traços senhoriais que nada tinha a ver com a aparência tosca do filho que gerara, fruto da imaturidade da adolescência, que mais parecia um boneco talhado a machado sem corte pelas mãos brutais de um lenhador e era a lembrança viva da insensatez que arruinara sua vida. Certa noite, sem nenhum aviso, deixou em silêncio o barraco do pântano, libertando-se para sempre da presença do filho que pela segunda vez renegava.

Foi desse modo, com toda crueldade e bruteza, que o destino golpeou-o mais uma vez, e Juan de la Concepción Joaquin Esteban Fradique de Urtiaga internou-se no pântano, passando a conviver com répteis, serpentes, batráquios, lacraus e toda espécie de animais repulsivos e peçonhentos que constituíam a fauna do pântano e aos quais alimentava com as aves que alvejava com seus olhos mutantes, em pleno voo, até caírem fulminadas.

Seus olhos adquiriram para sempre uma coloração de magma incandescente toda vez que alguma coisa o desgostava. Conta-se que ao morrer, quando suas pálpebras se cerraram, uma primavera súbita fez rebentar em flores o carrascal de cipós, ramagens cortantes como fio navalha e plantas bravas do pântano inóspito e indomável, mas quando, por efeito de um espasmo da musculatura facial, os olhos do defunto reabriram, todas as flores murcharam e nunca mais voltaram a brotar.

Segundo o relato dos moradores mais velhos do povoado, depois da morte de Juan de Urtiaga, insólitos acontecimentos subverteram a rotina do lugar, como a desorientação dos galos que passaram a cantar fora de hora e o delírio dos cães que uivavam nas noites de lua cheia até o raiar do dia, além do absoluto desgoverno das estações do ano, que não ocorriam na época devida, levando à ruína os agricultores que já não sabiam mais quando era chegado o tempo de semear nem o tempo de colher. Ninguém mais teve sossego diante dos desarranjos da natureza, como os aguaceiros torrenciais que, sem aviso, desabavam de um céu inteiramente azul ou das ondas sucessivas de calor seguidas de intenso frio, que ora tocavam as pessoas para a sombra das árvores e dos lugares frescos, ora as faziam tirar do fundo das gavetas velhos cobertores e grossos agasalhos com cheiro de naftalina. Esses descalabros acabaram por infundir o terror entre os nativos e quem podia mudou-se para outros pagos, fugindo da maldição que assombrou o lugarejo. Só permaneceram mesmo, por não terem para onde ir, uns poucos idosos, que assumiram o compromisso de dar testemunho do que ali ocorrera, dentre estes o pároco da igrejinha, que tinha se esquecido de morrer e, pelos registros do batistério, já estava próximo de completar cento e cinquenta anos de idade.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
4/7/2016 às 17h14

 
A PROPÓSITO DE UM POEMA

INFÂNCIA é, a meu ver, um dos mais sublimes textos de revisitação poética do inefável que a literatura pátria já produziu. Vazado numa linguagem metafórica de raros achados imagéticos, onde luz e sombra se contrapõem, harmonizando-se nos contrastes, o poema de PAULO MENDES CAMPOS abre-se em perspectivas inusitadas como num quadro de peregrina beleza.

Seus versos inaugurais nos colocam, de chofre, confrontados com a irreversibilidade do passado, como se o grande poeta, debruçado na janela da imaginação, contemplasse uma paisagem corroída pela ferrugem do tempo, cuja impactante visão lhe toldasse os sentidos, inundando-o de um sentimento de nostalgia, estranhamento e solidão.

“Há muito, arquiteturas corrompidas,

Frustrados amarelos e o carmim

De altas flores à noite se inclinaram

Sobre o peixe cego de um jardim.”

Mas “o carmim de altas flores” nascidas entre as ruínas do que se foi, como que rasgando no horizonte de sépia uma abertura para a luminosidade, torna possível vislumbrar, em miradas caleidoscópicas, um mosaico de cenas fractais, que vão recompondo, aos fragmentos, a magia de um tempo sepultado:

“Velavam o luar da madrugada

Os panos no varal dependurados.

Usávamos mordaças de metal,

Mas os lábios se abriam se beijados.

Coados em noturna claridade,

Na copa, os utensílios de cozinha

Falavam duas vidas diferentes,

Separando da vossa a vida minha.

Meu pai tinha um cavalo e um chicote;

No quintal dava pedra e tangerina;

A noite devolvia o caçador

Com a perna de pau e a carabina.”

E as imagens epifânicas vão-se desatando como num filme, dir-se-ia de Fellini em Amarcord, tal a sua riqueza de formas e o seu inusitado estético, perpassados, contudo, por um hálito de lirismo.

Neste poema de verdadeira arqueologia interior, onde ruínas e escombros ganham vida ao sopro das relembranças, está fortemente presente o sentimento do tempo-eternidade enquanto vida, já de si transeunte e precária. Ou, como diz o poeta:

Um homem é, primeiro, o pranto, o sal,

O mal, o fel, o sol, o mar – o homem.

Só depois surge a sua infância-texto,

Explicação das aves que o comem.

Só depois antes aparece o homem.

A morte é antes, feroz lembrança

Do que aconteceu, e nada mais

Aconteceu; o resto é esperança.”

Percebe-se aqui, nos diversos estratos temporais que se justapõem e sobrepõem, que o poder de transfiguração do real vivenciado na infância, ressurge, vívido, no fraseado metalinguístico do poema, como a significar que, para a criança, tudo é eternidade, não sendo a morte senão uma figura de assombro e pesadelo, como algo imaterial e distante.

Mas o adulto que hospeda o poeta, como todos, é consciente do tempo que se esvai irrecuperavelmente, gerando o sentimento de nostalgia que ecoa nos versos

“ Tínhamos pombas que traziam tardes

Meigas quando voltavam aos pombais;

Voaram para a morte as pombas frágeis

E as tardes não voltaram nunca mais.”

Em sua complexa tessitura intertextual, o tempo situa-se como o epicentro das especulações do poeta e fio condutor da verdadeira maré de relembranças que se sobrepõem em ondas sucessivas no oceano da memória. Esse mesmo tempo cujo fluir Heráclito de Éfeso, muito antes do advento da Era Cristã, argutamente comparou às águas de um rio, que jamais retornam.

A tentativa empreendida pelo poema de reinvenção do calendário pretérito, que vem a propiciar a (re)visão desse tempo trasladado pelos olhos tomados de empréstimo ao menino antigo, acaba por resvalar na realidade presente do adulto, que, como se desperto de um sonho vígil, readquire sua roupagem quotidiana, para desembarcar na realidade do dia a dia que constitui a paisagem existencial onde todos transitamos. É o que se depreende, aliás, da estrofe final do poema, permeada de saudade do já vivido

“Sou restos de um menino que passou.

Sou rastos erradios num caminho

Que não segue, nem volta, que circunda

A escuridão como os braços de um moinho.”

Menos que uma despedida, o que ressuma, entretanto, da estrofe transcrita, é o sentimento de que foi lançada uma ponte de acesso ao território ínvio do inefável, em torno do qual, em última análise, gravitam os corações e mentes daqueles que sonham com a instauração de um hoje circular, em que, transcendendo à sua predestinação ontogênica, pudesse ao menos recriar, em espírito, a sensação de eternidade, patrimônio da infância.

Tal ordem de ideias seria talvez balda de sentido se não estivéssemos tratando de um poema, que é o lugar onde as impossibilidades inexistem e, nas asas das metáforas, fingimos revogar as estreitas fronteiras que limitam nossos passos. Nesse sentido, força é convir que a poesia detém o condão de instaurar um universo próprio, mundo paralelo para o qual volta e meia escapamos para fugir às overdoses de uma realidade cada vez mais difícil de suportar.

Se a poesia, como disse Aristóteles, é a arte da imitação, não sendo o poema nada mais que uma máscara que oculta o vazio, na imagem admirável de Octávio Paz, mimetizando-se como o camaleão que assimila a cor dos lugares onde rasteja, para tornar-se parte deles, esse faz de conta, de tão perfeito no seu disfarce e imitação, acaba assumindo a concretude do real.

Essa acurada percepção de PAULO MENDES CAMPOS é revelada na magistral construção semântica de INFÂNCIA, em cuja estrutura, qual argamassa forte, se fundem os mundos factual e imaginário, cada um com sua linguagem própria, conduzindo o leitor a partilhar e participar dos belos e instigantes achados que constituem, afinal, a quintessência matricial de sua primorosa contextura, simples por princípio, híbrida por natureza e esfíngica por estratégia, engenho e arte.

INFÂNCIA – in: Melhores Poemas, de Paulo Mendes Campos, Global Editora, São Paulo © by Herdeiros de Paulo Mendes Campos

Nossos agradecimentos a Lucia Riff, da Agência Riff, que gentilmente autorizou o uso de estrofes do poema acima nominado, sem o que seria impossível a realização de nosso trabalho.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
3/6/2016 às 16h58

 
Ausente presença

Na serra, anoitece mais cedo. Eu estava ali para curar minha dor, tentar cobrir a perda com o reboco do esquecimento. Todos os dias, fazia o mesmo trajeto: saía do hotelzinho, na verdade uma casa térrea com vários cômodos e um toldo comprido na entrada, descia a Avenida Alberto Braune e a Praça Getúlio Vargas, desembocando na Praça do Suspiro, onde a vista do teleférico e da torre de igrejinha, projetada pelo grande Lúcio Costa, ornava a encosta verdejante. Ia tomar a mesma média diária com pão e manteiga na confeitaria da esquina da Rua General Osório, em frente a um casarão abandonado no meio de um amplo quintal cujos canteiros eram devorados pelo mato. Mergulhava o pão na xícara do café com leite como fazia em criança, ainda ouvindo os ecos da recriminação materna, não faça isso, menino, que é falta de educação! E às vezes me perguntava se de lá onde ela se encontra agora, não estaria repetindo essas palavras que me chegavam articuladas em tempo presente.

Desconheço se é assim com todo mundo, mas sou movido pelo passado. Lembrei-me de uns versos da época em que ainda escrevia poemas:

Moramos no passado

e a roupa do presente

nós vestimos.

Um descompasso

entre o passo de fora

e o de dentro.

Um é espaço

o outro é puro tempo.

Seria isto?

Bem que eu gostaria de viver as coisas de outra maneira, mas que fazer se afinal, como escreveu Fernando Pessoa, cada um cumpre o destino que lhe cumpre. Tenho dúvida se é esta exatamente a frase dele, mas não tenho o livro dele à mão.

Na verdade, quando muito, cheguei a roubar-lhe um beijo. Mas foi uma coisa tão forte que até hoje seu gosto de flor permanece em meus lábios. Chamava-se Dália. Não sei como é o perfume da dália-flor. Só sei de Dália o que com ela se foi. Então bati numa Olivetti portátil estes antigos versos de Cassiano Ricardo: Merecias viver porque eras pura / rosa de um mundo que devia ser teu / porém o mundo não te mereceu /. Os versos estavam lá na parte de cima do espelho do banheiro onde pelas manhãs me barbeava, no apartamento de quarto e sala que aluguei para temporada, numa ruela do Grajaú. Como a memória não me inspira confiança, saí à procura do livro do poeta e finalmente encontrei, em meio à mixórdia de uma pilha de livros que trouxe comigo, a 1ª edição de suas Obras Completas, publicada pela Livraria José Olympio Editora em 1957, onde se lê o Soneto Anônimo cujo último terceto transcrevi.

Até hoje se ignoram as circunstâncias do desaparecimento de Dália. Chegou-se mesmo a cogitar de sequestro ou de rapto, mas como tudo se passou numa época em que esses crimes não frequentavam o vocabulário quotidiano nem a crônica policial, a hipótese foi deixada de lado.

Dela não tenho sequer uma foto. Uma vez tentei descrever para um pintor o seu retrato falado, mas o resultado do esboço saiu tão distante da imagem que eu tinha na memória, que acabei desistindo. É muito duro você perceber que está perdendo aos poucos a lembrança da figura amada. No tempo em que esses fatos sucederam, não existia ainda a internet e nem mesmo o fax... Fotografia só se tirava para fazer carteira. Em preto e branco, tamanho 3x4. As coloridas vieram bem depois.

Dália gostava de livros e de plantas. Lia Cronin com assiduidade. Eu achava graça.

Você está rindo de quê?, ela me perguntava com aquele jeito todo seu, as duas covinhas gêmeas se entremostrando junto com o sorriso.

De nada, ora!

Não seja cínico. Você nunca soube mentir. (Bem que gostaria de dizer-lhe que achava aqueles romances um tanto adocicados para o meu gosto mas isso equivaleria a confessar que havia lido Cronin, e eu não ia dar o braço a torcer).

Dália era uma loura esguia, de olhos azuis e pele muito clara. Tinha uma pintinha acima dos lábios, no lado esquerdo. Eu a achava singularmente bela, sobretudo quando usava rabo de cavalo.

Muitos anos depois, passando por um cinema do shopping serrano, vi o cartaz de um filme policial que evocava seu nome. Quase comprei o ingresso para a sessão que estava prestes a começar.

Vagando outra tarde pelo bairro do Cônego, descobri numa velha loja de artigos diversos e, dentro de um móvel envidraçado, uma coleção original, de capa vermelha, das aventuras de Sherlock Holmes e me detive mergulhado em devaneios tresloucados. E se eu utilizasse as técnicas do famoso detetive britânico para decifrar o misterioso desaparecimento de Dália mais de quarenta anos depois?

Ela se fora sem nenhum aviso. Recordo que uns dez dias após o seu sumiço, fui até a casa onde ela morava com o pai, em Laranjeiras. Bati à porta daquela casa singela sem quintal e um senhor envelhecido me atendeu de pijama. Sua fisionomia desfeita atestava o golpe sofrido. Quando me declarei colega de sua filha, o homem me abraçou, não contendo as lágrimas. Constrangido, aguentei firme, fazendo um tremendo esforço para não chorar também. Depois de refeito, o senhor idoso desculpou-se pelo momento de fraqueza, mas nada soube dizer sobre o paradeiro da filha. Era um pobre viúvo que vivera com a filha única e agora só lhe restava um gato siamês, muda testemunha daquela cena que presenciara refestelado numa poltrona, fixando-me com o olhar hipnótico dos gatos.

Ela saiu normalmente para trabalhar e não voltou mais, disse ele com a voz embargada. Despedi-me em seguida, deixando, dentro da lata de lixo em frente à porta da rua, os restos das primeiras esperanças.

Naquela altura, o peso da perda de Dália ainda não me atingira em toda plenitude. Talvez ela tivesse viajado, perdido a memória ou coisa assim. Agarrado a esse resquício de esperança, eu contava nos dedos os dias de sua ausência, com a sensação de que estava afundando aos poucos nas areias movediças da depressão, até que não me segurei mais e liguei para seu pai, não conseguindo adiar por mais tempo a resposta que temia receber. Do outro lado da linha, ele me disse, num tom grave, que já percorrera os hospitais da cidade, mas nenhuma mulher parecida com a fotografia que mostrara a médicos e enfermeiros fora internada em qualquer deles. Chegara até a ir ao necrotério, acrescentou cheio de horror.

Para onde teria ido, foi pergunta que o velho me fez, mas permaneci em silêncio. Poderia, pensei, estar numa infinidade de lugares: numa praia do Norte ou do Nordeste, no estado de São Paulo ou mesmo em Minas Gerais, ou talvez perdida na floresta da Tijuca, ela que amava tanto as plantas. Viajar para o exterior, seria quase impossível com o seu salário minguado de secretária. Custava-me admitir que já estivesse sob a terra ou mesmo debaixo d’água...

Hoje, passadas mais de quatro décadas, essas indagações ainda me perturbam. Não a sei se viva ou morta. Quem sabe até seja uma avó feliz, cercada pelo carinho dos netos por todos os lados. Todavia esse happy end não cabe no meu roteiro, mais propenso ao realismo cru dos livros e filmes noir. Também não sei se fui correspondido em meu amor. Mas afinal o que vem a ser o amor: uma dádiva ou uma dúvida? Ainda hoje, relembro uma imagem virtual de sua reação àquele beijo único que lhe dei — o que me parece até ser estranho, pois o seu rosto me vai fugindo a cada dia — mas, como dizia, não sei se sua reação foi de surpresa, de espanto ou de secreto prazer. Ela apenas baixou os olhos, dissimulando um sorriso. Estaria achando graça de mim porque, mesmo naquele tempo, beijar como quem furta, cheio de medo, já estava fora de moda? Talvez ela apenas aceitasse minha companhia por comodismo. E por feminina vaidade. Nunca ouvi de seus lábios palavra alguma que insinuasse o tipo de afeto que sentia por mim. Esta é outra pergunta sem resposta.

A ausência de Dália preencheu de vazio minha vida. Não me casei, não deixo descendência. Sigo abraçado à sua saudade. Recolho-me à tardinha quando começa a anoitecer e a friagem desanda a apertar, penetrando os ossos. No inverno da serra, o frio chega mais cedo.

Ayrton Pereira da Silva



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
16/5/2016 às 18h04

 
ARQUITETURA ONÍRICA

Sou engenheiro do nada

a construir no silêncio

lanço mil pontes no vento

construo contos de fada.

Não edifico no espaço

trabalho no vão do tempo

a obra feita de sonho

concreto de pensamento.


Meu labor é organizado

nos moldes tecnicistas

da moderna engenharia.

O bate-estacas martela

em seu compasso pausado

os alicerces da terra

dos sonhos jamais sonhados.

Construo assim meus castelos

de fantasmas povoados

com blocos de fantasia

da pedreira do passado.


A casa de minha infância

perdida de muitos anos

reconstruí na lembrança.

Sou artesão sem enganos.

Ergui a sua estrutura

com artes de arquitetura

de quem refaz raro quadro.

Atento a todo detalhe

fiz-me pintor e pedreiro

e carapina de entalhe.

Edifiquei na memória

fronteira cá dos meus pagos

moldando matéria-prima

das jazidas do passado.


Plantei no meio da sala

um girassol matizado

que marca o tempo sem horas

de um calendário parado.

O cuco é um pardal morto

por estilingue mirim.

Hoje ele guarda em seu posto

O girassol sem jardim.


Na casa de meu segredo

o arvoredo ensombrado

revive na terra o enredo

de seus troncos decepados.

Na casa de minha infância

tudo agora é floração.

Lá outrora fiz meu mundo

para o qual ainda hoje fujo

clandestino no porão.

Então revivo o menino

mago santo peregrino

nos caminhos sem destino

de um reino sem dimensão.


Que importa se na verdade

não mais ela exista não

se foi vendida e ferida

de morte e destruição

mais vale tê-la intangida

no solo da evocação.


Não edifico no espaço

trabalho no vão do tempo

a obra feita de sonho

concreto de pensamento.


Ayrton Pereira da Silva

in Corpo de delito & prosipoemas

Livraria José Olympio Editora, 1982



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Postado por Ayrton Pereira da Silva
9/2/2016 às 11h07

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