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Sábado,
1/6/2019
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A MECÂNICA CELESTE
Aura dos Anjos estranhou não acordar com o canto do galo Dioscórides que invariavelmente aos primeiros albores da manhã exercia, com pontualidade, o ofício que a natureza lhe dera.
Abrindo a janela do quarto, notou que, apesar da hora, a lua continuava boiando, soberana, no alto do céu, absolutamente alheia à tirania dos relógios e às leis da mecânica celeste.
Saiu então apressada para o quintal rumo ao galinheiro, onde, empoleirado, o galo dormia a sono solto, a crista caída, as asas recolhidas.
Ora essa, murmurou com seus botões, já são oito e vinte e o sol ainda não nasceu!
Entregue às suas cismas, quase esbarrou na avó Mariquinhas que, de mortalha arrepanhada, arrancava uns pés de margaridas para fazer seu desjejum.
Vó Mariquinhas, que é que a senhora está fazendo aqui? Seu lugar é lá no cemitério, disse a menina.
Então, com muita paciência, sua avó explicou que nos dias de Lua Cheia os mortos voltavam ao mundo dos vivos para completar tarefas deixadas em meio, e coisas assim. No seu caso, por exemplo, era urgente trocar a mortalha pela roupa luto fechado dos domingos de plenilúnio, pois deixara de assistir à missa quando fora levada para o Além.
Acompanhada pela avó, Aura dos Anjos entrou em casa, acendeu o pavio da lamparina e correu a chamar os pais em seu socorro, mas nem os gritos da menina para que se levantassem; nem os tapinhas que deu nos seus rostos foram suficientes para acordá-los de seu sono de pedra.
Deus meu!, exclamou assombrada, eles estão mortos. E desatou num choro convulsivo.
Não estão não, tranqüilizou-a avó, quer dizer, estão e não estão.
Como assim?, perguntou a neta entre soluços.
É que, nos dias de Lua Plena, quando o sol não nasce cedo, os vivos entram em estado de letargia, pois, do contrário, sua convivência com os mortos acabaria por afetar-lhes a razão. Mas você, minha neta, ainda não está preparada para entender dessas coisas.
Na igreja, onde as imagens estavam cobertas de roxo, o Monsenhor Rezende, ostentado um solidéu desbotado e a estola puída, ainda retirando aos piparotes uns grãos terra da batina apodrecida, iniciara sua prédica do alto do púlpito, quando a avó entrou no templo, onde um punhado de defuntos atentos assistiam ao ofício.
Quando o relógio da torre da igreja ecoou as cinco badaladas da antemanhã do novo dia, o galo Dioscórides, abrindo freneticamente as asas, empinou a crista e soltou seu canto, anunciando o retorno da tirania dos relógios e o restabelecimento das leis da mecânica celeste.
Muito esquisito isso! Quando acordei eram oito e vinte da manhã... Será que o tempo está andando pra trás?, perguntou-se a garota.
A mãe de Aura dos Anjos acordou estremunhada com o canto do galo e apressou-se no preparo do café da manhã, lamentando a ausência da filha, que sempre a poupava daquela tarefa. Felizmente, pensou, o marido ainda dormia, porque, se levantasse com o café ainda por fazer, desataria num destampatório do tamanho do mundo, acusando a mulher de desmazelo e culpando a filha por ter morrido de nó nas tripas depois de devorar uma jaca inteira com caroço e tudo.
Levando a mão à boca para conter um grito de susto, a mãe, que ainda não se habituara a perda filha, deparou-se com o bule fumegante na trempe do fogão de lenha. Depois, firmando-se nas pernas bambas, lembrou com orgulho que a filha era assim mesmo: nunca deixava de fazer o café da manhã. E sua filha mais uma vez preparara o café para a mãe.
Para a avó Mariquinhas, católica fervorosa em vida, ou a menina era dotada de poderes desconhecidos ou estava morta mesmo e seu espírito ainda não de desprendera do lugar em que vivera. Conhecia casos assim em que os mortos agiam como se existissem, repetindo a rotina quotidiana, como rezava a tradição oral de seu povo desde tempos imemoriais.
Era esse o mistério que dava continuidade ao mistério da vida: um mistério dentro de outro mistério, igual àquelas bonecas russas, as chamadas matrioskas, umas dentro das outras e todas dentro de uma só.
Ayrton Pereira da Silva
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Postado por Impressões Digitais
1/6/2019 às 18h01
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Diagnóstico falho
Não Houve Um Surto, Pois Surto Já Sou
A Lucidez, Paz Ou Controle, Sim, São Um Acidente De Percurso
Portanto Abrigo Intacto O Fogo Que Se Abriga Em Mim
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Postado por Metáforas do Zé
24/5/2019 às 12h08
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Manuscrito
O traço como o respiro
conhecem a hora do retorno
Assim como a melodia
cumprem seu compasso
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Postado por Metáforas do Zé
23/5/2019 às 13h21
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Expectativas
Quando se espera por uma coisa acontece o contrário do esperado
E quando me conscientizo disso, efetiva-se o contrário do contrário
E ainda assim, há controvérsias...
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Postado por Metáforas do Zé
23/5/2019 às 10h51
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Poros do devir
Atrás do muro e paredes de livros, enquanto blocos de resmas, suas palavras morrem assim como os ventos
entre quatro paredes
Enquanto búzios e conchas -
os livros - as mesmas palavras ecoam ao serem ventiladas pelos ventos...
As bibliotecas hão de ser translúcidas...
Totens holográficos do universo...
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Postado por Metáforas do Zé
22/5/2019 às 12h30
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Quites
Minha Desgraça É A Expectativa De uma Graça
Nada É De Graça Pois Já És... Ou, Já Somos
Não Lhe Devo Nada Nem Ela, A Natureza, A Mim,
Já Sou Ela E Ela, Eu
Só Nos Resta Sermos Sem Sermões...
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Postado por Metáforas do Zé
22/5/2019 às 11h31
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Pós-graduação
O melhor mestre de meditação é meu cão
pois quando o observo ouço os ventos
Assim, aos ventos me concedo
Eis que os ventos me concebem...
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Postado por Metáforas do Zé
20/5/2019 às 12h38
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Virtuosismo
O Avaro e seu cofrinho
Ocupado em pôr notas,
à tirá-las do instrumento.
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Postado por Metáforas do Zé
16/5/2019 às 13h00
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Evanescência
Na dobra dos ventos a sombra das transparências
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Postado por Metáforas do Zé
16/5/2019 às 12h46
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Um Certo Olhar de Cinema
Passei pela primeira edição do Olhar de Cinema por puro acaso. O filme foi Las Acacias, do diretor argentino Pablo Giorgelli (que também dirigiu Invisível, outro filme que mostra toda sua personalidade em fazer cinema). O interessante é que, por esse acaso ou coincidência, ali eu percebi a importância de festivais como esse de Curitiba. Uma coisa que sempre chamo a atenção em meus textos é o Cinema que temos poucas oportunidades de assistir. Filmes autorais e/ou marginalizados que não recebem a merecida repercussão, tão pouco a quantidade de sessões para que possamos conferí-los na tela grande. Assim como naquela primeira edição, em 2012, o Olhar de Cinema traz filmes inéditos e que já receberam aplausos em festivais fora do país. Esse ano não poderia ser diferente, chegando a sua 8ª edição, o Curitiba Int'l Film Festival promete muita coisa boa em seus 9 dias de evento.
Entre os dias 5 e 13 de junho Curitiba recebe um dos grandes festivais internacionais do país. Com filmes nacionais e internacionais, o evento ainda conta com atividades que vão além da sala de cinema, como bate-papo com a equipe de produção dos filmes e curtas que serão exibidos e debates sobre produção e mercado cinematográfico.
A Mostra Competitiva de Longas traz dez produções inéditas, entre elas as nacionais 'Casa' (da diretora Letícia Simões), filme que explora a relação pessoal entre a diretora e sua mãe, através de entrevistas, testemunhos e cartas, onde Letícia Simões busca transpassar sua geração com simplicidade. Chão (de Camila Freitas), documentário produzido durante quatro anos, onde a diretora acompanhou o cotidiano de um assentamento de Trabalhadores Sem Terra de Goiás, mostrando sua urgência e resistência. E Diz a Ela Que me Viu Chorar (Maíra Buhler), que acompanha um instituto que busca ajudar viciados em crack, caminhando entre o amor, esperança, decepções e sonhos de pessoas que buscam amenizar os danos causados pela droga. Já notamos que o Festival vai explorar visões intimistas de assuntos que precisam chegar a mais pessoas, seja por meio de experiências pessoais dos diretores, ou interpessoal.
Fora isso, ainda serão exibidos 9 curtas na mostra competitiva e mais longas e curtas-metragens nas mostras Novos Olhares e Outros Olhares. Você pode conferir todos os selecionados e a programação no site oficial do Olhar de Cinema, ou no app que já está disponível na AppStore e Google Play.
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Postado por A Lanterna Mágica
15/5/2019 às 21h03
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Julio Daio Borges
Editor
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