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Quinta-feira, 25/8/2016
Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
ANDRÉ LUIZ ALVEZ
 
O homem nu

Era um homem honrado.

Trabalhou com afinco, estudou até se formar.

Só então se casou, na paz dos homens de bem.

Os pilequinhos de fins de semana faziam seu corpo arrepiar ao perceber que era o orgulho dos pais, modelo para os amigos, exemplo para os filhos.

Em todas as discussões, era o último a falar, ponderado.

Afirmava, envolto numa aura de bondade, que seus conselhos eram simples e fáceis de ser seguidos.

Apegado à religião, tinha sempre pronta uma frase bíblica para exemplificar o seu pensar.

Temia a Deus e acreditava na justiça dos homens.

Mas esse homem bom, esse brasileiro repleto de virtudes, trazia escondido alguns defeitos.

De repente danou a versar sobre política, afirmando que precisava dar a sua parcela de contribuição.

Quando preencheu a ficha de filiação ao partido político, um risco de arrepio tomou conta do seu corpo, mas foi adiante.

Vestido de candidato caminhou pela cidade, os sapatos ficaram gastos, a pele ressecou, o bigode e as pontas dos poucos cabelos precisaram de tinta.

De repente, já não rezava antes de dormir.

Comprou dois pares de terno, vestia um a cada dia, desconsiderando o desconforto, se acostumando aos poucos com a distância da antiga bermuda, a camisa folgada, o par de chinelos.

E foram tantos os apertos de mãos que logo o gesto se tornou costume.

Não percebeu quando passou a olhar o frentista nos olhos, nem notou que o vizinho era solitário, mas sentiu prazer ao perceber que aquele tio, distante e velho, dele se lembrava com riqueza de detalhes.

Logo seu riso começou a tornar-se falso.

Não sabia que tinha tantos parentes, nem mesmo que os amigos lhe eram gratos pelo passado de hombridade.

A foto no santinho não tinha rugas, o brilho mascarado, azul ao fundo, obscura pelos pensamentos.

Foi eleito raspando, graças aos votos de outro candidato, um ser desprezível que tinha dinheiro.

Quando deu por si já possuía dezoito pares de ternos, fez implante nos cabelos e raspou o bigode.

Tentou ser um político honesto, mas foi ligeiramente tragado pelo sistema.

Alguém lá atrás avisou sobre o sistema.

Rasgou sem pudor o que antes chamava de ideologia, ao povo deu bananas, se importava apenas em cumprir as ordens do grande chefe.

Era outro homem, quase rico, quase dono de todas as coisas que sempre almejou.

Quando a primeira nota de jornal denunciou as falcatruas, não recuou, pensou sinceramente que era um ataque da oposição, que havia feito um trabalho bom o suficiente para tentar a reeleição.

E afrouxou os botões da camisa.

Não conseguia mais encarar o rosto da mulher, a companheira já não era cúmplice, mas uma estranha que lhe cobrava com olhares muito mais que palavras.

As denuncias cresceram e logo as algemas tomaram lugar da pulseira de ouro.

No dia que saiu da prisão, conseguiu reunir todos os filhos.

Quando abriu a porta do restaurante, foi saudado por olhares inquisidores, a fogueira que ardia em cada canto do lugar.

Só então se sentiu despido.

Estava nu e todos os olhos apontavam suas partes pudendas, que em vão tentava esconder.

Saiu sem se despedir, se juntando aos outros que limpavam o ranho das crianças pobres, ciente que não estava só.

Pelas ruas da cidade, as calçadas estão repletas de homens nus.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
25/8/2016 às 15h32

 
O lado oculto da lua

Ontem, ao cair da tarde, percebi que a lua sorria no céu.

Lua não combina com o dia, é amiga da noite, fica estranha quando aparece durante o dia.

Diante da surpresa ao contemplar a inesperada aparição da lua naquele horário, várias luas surgiram no meu pensamento.

Nunca usei drogas, mas adoro olhar o universo em noites de lua cheia e com ela me entorpecer.

A lua é a minha cocaína.

Certa vez, um velho índio me contou que Tupã criou Jaci para iluminar a escuridão enquanto Guaraci dormia, mas não contava fazer algo tão belo, de um tanto que acabou ele mesmo se apaixonando pela própria criação.

Acontece, porém, que Jaci se deixou fascinar pelos encantos de Guaraci.

Com medo de causar ira a Tupã, refugiou-se na noite e de lá só sai em dia como o de ontem, num passeio de lua nova, efêmero e na forma de um belo sorriso, tão cativante que a todos causa encantos.

Em mim, provoca o irresistível desejo de uivar.

Penso isso e um riso interior me invade, um riso pra dentro, daqueles que só nós entendemos, ao lembrar que quando era novo, costumava uivar para a lua.

Fazia isso quando a festa acabava e as luzes da rua aos poucos se confundiam com o raiar de um novo dia, mas ela ainda estava lá, pairando acima das nossas cabeças juvenis e então eu uivava, nem sei o porquê, talvez para divertir os amigos, porque uivar para a lua era a única coisa que um jovem estranho como eu poderia ousar fazer antes de dormir ou então, simplesmente, era o começo da loucura.

E agora lá estava ela, sorrindo para a terra, do lado direito, aos poucos se aproximando do sol.

Num instante lúdico, imaginei Jaci flertando novamente com Guaraci, e tive pena de Tupã.

É que além de fases, a lua tem seu lado oculto.

E é exatamente esse lado oculto, repleto de segredos, que me atrai.

Adoro desvendar mistérios.

Já mostraram o lado oculto da lua em fotos, mas não acredito naquelas fotos, prefiro a fantasia de um lugar inóspito, inexplorado e repleto de segredos.

O que será que existe por lá?

Gente, deuses, quem sabe um jardim secreto, de cujas árvores despenquem frutos proibidos.

Que tolice a minha, imaginar um jardim secreto num lugar que não bate o sol.

De certo não há crateras no lado oculto da lua, há vazios, mares desertos e coisas que nem sabemos o nome, porque estão acima do nosso poder de compreensão.

Encarei novamente a lua e o vento soprou forte e frio, como se fosse um lamento, enquanto ela prosseguia em busca do sol, se encaixando aos poucos entre duas nuvens que caiam na serenidade do horizonte.

Jaci, Guaraci, pobre Tupã.

Compreendi afinal que somente diante daquele lunar sorriso que consigo ouvir o sopro do vento, que logo se transforma numa canção antiga, tão antiga que nem me lembrava mais, mas que agora me invade, sugerindo frases e mais frases, que vou juntando até formar algumas estrofes, que não rimam, mas se abraçam.

E de novo sinto vontade de soltar um uivo, tresloucado e oblíquo, grito de um lobo insano, que tenta em vão buscar o lado oculto da lua.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
6/8/2016 às 19h04

 
O chato

Andava muito nervoso naquele ano, que muitos só se lembram de setembro, quando as torres gêmeas caíram.

Nada dava certo e os planos desmoronavam.

Assim como na canção da Cássia Eller, eu trocava cheques para sobreviver.

Num dia que uma chuva repentina me pegou, e me fez perceber que meus sapatos estavam furados, ao procurar abrigo num ponto de ônibus, dei de cara com aquele rosto ligeiramente conhecido, que se abriu em contentamentos.

Tentei recuar, mas os pingos da chuva foram mais fortes.

Um aperto de mãos, leve de minha parte, dele entusiasmada de um tanto que quase me quebrou um dedo. Meus olhos cerraram e se abriram várias vezes em torno da sua figura, tentando lembrar o seu nome.

Nunca fomos próximos, ainda assim, ele danou a falar do seu casamento, que não deu certo, porque a Rosinha – e eu tive que mentir que conhecia a Rosinha, mesmo que depois de todas as descrições eu continuasse a pensar na namorada do Chico Bento – queria riquezas que ele não podia lhe dar, mas que resultou na garota tímida, do rosto redondo e cabelos mal penteados, que naquele instante tentava se esconder no meio das suas pernas.

Contou também do desemprego, da falta de oportunidades para um profissional como ele – motorista, pintor, garçom, algo assim, não sei definir ao certo -.

O arco Iris no horizonte foi a desculpa que eu precisava para me despedir.

Na saída, o convidei para aparecer na minha casa um dia qualquer, dessas coisas que a gente fala mais por educação e cordialidade do que sinceridade.

Quando alguém bateu palmas no portão de casa no domingo pela manhã, sequer me preocupei em trocar a roupa de mendigo que costumo vestir nos finais de semana.

Pensei se tratar de algum religioso, que eu ouviria sem escutar, fingiria ler o panfleto e logo o despacharia.

Para minha surpresa, era ele, vestido com a mesma calça e camisa da última vez, sorrindo enquanto tentava equilibrar a filha no meio das pernas.

Ele entrou e fiquei com raiva do meu cachorro, que balançou o rabo, todo contente, quando ele passou as mãos na sua cabeça.

E danou a falar da ingratidão da Rosinha, o corpo aos poucos se esparramando pelo sofá, sem se importar com o tédio da filha, e eu só pensava no que faria para arranjar um cheque emprestado para trocar no dia seguinte.

Para disfarçar, servi um vinho cheirando a vinagre, que estava jogado na geladeira desde o último natal.

Bebemos e o álcool relaxou meus pensamentos, as contas a pagar aos poucos foram se apagando.

A bebida acabou no exato instante que ele recordou de um jogo do Operário, de um gol de letra do Arthuzinho e eu comecei a considerar razoável aquela nossa conversa.

O gosto do vinho nos cantos da boca foi o combustível para comprar fiado cinco cervejas e, de repente, o chato já era meu melhor amigo.

Rimos, quase choramos, recordamos de tudo um pouco, dos outros vizinhos e de namoradas que inventamos, porque sequer sabiam da nossa existência e até afirmamos que “no nosso tempo”, o ar era mais puro.

”Tem aí um violão?” perguntou e eu respondi faceiro que o vizinho tinha e fui lá buscar, enfrentando a cara feia do vizinho, que era um chato que também não gostava de visitas sem avisar e se vestia de mendigo aos domingos, mas que gostou da idéia de ouvir violão, se auto convidou, levando junto uma garrafa de 51 e uma penca de limões.

Vinho, cerveja e caipirinha.

Naqueles tempos eu bebia sem apagar, hoje, só de lembrar, sinto náuseas.

O amigo chato tocou violão e cantou maravilhosamente, um pouco de MPB, um tanto de sertanejo de raiz, e o dia passou tão ligeiro que nem percebemos.

Quando ele foi embora, acompanhei seu vulto virando à esquina, um tanto trôpego, as mãos que dançavam pelas costas da filha.

Controlei a custos o impulso de correr até ele, perguntar-lhe o nome e pedir para que voltasse outra vez.

Mas fiquei preso ao meu silêncio, à minha falta de ternura, restando apenas essa lembrança, que traduzo num suspiro dolorido, que me deixa melancólico, tomado pela certeza que fui um completo chato e insensível naquele difícil ano de 2001.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
23/7/2016 às 15h46

 
Cadê os meus óculos?

Pouco antes de começar a escrever esse texto, perdi cerca de cinco minutos à procura dos meus óculos, até perceber que o danado estava grudado por sobre a minha cabeça.

Impressionante o tanto que me tornei escravo desse simples objeto.

Dessas coisas que o passar do tempo me faz aborrecer; pressão alta, diabetes, esquecimentos, nada me incomoda mais do que a lenta perda da visão.

Não faz muito tempo que sou dependente do uso de óculos, cinco ou seis anos, a minha deficiência é pequena, menos de dois graus, e uso apenas para enxergar o que está perto.

É mal tão indesejado que tem o terrível nome de presbiopia, ou simplesmente vista cansada.

Ironicamente vejo perfeitamente o que está longe, mas não consigo enxergar a um palmo do nariz.

Na ânsia de por fim a esse pesadelo, comprei na farmácia cinco pares de óculos, que espalhei por diversos locais; a mesa de trabalho, a cabeceira da cama, o console do carro, no banheiro, acima da tevê e resisti bravamente à vontade de deixar um na porta da geladeira, que sempre abro, às vezes apenas por abrir, mas que me pareceu um lugar lógico para guardar tão precioso objeto.

Não tardou uma semana para perder os cinco.

Estou sempre com a interrogação na ponta da língua: cadê os meus óculos?

De um modo automático, sem perceber, coloco os óculos presos acima da cabeça e fico parecido a um inseto dos olhos tortos.

Sim, já pensei em cirurgia, mas tenho medo de cortes na carne, pensei em lentes de contato, mas me apavora imaginar a dependência de colírios, fora que não conseguirei acertar os pingos nas vista e isso irá me atormentar ainda mais que procurar os óculos, além, é claro, da certeza pujante que perderei as lentes logo nas primeiras semanas.

Eu já dormi usando óculos, porque preciso deles apenas para leituras e não consigo pegar no sono sem antes ler.

Também já tive um sonho esquisito, no qual estou usando óculos e, do nada, surge um bandido, daqueles dos quadrinhos, vestido de riscado e com tiras nos olhos, tão empolgado que desprezou meu carro e o dinheiro, e saiu em disparada, sorrindo enlouquecido, levando nas mãos apenas meus óculos, porque não visava lucros ou fortunas, era apenas um quase cego feito eu.

Para acrescer o sofrimento, as lentes dos meus óculos vivem embaçadas.

Não há solução no mundo capaz de deixá-las limpas.

E se você também usa óculos, tome cuidado ao chegar perto de mim.

É que de tanto limpar o meu, acabei pegando o irresistível costume de acusar o embaçar dos óculos alheios, faço isso numa naturalidade comovente, como uma criança que se depara com o brinquedo quebrado nos braços de outra criança.

E se a pessoa é um amigo ou parente, não resisto em apanhar seus óculos e limpar com esmero, na ponta da camisa ou em qualquer fiapo de pano que estiver ao alcance.

Agora, enquanto limpo novamente as lentes embaçadas, me pego pensando se não ficaria muito cafona se eu usasse aquelas cordinhas que amarram os óculos em volta do pescoço, conformado que, sem isso, estou condenado a viver eternamente com eles levantados acima da cabeça.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
9/7/2016 às 13h41

 
A estátua viva

E de repente vejo um anjo, em pleno calçadão da Avenida Barão do Rio Branco, reluzente, de pé num pedestal rústico.

É uma artista de rua na performance de estátua viva.

Toda arte me atrai como que por encanto, assim, quando dei por mim, estava bem perto dela; uma moça morena, da pele fina, o nariz arrebitado e dos cabelos negros, da mesma cor que imaginei que seriam seus olhos fechados, calados, rijos feito rocha.

Uma estátua de anjo.

Para chegar perto sem levantar suspeitas, comprei um churros do doceiro ao lado, que fingi comer, queria mesmo era admirar a artista.

Ela não se mexia, não piscava e tive a sensação que não respirava, apenas existia, sob o fardo do silêncio, indiferente ao movimento de carros e pessoas.

O churros escorreu pelos meus dedos quando um sonho delirante atravessou minha mente: E se eu fosse aquela estátua viva?

Não pude evitar. No instante seguinte me peguei fechando os olhos, incorporando aos poucos a estátua, dominado pelo silêncio, permitindo ao corpo levitar.

Já tive desses delírios, sonhei que era um pássaro, das asas de Ícaro, que derreteu num dia que nem tinha sol.

Respiro lento enquanto a lembrança de uma brincadeira de criança me invade, vaca amarela pulou a janela, quem falar primeiro comeu a bosta dela, e fico quieto, num completo silêncio que nunca enfrentei, nem mesmo os passos nas calçadas escuto mais, os carros que passam são imagens amorfas, o meu sangue esfria, consigo sentir a pele congelar.

Um cachorro vadio caminha por perto, meus olhos estão fechados, mas sinto seu cheiro de cachorro molhado e me invade uma vontade imensa de espirrar, que a custos consigo controlar.

Duas moças se aproximam fazendo algazarra, uma quer se mostrar mais feliz que a outra, apontam na minha direção, sorriem da plenitude de meu rosto de pedra.

A moça mais alta tenta tocar em mim, mas desiste no instante final, levada pelo medo da minha reação.

Elas se distraem com a capa de uma revista, suspiro num alívio que logo termina; um menino magrelo surge de repente, escapando das mãos da mãe descuidada.

Do restinho de visão que entra pela fresta dos meus olhos, percebi que era um moleque travesso.

Ameaçou chutar minha canela.

Regurgitei todos os meus medos, pensei, vaca amarela...

Num movimento brusco, a mãe puxa as mãos do menino e o leva para longe.

Não tenho tempo para alívios, uma coceira me atinge embaixo da axila, logo ali, que agora tenho asas, a vontade de mexer e me coçar é tanta que...

Vaca amarela pulou a janela, quem coçar primeiro comeu a bosta dela...

O doceiro pergunta se quero outro churros e me retira daquele devaneio.

O céu já não é cinza, a luz caminha aos poucos na escuridão

Encarei a artista com olhos carregados de aplausos e depositei cinco reais aos seus pés.

Ela então se movimenta, muda de posição e sorri de leve, um riso puro, repleto de enigmas.

Atravessei a rua enquanto os raios do sol rasgavam os edifícios e os solavancos da cidade mostravam o concreto pulsante, a vida aos poucos voltando ao normal.

No entanto, há o lírico sorriso da estátua viva, tão enigmático que chego a pensar que era mesmo o sorriso de um anjo.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
25/6/2016 às 20h38

 
No inspiration

Na manhã fria desse sábado de junho, por vários minutos tentei tocar algum tema no teclado, sem sucesso.

Surgiram idéias, que me escaparam entre os dedos.

O frio me deixa sem inspiração.

Affonso Romano de Sant'Anna diz que o cronista é um escritor crônico, e como tal, atravessa o tempo em busca do seu “eu”.

Acontece comigo que o tempo simplesmente para quando está frio.

Tudo o que eu quero em dias assim é deitar confortavelmente numa cama e assistir filmes, até cair no cochilo, acordar de repente, quando o filme já caminhou vários minutos, tentar entender a história e, sem sentir, dormir novamente.

Tai um bom assunto, que vou deixar para outra crônica, porque acabo de descobrir que não sentir inspiração é uma ótima inspiração.

Volto a encarar o monitor, quieto, calado, quase uma estátua de gelo.

Recentemente ouvi alguém dizer “fumos fidalgos”, em referência ao Dom Casmurro de Machado de Assis.

Fui buscar o significado e descobri que é quando alguém se envaidece com o título de nobreza.

Eu, barão? Acho que não levo jeito.

Num repente, senti vontade de falar daquilo que não dou a mínima, como a fórmula de bhaskara, que sofri feito um pobre diabo para entendê-la nos meus tempos de estudante, mas que nunca a usei para absolutamente nada.

Ou então versar sobre silêncios, noites, anotar o inexprimível, fixar vertigens e só lá no fim contar que é de autoria de Rimbaud.

Apanho no ar perguntas tolas, o que é mais antigo, aveia Quaker ou emulsão de Scott? Qual o nome do cantor de nuvem passageira? Será que Torquemada sentia frio quando acendia a fogueira?

Nada faz sentido.

Até o título dessa crônica troquei diversas vezes e no final acabei optando por este em inglês.

Sem querer, acabo imitando John Lennon quando compôs “I Am The Walrus”, que ele tinha três canções em mente, não conseguia terminar nenhuma, juntou todas numa só e conseguiu a melodia perfeita, embora a letra seja totalmente sem sentido.

Uiva o vento frio e penso apanhar alguma coisa no azul, minha cor predileta, que me provoca inspirações, nela já me apanhei contemplando o céu e desenhando bichos nas nuvens, também já a tive na roupa dependurada no varal e num enorme navio que só conheço em pensamentos, tudo azul, que foram suficientes para me permitir envolver pelo ruído do teclado, escrevendo frases soltas no meu cérebro, um encaixe, um personagem, a bola que atravessa a rua e faz o carro parar, com medo que uma criança atravesse, provocando espanto logo depois, ao perceber que é a figura de um adulto que corre atrás da bola azul.

E agora me deu vontade de comer polenta.

Passou rápido, porque lembrei que na geladeira tem um pedaço de pudim de ontem, vou lá pegar, antes, porém, preciso mudar a faixa do youtube, que me deixou incomodado essa música do Roberto Carlos, “se outro cabeludo aparecer na sua rua...”, que nada tem a ver comigo.

Na volta desprezarei o frio e fixarei meus olhos no ponto final, sem fumos fidalgos, apenas o aperto brusco do desligar das tomadas.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
11/6/2016 às 15h43

 
Arroz com rapa

No atropelo do dia que caminha para a metade, entre carros apressados e motos atabalhoadas, eis que de repente, do restaurante da esquina, sinto escapar o inconfundível cheiro de alho fritando no óleo, atingindo em cheio o meu nariz, fazendo meu rosto erguer para cima, de olhos fechados, tentando a todo custo pegar nas mãos aquele cheiro delicioso, como se sólido fosse.

A pessoa do carro ao lado olha para mim de um jeito estranho, mas não ligo.

No deslumbre daquele instante, visualizei na mente a fumaça subindo da panela de arroz, quentinho e saboroso.

Adoro arroz.

É sabido que tenho várias idades, e que muitas vezes, no assombro causado por algum detalhe, como esse cheiro de agora, me remeto a outros lugares.

Assim, abriu-se novamente aquele súbito espelho do passado, fui lá atrás, na mocidade, nas asas daquele cheiro que muito se assemelha ao que saía da velha panela de ferro na qual minha mãe cozinhava.

Imaginei que no fundo da panela tinha rapa e cheguei a sentir o gosto, porque o arroz da minha mãe tem esse ingrediente especial, lá no fundo, bastando remexer a colher e com leves batidas trazer ao prato a rapa do arroz.

E dona Dalva jogava por cima ovo frito, tomate com alface, misturados com pedaços de carne frita.

Não existe comida melhor que aquela.

Comidinha de mãe é sem igual, já reparei que quando a Graziela consegue tempo pra cozinhar, nossas crianças comem feitos ursos que despertam da hibernação.

Recentemente tive problemas com o diabetes e descobri, incrédulo, que arroz produz açúcar e, portanto, só poderia comer no máximo duas colheres de arroz.

Mas nunca fui apegado a regras, continuo comendo a porção que meu apetite pede, depois faço caminhada e compenso, com sacrifício, o exagero.

Não me canso de contar que o prato mais saboroso que experimentei na vida foi um arroz carreteiro, feito na hora, pelo ponteiro da comitiva, numa fazenda na região da ponte do grego, depois de um dia cruzando a estrada, imaginando que a fazenda fosse perto, mas que a viagem durou mais horas que o imaginado.

Cheguei a engasgar, tirando risos dos rostos pantaneiros ao meu lado.

Foi um tantinho melhor do que aquele dos tempos da faculdade, que varei o dia estudando e nada comi o dia todo.

Quando cheguei em casa, encontrei o arroz da minha mãe, enegrecido pela rapa, que juntei a um ovo frito e comi como se fosse a última refeição, na própria panela, que raspei, raspei e raspei até ficar com o fundo brilhando.

Eu sei que minha mãe faz arroz com rapa todos os dias, mas estou sempre correndo contra o relógio, sem tempo para essas coisas raras e belas que a vida me concede e delas me desfaço com singelas desculpas.

Talvez domingo... - penso breve - e logo volto a atenção para o volante do carro, enquanto o cheiro vai se esvaindo pela rua na qual atravessa o povo apressado de sempre, e eu , pobre de mim, só queria mesmo um prato de arroz, esfumaçante, saboroso e com rapa, daquele jeito que só a minha mãe sabe fazer.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
28/5/2016 às 20h22

 
Filme em preto e branco

Pertenço a uma sociedade secreta que adora filmes em preto e branco.

Não vou contar detalhes, como disse, é uma sociedade secreta.

Mas posso dizer que quando chove, estico os ossos no sofá logo depois de esquentar uma caneca de leite com chocolate para ver na TV filmes em preto e branco que tenho gravado.

As opções são tantas que fico um bom tempo zapeando com o controle remoto, em busca de um daqueles de neve caindo na aba do chapéu do mocinho, que pisca o olho, desviando a fumaça do cigarro que sobe, inibindo de vez a desavisada mocinha, que tão ingênua e recatada (que palavra horrível!), recolhe o corpo num aperto de ombros.

Filme antigo é cativante até no título: O homem que matou o facínora, Como era verde o meu vale, Psicose, Cidadão Kane, A felicidade não se compra...

Não assisto mais TV aberta, cansei, dei um basta.

E isso já tem um bom tempo.

Dias desses vi a Tássia Camargo numa manifestação política e custei a reconhecê-la.

O tempo passa e nem percebemos.

Ainda ontem (na verdade, muitos anos atrás) Tássia era uma das estrelas das novelas, linda, meiga e recatada (de novo essa palavra horrível!).

Sinal que envelhecemos.

Chuva, filme antigo, sono...

Deixo meus pés roçarem um vaso de flores num canto da sala, o reflexo é de cores que aos poucos se mistura em meus olhos ao preto e branco da TV.

O copo de leite com chocolate esfria e repousa mansamente entre meus dedos, à espera que o sol volte, mas sem nenhuma pressa, os olhos presos na beleza de Scarlett O'hara, mais precisamente nos olhos de Scarlett, verdes ou azuis, nunca soube ao certo, muito embora esse seja um filme colorido.

No final a câmera se aproxima aos poucos, registra o beijo final, a dama entregue, os lábios oferecidos e um dos braços caído rumo ao chão, como quem desfalece.

O mocinho é de uma postura de pedra.

Um pensamento bobo me assoma, será que ele vai apressar o beijo na ânsia de acender outro cigarro?

Fim de filme.

O preto e branco nos meus olhos vai dando lugar às cores do mundo real.

Ao desligar a TV, dou de cara com os pingos da chuva batendo na janela.

Ninguém lá fora, só o vento, a escuridão e a água que cai.

A cena escancara na minha mente uma frase do Fernando Pessoa: “ Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta".

Pessoa me remete a livros, mais ainda, à vontade de ler, e saio procurando um romance que comprei tempos atrás e não terminei de ler, que nem sei mais o título, mas sei que na capa tem flores e ventos.

Que chato procurar um livro e não encontrá-lo, fica aquele sentimento estranho de perda, amparado pela dúvida, será que emprestei e não me foi devolvido? Não sei.

A chuva insiste, prendendo-me quieto num canto, bebendo o que resta de leite com chocolate, frio, quase gelado, contemplando o silêncio, os olhos pousados no vaso de flores das pétalas murchas pelo tempo, que já não exala perfumes, mas é quase tão maravilhoso quanto um filme em preto e branco.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
16/5/2016 às 12h29

 
Cabeça de Boi

Cair da tarde de um dia frio.

Olhando de cima, entre as telhas de barro do Cabreúva, a cidade vai perdendo a cor, invadida aos poucos pela escuridão da noite.

Fins de dias de outono me causam uma batida rápida de melancolia.

Esfrego os olhos e sigo andando.

Um bando de meninos fuma maconha, nem liga para o meu passar ligeiro.

Pedaços de trilhos da antiga estrada de ferro brotam do chão, somem depois, invadidos pelo progresso.

Sinto cheiro do passado sempre que ando pela Orla.

Naqueles trilhos sepultados pela grama, percorre uma parte de mim que insisto desconhecer.

Meu avô morreu logo ali na frente, morte estranha, atropelado pela litorina, num dia de carnaval e chuva.

Pouco conheci o meu pai, que direi do meu avô, que dele só sei essa história?

Dos fundos do Colégio Estadual um casal se aproxima de mim, que paro, um sorriso armado no rosto, contente pelo breve descanso.

Os dois chegam bem perto, os olhos tão azuis que cegam.

A moça fala um francês ligeiro e eu balanço a cabeça.

Inglês até arranho, mas nada compreendo do idioma de Sartre.

Não é lindo falar fazendo biquinho? Como esse povo consegue ser tão bonito?

O rapaz arrisca num portunhol frases desconexas, “cabeça de boi”, foi a única que compreendi.

Eu sou nascido e criado em Campo Grande, claro que sei onde fica a cabeça de boi.

Peço que me sigam, é ali perto, tento me fazer compreender com sinais e falando um português nasalado, um estranho sotaque que inventei na hora, nem sei ao certo o porquê, talvez tentando misturar francês com castelhano.

Nunca senti tanta vontade de saber falar francês.

Eu queria contar ao casal de turista que exatamente ali, onde hoje está erguido o monumento em ferro de uma cabeça de boi, nos primórdios dos tempos da minha cidade, antes mesmo das construções dos quartéis, era um matadouro de encontro das boiadas que vinham das fazendas.

Para marcar o lugar, entre as bicas d’água e trilheiros da mata, alguém teve a idéia de erguer uma cabeça de boi na ponta de uma árvore gigantesca, que dava para ser vista de longe, que do resto a poeira da boiada ajudava, não tinha como errar.

O lugar exala história, faz meus olhos atravessar o tempo, enxergar os homens de chapéu de abas largas apeando dos cavalos, a camisa surrada, as calças revestidas por cinturão de couro, o grito da boiada, o cheiro misturado de bosta de vaca com grama molhada e o longo som do berrante.

Os franceses não entendem o estranho brilho que escapa do meu rosto.

Na despedida, apenas um aceno.

Tive vontade de falar o nome de uma canção francesa que sei pronunciar sem erros, “Ne me quitte pass”, só pra impressionar, mas não tive coragem, com medo que a tradução, que desconheço, fosse deselegante ou algo assim.

A noite caí de vez enquanto corto caminho pelas casas de militares, absorto entre os católicos que caminham rumo à catedral do Perpétuo Socorro, lugar sagrado no qual oram todas as quartas-feiras.

Na cabeça outra canção francesa ganha vida, sigo cantando baixinho “j´avais dessiné, sur Le sable, son doux visage, qui me souriait...”

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
1/5/2016 às 20h38

 
Morro de medo de morrer

A moça à minha frente na fila do cinema carrega nas costas uma enorme tatuagem de águia.

Coisa bonita de se ver, as asas abertas num tom que escapa do branco até o negro, adornada por ligeiros realces cinza, os olhos vermelhos, o enorme bico dourado, resultando num excelente trabalho artístico.

De repente, um estranho vento frio soprou no meu rosto, como se fosse um aviso, uma espécie de lembrete, que aquela imagem tentava me lembrar alguma coisa, mas que na hora não consegui identificar.

Eu já quis fazer tatuagem, mas foi maior o medo da dor, o risco de ficar feio e não poder apagar.

Detesto sentir medo, mas sinto.

Tenho medo de dentista, de cachorro brabo, da solidão, de ratos, de raios, da enxurrada da chuva que pode me arrastar, medos pequenos se comparados ao medo de morrer, que é o maior de todos os medos.

Minha mãe tinha um sono letárgico, o mesmo que eu tenho agora, ligeiro, mas pesado.

Quando criança, eu passava longos minutos observando ela dormir, com medo que parasse de respirar.

Dizem que choramos ao nascer porque naquele exato instante nos damos conta da existência, e sentimos pela primeira vez o gosto do ar, que provoca dor nos pulmões.

Então, apavorados, percebemos o mundo vivo em volta e o primeiro pensamento que nos ocorre é que um dia aquele suspiro terá fim.

Num dia de frio tardio de setembro, um senhor, sempre muito calado e inacessível, que vivia perambulando pelas ruas do Guanandi, apareceu morto, deitado na calçada, ao lado de uma garrafa de cachaça; os olhos abertos, mas sem vida, um sorriso estranho no rosto, como se no último instante, quando a vida lhe escapava, os raros bons momentos pelas quais passou durante a vida errante, desfilassem diante dele.

Foi o primeiro morto que vi.

Meu cachorro Ringo morreu logo depois.

Jogamos seu corpo sem vida num trilheiro de mata perto de casa e eu ia lá todos os dias para ver se algum milagre acontecia, na esperança de criança que ele de repente voltasse a viver, vez que dentro da minha cabeça, permanecia vivo o eco dos seus latidos, já me acostumando com o cheiro da carniça e nem ligando para a decomposição do corpo magro, que antes era cheio de vida e que todos os dias latia de felicidades só de me ver.

E ao lembrar disso, recordei que a imagem que me lembrava a tatuagem nas costas da garota na fila do cinema, vinha de um pássaro que devorava a carcaça do meu cachorro.

Não era uma águia como na tatuagem da moça, talvez um carcará ou algo assim, mas a sua figura majestosa, das garras afiadas que escorregavam na carne podre do meu cachorro morto e o som que escapava de seu bico afiado, ficaram guardadas num canto da minha memória para nunca mais sair, tal e qual a Beatriz de Dante, linda e majestosa, mas apavorantemente medonha.

Mais de quarenta anos tem essa imagem.

A moça da tatuagem sumiu pela larga porta de entrada do cinema, levando consigo aquela imagem que deixou em mim um cheiro de fim, de morte, de coisas ruins, que logo tratei de abortar, permitindo em troca me deixar invadir por um avassalador sentimento de morrer de vontade de viver.

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Postado por ANDRÉ LUIZ ALVEZ
16/4/2016 às 13h14

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