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Sábado, 30/12/2023
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Podemos pegar no bufê

O ano está acabando.
Boa sorte o novo está chegando.
Chegamos ao fim desse ano repletos de mais do mesmo.
Em algumas situações, poderíamos até invocar o passado e reencontrar Marco Polo e suas viagens mirabolantes, e a Derrama sem inconfidentes.
Um ano de muita conversa fiada, muita falastrice sobre a "tentativa" de ruptura dos valores, etc., etc. De certo mesmo tivemos um calor siderúrgico, uma seca aflitiva, algumas incógnitas espalhadas pela América de Baixo, com vociferadores, ditadores e papagaios de galocha ameaçando mudar o sentido dos ponteiros do relógio.
Testemunhamos, envergonhados, a tibieza de um líder sem condenar terroristas, praticando um discurso de pafúncio, sobre a "paz mundial", exortando a patuleia ao amor e a proteção as criancinhas miseráveis, principais vítimas das guerras, bla, bla, bla.
A temperatura política global, com diversos conflitos armados pelo mundo, as incertezas decorrentes da baixa qualidade das lideranças, alianças e acordos, reuniões, "cumbres" congressos e outros eventos que parecem não funcionar, não dão margem para grandes esperanças. Mas,para o bem de todos, pelo menos aqui em Pindorama o carnaval vai cair em fevereiro! Os ensaios dos grupos, blocos, etc., já começaram e prometem mais algumas memoráveis horas de alegria, festa,luzes e amor.
Feliz Ano Novo para todos!
Fé e Esperança podemos pegar a vontade, no bufê da vida.


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Postado por Contubérnio Ideocrático, o Blog de Raul Almeida
30/12/2023 às 10h49

 
Desobituário





Como observadora de nuvens e formigas, dei agora para desorientar palavras. O que nem é verdade o "agora" e só você saberia como. Este é o desobituário dos nossos não encontros. Comprei até uma camisa rosa lavado, bem bem lavado já há três encontros desocorridos. Era Natal também.

Você me ensinou como desatropelar intercorrências e agora aprendo outra língua além da nossa, só de teimosia, para aparecer para quem nunca me veria e acaso visse apenas teria visto… como fato fatídico nada vai acontecer diante do silêncio que venho acumulando para não ser vista de jeito nenhum. O que faz ventar são silêncios, eu vi quando subi aquela montanha. Dentro do fosso do mundo tem um pote de nuvens caladas. Só saem com o silêncio mexido - tipo fazer doce de leite - nuvens só se mexem com o vento, o vento é que toca o silêncio.

Como hipotéticos - enfim, já falei que disturbo palavras? Finalmente o enfim: como hipóteses já estamos indo fechar as janelas, nos ignorando sem querer. Tem muitas coisas na casa que já não vemos. Você até mandou foto da minha casa separada da sua. Não havia carros passando e as luzes dos postes ficaram oblíquas. Chamei de bela rapariga esse negócio de mandar foto da minha casa. Afinal, eu sei onde moro.

No silêncio das luzes oblíquas, onde nada pode sair de casa, fica delimitado e proibido de obliterações diversas e epitáfios.

Este é o desobituário.
(Para o Nil)

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Postado por Blog de Aden Leonardo Camargos
25/12/2023 às 19h57

 
E no comércio da vida...

Vendo medo
Compro esperança
Vendo insatisfação
Compro coerência
Vendo ódio
Compro tolerância
Vendo vingança
Compro compaixão
Vendo intelectualidade
Compro inocência
Vendo conhecidos
Compro amigos
Vendo religião
Compro liberdade de credo
Vendo fuzis
Compro aperto de mão
Vendo discursos
Compro poemas
Vendo guerra
Compro diálogo
Vendo certeza
Compro talvez
Vendo sanidade
Compro loucura
Vendo rancor
Compro sorriso
Vendo opinião formada
Compro dúvidas
Vendo bocas
Compro ouvidos
Vendo prisão
Compro liberdade
Vendo jornais
Compro livros
Vendo escritório
Compro cadeira de praia
Vendo tv
Compro rádio
Vendo sapato
Compro chinelo
Vendo shopping
Compro litoral
Vendo agenda
Compro bilhetes
Vendo ensaio
Compro improviso
Vendo Paulo Coelho
Compro Patativa do Assaré
Vendo sabedoria
Compro curiosidade
Vendo igreja
Compro fé
Vendo barulho
Compro silêncio
Vendo caneta
Compro lápis
Vendo liso
Compro cacheado
Vendo singular
Compro plural
Vendo vogal
Compro consoante
Vendo ditadura
Compro democracia

*Marco Garcia é jornalista paulistano.

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Postado por Blog de Marco Garcia
25/12/2023 às 09h55

 
HORA MARCADA

Dezoito horas. Horário ruim. Será que não havia outro? A secretária dissera que não, todos estavam preenchidos. Bem na hora do rush. Bom, paciência. Era até sorte ter conseguido a consulta, uma médica tão requisitada... Especialista de renome. Entrou no carro e ajustou o celular em frente, para ver o aplicativo do GPS. Saía uma hora e meia antes, tempo mais que suficiente, pensava, para chegar na hora marcada. Motor ligado, iniciou a jornada em direção ao Centro, com um suspiro de resignação. Parecia os doze trabalhos de Hércules. O primeiro deles era chegar na Marginal Pinheiros. Classificada como “via expressa”, era tudo menos isso. Constantes engarrafamentos tornavam seu percurso lento e arrastado, testando a paciência dos motoristas ao limite.

Atravessou a ponte e fez a curva, indo emergir numa das pistas da larga avenida, junto com outros automóveis chegados de várias direções. Lentas e arrastadas, filas de veículos moviam-se monótonas, como serpentes rastejando no mato. De vez em quando, uma freada brusca: ora uma motocicleta atravessava em frente, ora um ônibus mudava de direção, obrigando-o a dar passagem. Ligou o rádio para se distrair. Música clássica era o que preferia, porém nem sempre encontrava. Só achou noticiário sobre a guerra; acabou por desistir, e desligou.

O GPS indicava como próxima etapa a avenida Juscelino Kubitschek. Após muitas voltas e freadas, conseguiu entrar nela. Ônibus, caminhões e automóveis disputavam espaço, causando retenções. O tempo passava e começou a escurecer. No inverno, a noite chega cedo, pensou. Começou a sentir sede, não trouxera água nem outra bebida. De repente, a linha do trânsito na tela do celular deu uma guinada para a direita, e a voz feminina do aplicativo indicou que deveria entrar por uma transversal. Aquiesceu, embrenhando-se por uma série de vias estreitas, sempre orientado pelo guia digital. Ruas subiam e desciam, e nada de chegar mais perto do seu destino. Pelo contrário, o aplicativo que previra uma hora de viagem ao sair de casa, agora anunciava hora e quinze minutos. Sabia que isso poderia ocorrer, conforme as condições do trânsito, mas mesmo assim era irritante. Começou a ficar apreensivo, pensando na consulta marcada.

A sede apertou, e resolveu dar uma paradinha em frente a botequim modesto, para comprar água mineral. Uma interrupção rápida não iria atrapalhar o percurso. Estacionou em frente a uma garagem, deixando ligado o pisca-alerta, e dirigiu-se ao balcão. Ao voltar com a água, um susto: alguém batera na traseira de seu carro. Amassara o para-choque e quebrara um farol. Ficou atônito. Como poderia ser? Não ouvira nenhum ruído de batida. Olhou em volta, não viu veículos próximos. Sem saber o que fazer, perdeu alguns minutos parado. Afinal, resolveu continuar.

Entrou numa avenida mais larga, bordeada por árvores frondosas e cercada de casas e mansões. Estamos nos Jardins, conjecturou. Não sabia que precisava passar por aqui. De repente, porém, uma encruzilhada: fez uma curva de noventa graus e entrou por rua estreita e congestionada. Rodou bastante, e começou a notar que mudara de bairro, deixando para trás a região abastada. O calçamento encontrava-se em péssimo estado e buracos no asfalto sucediam-se, impiedosos. Notou lixo no meio-fio em sacos rasgados, casas pobres com pintura ausente ou descascada, roupa pendurada no varal nas janelas. Onde estou, indagou a si mesmo. O consultório não pode ser por aqui, é numa clínica chique pra gente que pode pagar. Começou a desconfiar do aplicativo e resolveu trocar, parando o carro para digitar o endereço da médica em outro. Continuou, mais confiante. Após muitas curvas, subidas e descidas, parou num sinal. De repente, ouviu um estrondo ao lado: o vidro de sua janela fora quebrado. Um braço coberto com manga de couro preto forçou sua entrada em frente ao volante e mão enluvada arrancou o celular do suporte. Não teve nem tempo de reagir: o ladrão subiu rápido numa moto e arrancou em alta velocidade.

Agora mesmo é que estou perdido, com GPS já estava ruim, imagina sem. Pensou que a solução ia ser parar toda hora para pedir instruções, à moda antiga. Melhor em postos de gasolina, os frentistas conhecem a região e gostam de ajudar.

Após duas paradas, entrou numa rua mais larga e bem asfaltada. Faltavam quinze minutos para a consulta, se tivesse sorte ainda dava tempo de chegar na hora marcada. Não devia estar longe da clínica. Acelerou o quanto pode, trocando de pista e passando à frente dos carros vizinhos. De súbito, porém, uma pancada forte de chuva. Estrondos de trovoada e clarões de relâmpagos acompanhavam os pingos grossos de água que, de tão abundantes, lhe tapavam a visão. As luzes dos postes de iluminação apagaram-se. Vagarosamente, e com muito cuidado para não bater nos automóveis ao lado, conseguiu acostar-se ao meio fio, numa reentrância da rua. Desligou o motor e aguardou.

Não demorou muito, um ruído de vozes e gritos, cada vez mais altos e estridentes, o fez ficar em alerta. Tentou enxergar através do para-brisa, onde a água da chuva descia como cachoeira, e acendeu uma lanterna que tirou do porta-luvas. Olhou em frente pela janela: viu carros parados, pessoas que corriam. De repente, ouviu tiros, seguidos de mais gritos.

Não havia dúvidas: um assalto. Bandidos se aproveitavam da chuva forte e da escuridão para roubar motoristas, presos no trânsito pelas circunstâncias. Com os faróis desligados, avançou vagarosamente sobre a calçada, até conseguir virar à direita em rua transversal. Dirigiu desorientado em baixo da chuva, espadanando água das poças, cada vez mais fundas.

Não sabia quanto tempo se passara. Resignado, virava em rua após rua, sem reconhecer nomes. De súbito, porém, a placa que leu avivou sua memória: era a rua da médica!

Sem questionar que circunstâncias o haviam levado até ali, estacionou, aliviado. A chuva amainara. Tocou a campainha da luxuosa clínica e foi recebido pela secretária. A moça fitou-o meio triste, como se olhasse para um cachorro faminto.

“A dra. Suzana acabou de sair. Ela esperou tanto... O senhor não veio na hora marcada.”

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Postado por Blog de Diana Guenzburger
18/12/2023 às 11h52

 
Os pássaros, 60 anos: corvos bicam seus olhos

“Ó profeta – disse eu – Criatura do Mal, e ainda assim profeta, ave ou demônio”. (“O corvo”, Edgar Allan Poe)





Pôster de “Os pássaros”. Fonte: wikimedia.org



Nunca algo tão inofensivo na história do cinema, tirando as belas mulheres, pareceu tão aterrador. “Os pássaros” (1963), de Alfred Hitchcock fez isso. E fez mais. Mudou, para sempre, a ideia de que é preciso explicar o sentido de um filme. Se você já viu ou não, não importa, mas acorde! corvos bicam seus olhos!

O sucesso estrondoso de “Psicose” (1960), diria Hitchcock, fez com que ele imaginasse que o público queria algo mais forte ainda.

A origem de “Os pássaros” nasce da ideia de que ele pretendia contar uma história de catástrofe, mas que ela envolvesse pessoas normais, comuns, e que suas vidas ordinárias fossem terrivelmente interrompidas.



Na entrevista que Hitchcock concedeu a Peter Bogdanovich (Diretor do provocador filme “A última sessão de cinema”) ele explicaria isso com outros termos, após analisar a obra de Daphne du Maurier, “The birds”, na qual o filme se baseia.

Dizia ele: “Em outras palavras, estávamos dizendo: ‘Vejam. Todas essas pessoas inconsequentes as suas vidas transcorrem de modo bastante aborrecido, mas, de repente, surgem os pássaros. Agora sua equanimidade comparativa é perturbada’”.

A “equanimidade comparativa” (leia-se complacência, conformismo) é justamente uma das explicações para sua heroína, a belíssima Melaine Daniels ( Tippi Hedren ).

A mãe de Melissa a abandonou aos 11 anos. Ela é filha de um proprietário de um grande jornal de San Francisco, suas ocupações parecem repetitivas e pueris, como fazer ações de caridade e ir à loja de pássaros onde encontrou Mitch ( Rod Taylor ), seu parceiro e amante na guerra contra as aves e contra ela mesma.

Contra ela mesma, porque a ideia é de que não só as vidas comuns das pessoas da pequena vila de Bodega Bay, onde os pássaros atacam, são viradas de cabeça pra baixo, mas de que a ordinária vida de Melaine sai do seu conformismo e se depara com um trágico desafio. Daí a ideia da heroína hitchcockiana.

Novamente Hitchcock dá a uma de suas mulheres o protagonismo do filme, seguindo o que fizera antes com Janeth Leigh em “Psicose”.


Parte do storyboard do filme

Mas se no filme anterior Marion Crane (Leigh) foge da cidade após realizar um roubo, em “Os pássaros”, Melaine sai da cidade com a desculpa de presentear Cathy, a irmã de Mitch, com dois “loverbirds”, dois periquitos.

A diferença não é apenas de intenção, mas de motivo, razão. Marion sucumbe à tentação da cobiça; Melaine sucumbe à tentação do amor. São pecados, mas pecados diferentes.

Melaine em sua chegada na vila logo sentirá essa mão do destino ao ser atacada por uma gaivota. Ainda sob os efeitos da grande cidade e do impacto do novo lugar, a professora (ex-namorada de Mitch) que a acolhe pergunta o que ela achou do povoado, e ela responde: “detestei!”.

Hitchcock aos poucos irá demonstrar como essas apreensões sobre a vida, sobre a realidade e sobre nossos pequenos mundos nem sempre são as únicas corretas, possíveis. É o signo da catástrofe que está a espreitar, com asas, pendurado nos fios dos postes da pequena vila.

O primeiro ataque massivo dos pássaros demonstra isso. Na casa de Mitch, o que era para ser um jantar de recepção se transforma, sob os olhares de reprovação da mãe à visitante, em caos quando pequenos pardais invadem a casa como uma nuvem de fumaça densa que desce da chaminé.

É a segunda prova de realidade para os habitantes da casa, mas, principalmente, para Melaine que, enquanto se mantém calma, observa a perda de controle da mãe de Mitch, a imagem aqui é de que se trata da bruxa má a amaldiçoar aqueles acontecimentos.

Naqueles acontecimentos a sequência do fazendeiro, encontrado pela mãe morto com os olhos arrancados pelos pássaros, proporciona uma nova aproximação. É quando a bela jovem da cidade se aproxima definitivamente daquela que poderia ser sua algoz.

Um chá servido no quarto da mãe, após o pânico da cena de morte, aproxima esses dois polos da paixão de Melaine pelo filho e do medo de substituir a mãe e condená-la à solidão.

A sequência mítica e bíblica da morte do fazendeiro é uma abertura para uma nova realidade. Os olhos do fazendeiro se foram, mas são os olhos de Melaine que, para deterem os corvos do destino, devem se abrir. É um Édipo às avessas.

Essa caraterização do destino, quase mítica e quase mística, estará presente naquela que talvez seja a sequência mais famosa do filme. A sequência dos corvos pousados na frente da escola onde Cathy, a irmã de Mitch, estuda.


Os pássaros em frente à escola


O corvo é uma simbologia de morte e vida, felicidade e infortúnio e se tornará uma das imagens arquetípicas e massificadas com a qual pensamos sobre augúrio, predestinação, má sorte. A sorte da vila está a espreitar em todos os lugares.

Farfalham as asas, grasnam assustadoramente as aves, gritam os medos, correm os moradores. Muitos, no mercado, não creem no que está lhes acontecendo. Como aquela “equanimidade comparativa” foi quebrada?

A incredulidade da “ciência”, simbolizada em uma senhora especialista em pássaros, só é derrubada pela realidade que se impõe na sequência no centro da cidade. Os pássaros voltam a atacar, e a ideia de Hitchcock se faz em toda sua força. Homens aprisionados, aves livres, ameaçadoras, violentas.

Hitchcock afirmaria sua intenção dessa perspectiva na famosa entrevista ao cineasta François Truffaut , “Hitchcock/Truffaut”, um dos mais importantes livros sobre cinema.

Ele relembra a sequência inicial na loja de pássaros, na qual Mitch ao capturar um pardal o recoloca na gaiola e diz: “recoloco você em sua gaiola dourada, Melaine Daniels”. Essa metáfora é reintroduzida na famosíssima parte em que Melaine ficará presa em uma cabine telefônica no ataque dos pássaros ao centro da cidade.


Melaine presa na cabine telefônica. Fonte: reprodução


Essa seria a prova de fogo da jovem, diz o diretor. Ela está presa, agora, em uma gaiola de infelicidade. As aves podem lhe ferir mais ainda, ela terá que acordar para um universo, um destino, que desconhecia.

O mundo não é feito apenas de vilas calmas e vidas rotineiras. A sorte, o augúrio e o imponderável dele também fazem parte. Não importa porque os pássaros atacaram.

Não por acaso, na sequência final, o aspecto de sonho e fantasia é preponderante. Ele ocorre no sótão, lugar onde se alojam coisas não rotineiras, ou coisas que deixamos para trás. Atacada, Melaine desfalece suspirando pelo nome de seu amado.

Não há mais nada a fazer sobre o augúrio consumado. A família atravessa um caminho onde os pássaros, como a sorte, o destino, estão a espreitar. Entrar no carro e deixar isso para trás talvez seja a única possibilidade de continuar.

Ao partirem, em primeiro plano está a imagem assustadora do lugar repleto de aves, ao fundo, está o carro, a vida, que segue um novo caminho.


Cena final. Fonte: Reprodução


Não deixa de ser instigante a ideia do diretor de brincar com um outro fim para o filme no qual, na fuga do juízo final de Bodega Bay, os passageiros do carro olhassem para a ponte Golden Gate e ela estaria coberta de pássaros. É um mundo como desafio interminável, sem complacência.

Complacência. Esse seria o tema do filme para Hitchcock. Para ele, é sob as dificuldades que as pessoas tendem a se sair melhores. Nem sempre se deve considerar a opinião de artistas sobre suas obras como verdade absoluta.

Mas, nesse caso, Hitchcock está dizendo, acorde! corvos bicam seus olhos.


Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, “Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia”, ed. ufpa.

[email protected]

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Esse texto foi publicado no Diário online

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Postado por Relivaldo Pinho
12/12/2023 à 01h13

 
Teoria do Horizonte Dobrado


Foto doméstica. Tirada pela selvagem inquilina da casa.


Existem gritos que não vou ouvir, no entanto existem e propagam. Ando bloqueando coisas, desde contas, números, gastos e palavras. Tenho uma barragem bem controlada. De rejeitos, digo.

Uma barragem cheia é bem mais pesada que o horizonte. Um dia segurei um horizonte nas mãos. O local? Foi atrás da coxia de um teatro onde um filme muito antigo passou só para mim. Olhei como se fosse um retrato reverso. O congelamento daquele ato, não chamei para dizer o que eu queria dizer, porque já não era mais hora de gritar e dizer que eu estava pronta naquele dia que não disse nada.

Depois foi tarde demais. Tinha tudo se dobrado em noite. (os horizontes sempre desmaiam, dobram como se fossem barrigas gordas de gatos).

Aquele que foi meu, aberto por alguns minutos em um portal em linha reta, dobrei com sol se pondo, dobrei nas mãos. Era muito bonito para soltar e não ter valor nenhum nessas valas da vida. Esses dias sem querer e por curiosidade ou saudade, fui ver como era mesmo meu horizonte. Estava tudo diferente. Nem sabia que poderia por acidente ter nascido outro sol depois de tantas noites. E por maldade ou mutilação olhei fixamente.

Até ficar embaralhada. Mas o efeito fatal no meu olho deu de não falar. Estou agora escondida dentro de uma barriga de gato aleatório imaginado e em silêncio. O novo sol nem sabe que está dobrado como um passarinho de origami na minha mão.

Todo sol morre antes da coragem.

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Postado por Blog de Aden Leonardo Camargos
11/12/2023 às 17h16

 
Falta de memória

A volta do Flagelo do Agreste ao centro do palco das quimeras, acontece por conta da absurda falta de qualidade do Cavalo de Tração, em que toda a prole da Viúva Alegre depositou esperanças de novos horizontes.
O discurso de um e de outro, em muitas ocasiões, se confundiram por conta da mesma matriz, assistencialista, vulgar e mentirosa: a indignação com o despautério na condução dos destinos da Res publica.
A corrupção, o nepotismo, o compadrio, a desfaçatez, os juros, os males econômicos, os miseráveis, o pão dos pobres, a fome, a falta de um ensino de qualidade, o descalabro com as políticas de habitação, etc, etc, etc. Um e outro, cada qual com o seu estilo, repetiram a mesma cantilena em todas as campanhas, desde sempre. Adicionaram variáveis étnicas, comportamentais, religiosas e mais algum outro penduricalho verborrágico, para conquistar a atenção e a cumplicidade do "povo”, a prole da Viúva.
O caso recente reveste-se de características bizarras. Um político profissional, de mais de 25 anos de carreira, declara aos berros que
- Não sou político! Não vou isso e aquilo!
-Todos os políticos são desonestos, etc, etc.
Seus ajudantes mais próximos fazem paródias com músicas populares, provocando o Congresso com: "se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão”.
Ainda opaco, sofre um atentado covarde, perpetrado por um adepto do seu adversário.
Uma facada em público. O agressor foi e continua preso num hospício, ou coisa que valha. O resultado do feito é do conhecimento geral.Vitória do bem contra o "mal”, a corrupção, a roubalheira etc. e tal.
Depois da posse, começam a surgir denúncias de nepotismo, favorecimento de "companheiros” de outros tempos, da família, dos empregados domésticos e diversas situações antes repudiadas em seus discursos.
A inabilidade e ignorância no trato de assuntos, absurdamente, fáceis de resolver, em áreas sensíveis tais como: Saúde, segurança, e outras mais prosaicas como meio-ambiente, indigenismo, etc., acrescidas de absoluta falta de polidez, educação social, postura, junto com arrogância, prepotência, grosseria, bravatas e atitude, minimamente, civilizadas, empurrou para baixo todo aquele deslumbramento inicial.
O segundo ator dessa terrível pantomima, diferente do adversário, nunca negou as origens ordinárias nem sua condição inicial de tosco que progrediu ao encontrar a Urbe.
Nunca negou a sua origem política, gestada na atividade sindical, onde o protagonismo não demorou a revelar uma inteligência diferenciada, uma capacidade de aprendizado incomum, um carisma e objetividade próprias de uma liderança natural, autóctone, indiscutível. O passado miserável virou bandeira de lutas, o emprego fabril virou o campo fértil para as arengas igualitárias, reivindicações sindicais e o momento político, um Governo de ajuste cívico que secundava um período de instabilidades, foi a moldura a completar a figura do habilíssimo negociador que se mostrava valente e agressivo contra o “monstro”.Mas fazia acordos à socapa, coordenando o pode não pode com as autoridades da época.
Conta um delegado de grande nomeada, que o Flagelo do Agreste entrava e saía na sede do poder para negociar os movimentos sindicais, dentro do bagageiro de um automóvel. Assim não era visto! Depois, no palanque sindical, promovia o que tinha sido combinado em segredo com os, então, agentes da repressão.
A fila andou e o tal sindicalista, distributivista, líder do “povo” sofrido e indignado com os rumos dos governos posteriores ao período de ajustamento cívico de 1964 a 1985, chegou ao Olimpo caboclo. Finalmente presidente… E ali, com sua indiscutível habilidade e carisma foi aparelhando o Governo e estabelecendo o processo susserano,interrompido por uma escolha infeliz: A disléxica do Planalto.As trapalhadas, insubordinação ao "mestre”, tolices, erros e incapacidade crônica, acabaram de forma melancólica.
A inconfidência de um deputado com uma jornalista super-competente levou à descoberta do sistema de controle do Congresso, usado pelo Flagelo do Agreste.Tratava-se de um escândalo ciclópico de corrupção de grande parte dos congressistas,comprados através do mecanismo de gratificação, mesada, gorjeta mensal praticado pelo Planalto! O Mensalão!
A ponta do iceberg começou a rasgar o casco daquele Titanic de imoralidade administrativa.A torre de malfeitos começou a desabar.
Um Lava-jato no Paraná, um lugar de lavar automóveis, era usado por um doleiro como escritório.E começa uma operação policial que leva a investigações cada vez mais precisas e esclarecedoras. Além do Mensalão,um acordo de propinas atrelado a construtoras de grande porte e obras governamentais é posto à luz.As investigações são levadas a sério, os nomes que vão aparecendo surpreendem, levando o País ao estupor.No topo da lista, lá está ele: o Flagelo do Agreste.
Testemunhas são ouvidas e os delatores encantam os jornalistas e estufam os noticiários com os mais colossais absurdos.Os empresários que proporcionaram bilhões aos denunciados,tentam livrar-se da co-autoria dos fatos. Os meses vão passando até que, um dia, os veredictos dos ínclitos julgadores são propalados e o óbvio resplandece para orgulho e satisfação da patuleia indignada:
Cadeia para todos os criminosos! Corruptos! Ladrões!
A segunda instância dos processos confirma o resultado da primeira. Cadeia!
Mas…Os efeitos do Flagelo do Agreste permaneceram incrustados na máquina do Governo.
A ideia dos três poderes, tem como alicerce a Constituição e a isonomia entre eles. Na prática, a teoria se mostra menos clara. O Poder Judiciário é formado por funcionários indicados pelo Poder Executivo. O povo elege o Poder Legislativo. Mas o poder legislativo é exercido por um super exclusivo e mínimo número de parlamentares. Na verdade os que compõem a mesa diretora de cada uma das instâncias.O resto é massa de manobra. Alguns mais outros menos, mas quem manda são os componentes da Mesa, os partidos que os abrigam e fim de conversa.O que sobra é cognominado de "baixo-clero”. Só faz barulho.
O Poder Legislativo tem membros vitalícios. Mandatos intermináveis, a não ser quando o sino da Megera começa a tilintar ou quando completam idade provecta, mesmo que, ainda estejam gozando de suas faculdades físicas e mentais. O Poder Judiciário é formado por membros indicados pelo Poder Executivo. Se acontecer mudança na política, em tese, nada acontece no Judiciário. Um pequeno momento me engana que eu gosto.
A libertação e cancelamento das penas atribuídas em duas instâncias aos criminosos de colarinho branco, que envergonharam o País, detonaram empresas encheram seus próprios bolsos, e foram, praticamente, escorraçados depois da facada, foi concedida, pelos mesmos juízes que os condenaram… Judicialidades, meandros dos recursos forenses desculpas e razões tão absurdas como se um crime perdesse seu resultado nefando, por conta do endereço do tribunal.
Pior,o Malfeito foi contra a República, foi contra a Viúva alegre e sua prole miserável. Crimes materiais, morais, éticos e cívicos deixam o agente criminoso livre como se o endereço do Feito não fosse a própria nação.
A memória é fraca.
Os amigos, correligionários, as múmias beneficiárias no passado, rejubilaram-se e aproveitaram a caturrice, estreiteza, obliteração endógena do, outrora, cavaleiro da Luz e agora um troglodita pré histórico. A máquina de comunicação que não tinha sido desaparelhada, mas hostilizada, atuou por anos seguidos exaltando a estupidez, os enganos e as faltas com os compromissos de campanha. O compadrio, o nepotismo, a desfaçatez, a inabilidade na condução de políticas, o posicionamento sempre dúbio, inconsistente em relação a diversas questões internacionais, posicionando-se sempre de forma equivocada, prejudicaram a tentativa de continuidade, também negada lá no começo, quando dizia que não iria candidatar-se a reeleição.
Mesmo assim, metade da prole da Viúva quase impediu que o Flagelo voltasse com a mesma conversa, as mesmas múmias acrescidas de algumas ainda em processo de embalsamamento, enfim com a dupla Jean Valjean e Javert, do clássico romance de Victor Hugo, e mais toda uma variedade de atores e comportamentos que beiram ao estupor.
O Cavalo de Tração foi defenestrado por uma espuma mínima de ressentimentos, rejeição e ojeriza por ele mesmo provocada.
A prole da Viúva , encantada com a nova versão do panem et circenses e seus novos abrigados na lona verde-amarela, assistiu a demolição de ritos cívicos, a ascensão de novos artistas ao palco das surpresas, guardando as lembranças do que ainda não ficou resolvido.
Buscam processar o Cavalo de tração, impedir que volte a pista com seus coices e relinches e esquecem o que levou o Flagelo do Agreste para a cadeia . Esquecem da atuação nefasta dos Vulturinos areopagitas e suas casacas viradas pelo avesso.
Falta memória.

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Postado por Contubérnio Ideocrático, o Blog de Raul Almeida
11/12/2023 às 11h52

 
Toda luz que não podemos ver: política e encenação




A série veiculada pela Netflix neste novembro, “Toda luz que não podemos ver” (Direção de Shawn Levy), poderia ser, como tantas outras produções, sobre a vida em um mundo mergulhado na guerra, mas esse mundo, ou o que seria sua ambientação histórica, a invasão nazista da França na Segunda Guerra Mundial é, na verdade, apenas seu cenário, parte de sua mise-en-scène.

A série mostra a história de dois jovens em meio ao conflito. A francesa Marie (Aria Mia Loberti) e o alemão Werner ( Louis Hofmann ) estão em lados opostos da Guerra na cidade francesa de Saint-Malo .

Ela é uma jovem cega que faz transmissões de rádio clandestinas para avisar os bombardeiros aliados as posições alemãs. Ele é um jovem soldado alemão encarregado de vigiar as radiocomunicações da resistência francesa.

Marie utiliza o mesmo rádio que seu tio Etienne, “o professor” (Hugh Laurie ), usava antes da Guerra para suas transmissões. Werner, desde garoto um perito em rádios e que por isso se destacou militarmente, sempre ouviu na Alemanha a mesma frequência que o tio de Marie utilizava.


Werner, Marie, Daniel, Etienne. Fonte: papelpop.com


Separados pela guerra, o rádio os aproxima. Mas eles não se conhecem. Werner foi órfão e Marie, até a chegada das tropas alemãs, vivia uma vida feliz com seu pai, Daniel (Mark Ruffalo ), um funcionário de museu em Paris.

O drama está pronto. Está? Não, tudo isso se dá na série em meio à representação da invasão, mas o modo como é mostrado esse momento histórico o reduz quase que apenas a um pano de fundo em CGI (Imagens Geradas por Computador).

É claro que não se trata apenas da antiga discussão de que a ficção não tem obrigação de representar a realidade. Mas representações estéticas têm seu poder de persuasão.

Se assim não fosse, estaríamos negando toda a história da representação cinematográfica da política, dos conflitos, das guerras. Essas representações foram não apenas instrumento de entretenimento, mas, como se sabe, de deliberada propaganda.

Há centenas de filmes e séries sobre a Segunda Guerra . Alguns utilizam programaticamente o cenário e os contextos históricos para os mais diversos propósitos. Os mais frequentes desses motivos utilizados talvez sejam o amor, a dor e a esperança.

As representações imagéticas mostram esses motivos em conjunto com a ambientação história das mais diversas maneiras. Algumas exibem esses temas se relacionando com o contexto da realidade, tomando-o como elemento decisivo (“A ponte do Rio Kwai”, toma a dor, a resistência e a esperança dentro de um campo de prisioneiros), outras tratam essa ambientação como elemento influente, mas um tanto distante (“Casablanca” toma o amor impossível em uma cidade ainda possível).


Cartaz de "A ponte do Rio Kwai" (1957), de David Lean


E outras, bem..., outras se utilizam dos vários arquétipos da ficção para aparentar tratarem de um tema sério, mas que pode ser sentido apenas sintonizando uma frequência de paixão.

A série da Netflix parece se prender muito mais nessa frequência mais palatável da sensibilidade. Ela foi anunciada (com o grande reforço das mídias) como uma produção que trata sobre o nazismo (ou, pelo menos, sobre a ocupação nazista), mas sua estética emoldura esse tema histórico e dentro desse quadro emoldurado o seu relevo praticamente se perde.

A decisiva tomada da França , como triunfo e vingança; o avanço das forças alemãs em direção à Inglaterra; a fuga desesperada de milhões de pessoas e o terror nas cidades, por exemplo, surgem mais como algo que passa – e apenas passa – pela intriga central (os dois jovens) do que como algo que com essa intriga esteja indissoluvelmente ligada.

Não é que a invasão alemã, as separações de pessoas e a violência não sejam importantes na série. É que isso parece surgir como algo circunstancial, não como seu núcleo gerador da trama. Retire a caçada à pedra preciosa com poderes mágicos da série e... voilà! você entenderá do que estou falando.

“Mas esse tom histórico não era o propósito da série”, alguém pode argumentar, com algum grau de razão. Mas pode-se responder que, se esse não era o propósito, então a série poderia figurar em qualquer outro contexto, ou pretexto, correto?


A batalha da França. Fonte: commons.wikimedia.org


E aí está exatamente o ponto central. O núcleo de um drama quando obedece a certos padrões estéticos estanques, como bom e mal, inocência e bravura, vítima e algoz, ignomínia e honra, caracterizados e demarcados, ou sintonizados exatamente como um número de uma frequência de rádio, tende a não fornecer imagens que possam ir além da estrutura predominantemente sentimental do drama.

É conhecida, por exemplo, a argumentação de historiadores que apontam que se esperava por parte das forças francesas maior resistência, como fizeram os poloneses. Também se argumenta que a resistência francesa só se tornou efetiva após 1943, quando se percebeu que os aliados poderiam realmente ganhar a Guerra (Max Hastings, “Inferno: o mundo em guerra”).

Na série, essa figura da resistência é mostrada através do tio Etienne. Ele é de longe o melhor personagem da produção. Como um ex-combatente traumatizado da Primeira Guerra, ele vive solitário e triste, mas, com a chegada dos aliados, se dispõe a lutar e tem em sua sobrinha Marie sua seguidora.

Mas o colaboracionismo francês é visto através de uma mulher que dorme com o vilão alemão, o sargento Reinhold von Rumpel (Lars Eidinger).

Já o Governo de Vichy , o colaborador oficial dos nazistas, que teve como representante maior o General Pétain, aquele que foi ao rádio pedir para que os franceses parassem de lutar, nem sequer aparece na minissérie.

Mocinhos e vilões precisamente demarcados são uma das chaves sentimentais do enredo. Não há como não mencionar a caricatura do vilão maior, o sargento alemão, em seu histrionismo, trejeitos afetados e animalidade.

Essa caraterização, que está longe de ser apenas ficção, se tornou uma das formas, desde a Primeira Guerra Mundial , do cinema representar o inimigo. Vejam como Cecil B. DeMille mostra os ignóbeis alemães em “A pequena americana” (1917), ou como Chaplin os ridiculariza implacavelmente em “Carlitos nas trincheiras” (1918). Mas aí são dois monstros do cinema.


Cartaz de "Carlitos nas trincheiras". Fonte: wikimedia.org


Von Rumpel é a imagem dessa forma repetida e que, por isso, sobre ele recai na série, e por parte do espectador (não sem motivos), todo o sentimento incontido de justiça (vingança), quando ele desaba morto diante da joia com poderes mágicos que poderia salvá-lo de sua doença terminal.

Na narrativa histórica, o destino do comandante da cidade de Sant-Malo é um pouco diferente do sargento Rumpel da série, mas talvez seja mais interessante. Martin Gilbert, em “A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo”, é quem nos conta assim essa história:

“O comandante alemão de St. Malo, coronel Aulock, dera ordens para que o porto fosse defendido até o último homem. Quem desertasse ou se rendesse, declarara o coronel, não passaria de ‘um cão vadio!’. Hitler, extremamente impressionado com a determinação de Von Aulock, concedeu-lhe as Folhas de Carvalho que faltavam à sua cruz de Cavaleiro, mas a batalha foi tão rápida que a atribuição da medalha, em 18 de agosto, deu-se um dia após a rendição de Aulock”.

Na série, no último episódio, vemos o porto da cidade ser destruído. Mas quase nada sabemos do contexto em que a retomada da cidade se dá. A história se circunscreve, novamente, entre o casal e o vilão, como se o poder totalitário, a esperança e a luta da resistência e a ajuda dos aliados surgissem do nada em um céu de onde as bombas não param de cair.

E, para selar esse final, Marie e Werner, que acabaram de se conhecer pessoalmente e escapar da morte, dançam e se beijam, prometendo se reencontrar (sim, ele, desolado, se volta para ela enquanto os soldados aliados o prendem) ao final da Guerra. Deve vir 2ª temporada por aí.


Cena do filme "Paris está em chamas?" Fonte: IMDB


Querem um contraponto disso, com temática semelhante, mas com abordagem diferente? Vejam “Paris está em chamas?” (1966), de René Clément . O filme conta a luta da resistência francesa para libertar Paris em 1944. O que falta na série, a tentativa de uma contextualização histórica e a matização de personagens, está presente no filme; o que “falta” no filme, um romance como único cerne da narrativa, é o centro da série.

Ao final do filme de Clément, vemos imagens de época das comemorações pela retomada de Paris, o Arco do Triunfo lotado, a chegada do general De Gaulle , líder da resistência, sendo ovacionado. Ao final do último capítulo da série, surgem imagens históricas das cidades francesas destruídas. Esse momento é, na mise-en-scène da minissérie, a imagem verossímil mais impressionante.


Relivaldo Pinho é autor de, dentre outros livros, “Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia”, ed. ufpa.

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Esse texto foi publicado no Diário online

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Postado por Relivaldo Pinho
7/12/2023 às 19h47

 
Sarapatel de Coruja

Desde que D. João VI aqui chegou o conceito de Côrte jamais pereceu.
A República não extinguiu as benesses, vantagens, delícias e diferenças entre a nobreza moribunda e a luz dos novos tempos. Saiu o Brasão Imperial, entrou o republicano.
Continuaram os espanadores de gases, os populares abanadores de flatulências, sempre atrás de algum figurão.
Depois de duzentos anos de independência muita coisa aconteceu. Esperanças, expectativas, tentativas, acertos, erros e muita conversa fiada. Alguns períodos de relativa calmaria, bem relativa por sinal, e o nosso País foi trocando de regime até o que, hoje, somos uma Democracia.
Colônia, Império, República No.1, No.2, e vamos lá.
País do futuro, Celeiro do Mundo, o Petróleo é nosso, É tetra, É penta, Ame-o ou deixe-o… Várias formas de exaltar e provocar o patriotismo, o nacionalismo, o democratismo e outros ismos no povo.
O poder emana do Povo, pelo Povo, para o povo.
A frase solene pronunciada por Abraham Lincoln, é parte da Constituição Federal do Brasil de 1988, entretanto, ao exercer seu indiscutível poder, o Povo é conduzido, por vezes, a situações delicadas. As escolhas não cumprem o que prometem. Mudam de ideia, de discurso, de atitude. Raramente, confirmam as expectativas. Prevalece o Nepotismo, o Compadrio, a Prevaricação, a Mentira e Desfaçatez.
O Nepotismo é escancarado. Do primeiro ao quarto grau de parentesco, todo mundo é aquinhoado com uma sinecura, uma prebenda, uma boquinha.
O Compadrio é endêmico. Os "correligionários", os "de confiança", os indicados por amigos do peito.
A Mentira dispensa maiores explicações. É a atitude do " eu não soube", "quando me avisaram já tinha acontecido", "isto não é verdade"! É a falta de vergonha na cara muito necessária a quem se dedica a lidar com promessas e garantias vazias.
São estatísticas manipuladas, fatos descritos em versões mirabolantes e fantasiosas, enfim, falha na verdade nua e crua.
A Desfaçatez é o mais recorrente dos comportamentos daqueles que deveriam se ater às promessas, também cognominadas de "compromissos de campanha".
Depois de muitos anos de vida, acho muito engraçado, senão trágico, ver os que se oferecem para escolha, repetindo discursos que escutei há mais de 60, (sessenta) anos: o pobre, o pão, a fome, o lucro, a reforma agrária ( essa de morrer de rir) o trabalhador, os direitos ( sempre a frente dos deveres) o salário que não dá pra nada, etc, etc, etc, etc.
Jean Valjean e seu Javert.
As promessas, planos e projetos que encantam e provocam a esperança de todos não tem limite. A falta de respeito ao público, ao eleitor, ao cidadão que está ouvindo o tro lo ló, é espantosa. Aí está o Sarapatel de Coruja, uma analogia bizarra com o besteirol boquirroto, o discurso venturoso e vazio.
Mas vamos lá.
Um ano já se passou, o new Marco Polo segue incólume em seus périplos planetários, justificados com a busca pela paz no mundo,a proteção das criancinhas, os acordos , as cúpulas, os encontros, o séquito , a entourage, oops, a equipe, as assessorias. Greves ressuscitadas com instrumento de ação política, imbróglio entre poderes, quem é que pode o que.
Um Sarapatel de Coruja, com ou sem pimenta…

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Postado por Contubérnio Ideocrático, o Blog de Raul Almeida
28/11/2023 às 15h24

 
Culpa não tem rima

O sentimento de culpa não suporta poesia, verso, prosa, rima. A culpa não dói. Culpa não machuca, não fere, não deixa marca ou cicatriz.
Culpa tem o seu modo próprio de se fazer presente. Culpa faz chorar, faz sofrer.
O arrependimento, o reconhecimento da falha de caráter, ou compaixão, ou respeito, ou solidariedade, ou amor, ou sinceridade não apaga a culpa.
Se alguém que percebeu uma culpa guardada lá atrás, no fundo das lembranças, pensa que ao arrepender-se apagou o lapso, a falta, enganou-se. Está usando a sua capacidade de ser indiferente, cínico(a), ignorante da realidade da vida. Um dia a culpa volta vestida de passado resolvido, mas volta. Mas nem tudo que volta a memória com ruídos de pequenas culpas, o são.
Travessuras pouco gentis, aventuras com sentimentos recíprocos foram exageros em hormônios e simpatias, brincadeiras sem a força da grande causa, o Amor. Tudo bem quando não deixam guardadas lembranças de promessas entendidas ao pé da letra, por alguém que nem percebeu o acaso ou a fatalidade fazendo blague com a ideia de amor…
A fraude, a inteligência confrontando a ingenuidade da pureza de alguém, aproveitando o acaso para destruir a confiança, a crença de um acreditar verdadeiro e transformar tudo numa mentira fugaz, irresponsável, ou mesmo tenebrosa, a verdadeira culpa, ah, essa nunca morre.
Culpa não produz poesia.
Culpa é a moeda com a qual o remorso paga ao culpado.
Culpa é para sempre. Pode ser guardada em alguma gaveta da memória, e depois destruída com alguma moléstia grave,daquelas que produzem mortos-vivos em fim de ciclo biológico. Os males do cérebro, as degenerações e seus diversos nomes.
Mas a culpa não morre. Nem rima.

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Postado por Contubérnio Ideocrático, o Blog de Raul Almeida
27/11/2023 às 21h11

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