Contubérnio Ideocrático, o Blog de Raul Almeida

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Segunda-feira, 8/2/2016
Contubérnio Ideocrático, o Blog de Raul Almeida
Raul Almeida
 
O espelho

O velho começou a falar
- Foi tudo de repente:
Olhei e lá estava ele, com sua moldura cheia de entalhes, enegrecida pela fuligem do tempo. Não foi a primeira vez que fui surpreendido com sua presença impertinente, arrogante, inquisidora, fria.O espelho da minha vida lá do fundo do porão das lembranças
Ah, se eu tivesse escolha, se eu tivesse a coragem de ignorar, toda vez que o escuto arrastando os grilhões da minha memoria, até materializar-se num portal de recordações, bem aqui na minha frente.
Um espelho muito estranho.Fiquei olhando para ele e não me vi, mas o passado foi escorrendo pelo meu entorno, envolvendo meu pensamento, minha memoria e minha mente.
Comecei a avaliar as escolhas equivocadas, os caminhos esquerdos, as palavras metálicas, fugazes ou ribombantes, que puseram algo a perder em algum momento especial.
Tentei voltar à realidade e tudo aquilo que acabei de ver, refluiu para dentro da moldura sem dar tempo para uma correção, uma reavaliação, uma troca de atitude ou opinião. Estava la dentro, já era.
Fiquei suando, triste, chorando amargurado. Por quê? Perguntei a mim mesmo. Por que tanta escolha errada, tanto caminho trocado, tantas pessoas más, tantos ingênuos e inocentes, tantos maus e farsantes foram priorizados em lugar do certo, do correto, do verdadeiro.
Agarrei um objeto pesado e arremessei tentando quebrá-lo, sem qualquer resultado. Tentei queimar a moldura e compreendi a razão de tanta fuligem.Já havia tentado antes sem resultado.
Fiquei cansado. Sentei na poltrona e, mais uma vez, o espanto me assolou. O danado passou a refletir outro conhecido sentado no canto da sala, com a cabeleira infernal de mil serpentes finas e sibilantes, o sorriso de pedra e olhos de gelo.
A boca fina esboçou um sorriso de desdém. O remorso levantou-se e foi em direção ao portal maldito.
Pensei que o castigo tinha acabado.
Pensei que ao entrar, o espelho se quebraria e me libertaria de sua maldição. Pensei que, finalmente, pagara os pecados e retomaria a vida, com todas as lições e provas bem resolvidas.Por um momento senti enorme alivio
Esbocei um plano: Vida nova, novas ideias.
Abri um largo sorriso e senti a mão de um anjo do bem passando pela minha cabeça. Aquele que está sempre aqui ao meu lado.
O anjo, a minha esposa.Então, percebi que o remorso continuava me observando, implacável. Antes de atravessar o sutil refletor das minhas memorias sugeriu um aceno crucial:
Já sabia o que queria dizer: Vou voltar!.
O velho encurvado, cabisbaixo, um tanto soturno, sentado naquele banco de praça, cercado de vida, olhava as crianças correndo para todos os lados, pessoas brincando com cachorros e pássaros cantando alto para os ouvidos mais atentos,tentava esconder uma lagrima de vergonha.
- -Pois é, o espelho da minha vida não se quebra assim tão fácil.
A moldura negra e enfumaçada se desfaz,até a próxima visita.
As lembranças vem e voltam para traz da memoria.
A vida tem que continuar.
Em seguida levantou-se, fez um aceno com a cabeça e partiu. Foi a ultima vez que o vi por ali.Parece que o Remorso e as lembranças não estão mais o incomodando.

RA

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Postado por Raul Almeida
8/2/2016 às 18h42

 
Em busca de extrema unção

Confesso que me cansei das últimas conversas do meu amigo, que só não tem cadeira cativa no bar ali na rua São José, por não aceitar privilégios.

- O dono até já falou em colocar uma plaquinha de exclusividade na minha mesa. Mas, os bares não são mais como antigamente e trocam de dono com frequência. O cara vende, chega um novo proprietário. Vai que os temperamentos não combinam, a placa é retirada, sabe como é, nessa idade não quero mais perder pontos que, porventura, tenha o prazer de conquistar, comentou certa vez.

As suas falas recentes me deixaram um pouco triste.

Faltou aquela picardia, aquela verve, a inventividade de me levar para um canto do assunto e terminar no outro, geralmente hilário e de pouco ou nenhum drama. Mas já que atravessei a Guanabara, resolvi o que tinha que resolver e a travessura do chope vespertino sempre pisca seus olhos concupiscentes, nada melhor do que fazê-lo em companhia de um conversador, ainda que fora dos seus melhores momentos.

A recepção calorosa me fez esquecer a reflexão sobre os últimos encontros, já que um sorriso fraterno, um aperto de mão e um abraço sincero, valem mais do que qualquer descaminho verborrágico-emocional.

- Quase um mês que você não aparece! Já estava pensando que tinhas voltado lá para o planalto paulista.

Já sei, está recebendo a aposentadoria no banco mais próximo de casa: Tá com medo dos pivetes! Ou será que a senhora andou dando broncas pelos atrasos quando vens ao Rio?

- Nada disso. O banco sempre foi o mais perto. Não carrego dinheiro. Pago com cartão de débito e pivetes atacam mais os velhos mancos e velhotas com bolsas. E quanto a minha mulher, acho até que fica feliz em me ver saudável, indo para lá e para cá e mais, sempre levando uma dessas tuas historias para contar.

Quanto a voltar... É outro assunto. Um dia te conto. Meu coração ainda está por lá. Não volta. Quarenta anos não se apaga com um caminhão de mudanças. E, cá pra nós, a comida é muito melhor mesmo!

As feiras, os mercados, o pastel... Deixa pra lá. De vez em quando dou uma esticada para um fim-de-semana.

- Interessante. Conheço um mundo de gente daqui que faz o inverso: Deixa o coração aqui aproveita o bom de lá por alguns dias, feriados, aquelas coisas.

Mas deixa eu te contar a mais nova

. Pensei em controlar a situação, falando da corrida de lanchas a ser realizada no fim de semana. Mas não deu certo. Sua habilidade com as palavras cortou-me em três lances como num xeque Pastor

-É. O dinheiro vai aparecendo e com ele as novidades. Esse esporte é bancado pelos donos do petróleo, eu acho. E coisa para televisão, pois em pé ali no flamengo, o que é que dá pra ver? Uns risquinhos brancos sobre a agua. Deve ser interessante mas não vai me pegar. Talvez você consiga alguma coisa se tiver um binoculo e for lá para a varanda do MAC, de Niterói, ou mesmo na orla da Boa Viagem.

- Você conhece o meu lugar!

- Claro. Alguém me falou que tinha a melhor vista do Rio e fui conferir, disse entre risadas.

Então escuta só. Eu estava aqui sentado, olhando a rua e, subitamente, a mesa do lado ficou ocupada com uma gente faladora, alegremente exaltada, com pinta de comemoração. Todos homens, variando entre os fins dos vinte e os meios dos trinta. No começo ficou claro tratar-se de gente do mercado financeiro e que estavam festejando um momento muito especial. Aquela parada era, apenas, para matar a sede mesmo. Tomar um ou dois chopes e seguir em frente.

O jargão predominou quando os assuntos giravam em torno da façanha, provavelmente, um ganho colossal fora de hora, mas a fala voltava ao mundo dos mortais, quando, em meio ao monte de informações e temas, alguém se lembrava das pernas de uma colega, da minissaia da mais recente divorciada do andar ou da melhor casa noturna da barra. Ficaram papardeando e rindo, quando um dos mais eloquentes, percebia-se pela voz, sugeriu uma baderna mais ordinária. Um pouco mais de prazer e festa com um ingrediente inigualável: Mulheres.

-Só tá faltando umas noviças, repetia em tom de blague.

No começo não teve unanimidade. Na verdade alguma resistência por conta dos que tinham compromissos sérios.

O MBA na Fundação, foi citado pelo menos duas vezes, a pós também foi invocada, mas o baderneiro continuou insistindo até que provocou todo mundo com um discurso entre o misterioso e o sinistro,.ao mencionar sua busca pela extrema unção,

A conversa travou e o que aparentava ser o mais velho, sugeriu que era muito pouca bebida para tirar alguém do sério, naquele começo de fim-de–tarde.

Que historia mais besta procurar extrema unção, e ainda por cima, num dia de tanto sucesso. Um dia de jubilo, de festa, de vida, de alegria.

O rapaz então. começou um bestialógico meio desconexo para quem, minutos antes, estava radiante e eufórico, o próprio Dionísio procurando vinho e ninfas.

Os outros menos criativos, entraram no clima das reflexões e afirmativas quanto ao brilho que o futuro lhes acenava, fazendo citações bizarras de autores de livros de autoajuda.

Por algum tempo ficaram declamando chavões quanto ao destino, a perseverança, a possibilidade de ser trocar de noiva, namorada, amante, enfim.

Essa coisa de extrema unção não estava com nada e eles iriam, imediatamente, aceitar a sugestão para uma grande orgia, uma esbornia.

Os ganhos do dia ficaram insignificantes ante a necessidade de se levantar a moral daquele que, ainda a pouco, transpirava felicidade. Faltava decidir o destino. Aonde iriam. O mais capacitado para sugestões estava meio depressivo, mas assim mesmo começou a falar:

-Acho que vocês entenderam uma parte. Sabe como é, a gente pode telefonar para umas pessoas certas, alugar uma suíte num motel, levar asmeninas ou: Fez uma pausa.

- Ou o que, perguntaram todos em uníssono:

-Ou vamos lá no “clube, justamente em busca da extrema, maravilhosa, sensacional, deslizante, perfumada, macia, relaxante unção com aqueles óleos escorregadios, que só elas sabem esfregar na gente!

Ficaram todos mudos até que alguém perguntou desassombrado:

- UNÇÃO com oleos de massagem... É isso, insistiu.

- É, respondeu rindo o maquiavélico baderneiro.

Unçâo extrema de prazeres dos vivos,

- E daí? Como terminou, perguntei.

-Ora, pagaram os chopes e saíram as gargalhadas, em direção ao tal clube das noviças.

-Hoje valeu a pena. Essa extrema unção,...Dizer o que né...

Pedimos a saideira, demos algumas risadas, recortando e comentando a historia, até que chegou a hora do abraço e do aperto de mão

. Fiquei de voltar na próxima semana com o resultado da corrida de lanchas.

RA

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Postado por Raul Almeida
3/2/2016 às 14h01

 
Apenas uma resposta

Estou tentando achar uma resposta suficientemente clara, para uma questão simples:

Qual e o sentido da vida?

Nao vale apelar para escrituras sagradas, montanhas maravilhosas, santos alados que conduzem os mortos ao espaço multidimensional, nem a existência de "sinais" mágicos, transcendentais,e coisas do gênero.

Então: Qual e o sentido da vida?

Nao vale dizer que e uma etapa de desenvolvimento etc e tal. Explicaçoes fáceis mirabolantes,estioladas por esgotamento e conteúdo fátuo, não valem...

Pois e. Assim mesmo.Conversa fiada para explicar trovão como urro de Manitu, não tem nada a ver.

A resposta e: Nao tem sentido nenhum

Nao ha como explicar. E inexplicável, ininteligível,ultrapassa qualquer tentativa racional e logica.

Pois e. A vida nao tem o menor sentido.

Mas, democratimente, insisto: Alguem tem uma resposta logica para o Sentido da Vida?

Quero saber



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Postado por Raul Almeida
31/1/2016 às 16h27

 
Primeiros passos

A velha historia nos conta
que num dia de verão
Deus fabricou a mulher
de uma costela de Adão.
Toda cheia de ternura
com seu corpo violão
veio trazer a doçura
e abrandar a catadura
que teria o tal varão.
Depois de algumas bobagens
e, quem sabe, sacanagens
foram até ao pomar
passear entre as folhagens.
Então, a cobra maneira
começou a tal besteira
chamada de tentação.
O pé de sabedoria
carregado de maçãs
provocou idéias vãs
e o resto nós já sabemos.
O paraíso fechou
o trabalho começou
choro, suor e lágrimas
sexo, drogas e "roquenrou".
E a certeza que a vida
de alegre e colorida
passou a ser conhecida
pela torpeza sentida,
repetida e refletida
no pensamento inspirado
declamado e explicado em:
-"pois é,o sonho acabou..."
RA


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Postado por Raul Almeida
28/1/2016 às 17h53

 
Depressão

Por que tanto
nos assusta a morte?
Sabemos que a todos vai pegar
pobre, rico, fraco ou forte;
porque tanto
nos assusta a morte?
Quando nascemos,
trazemos a certeza
que do banquete da vida
sómente a própria, será sobremesa.
Porque a morte?
Se hoje tenho quem se importe
com o meu sucesso
se hoje tenho quem espere
pelo meu regresso
Porque pensar em medo e morte?
Aos amigos e aos meus
que tenho por graça e sorte
devo a razão de continuar forte.
E confessar, com emoção contida
não fosse a companheira
a quem prometi a vida
e os amigos cheios de bondade
o passo ao limbo já teria dado
não sei se afoito ou
com serenidade.


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Postado por Raul Almeida
26/1/2016 às 17h36

 
Galatéia

Vejo que passas segura e firme em si mesma.
Acompanho teu caminhar, a ondulação dos teus quadris, tímida, provocante.
Imagino os sons abafados dos tecidos de tuas vestes, roçando nas tuas coxas macias,
acariciando teus seios, abraçando a tua cintura, roçando a tua nuca.

Vou seguindo atrás, de longe o suficiente para não ser notado.
Na distancia certa para que não desconfies da minha aflição,
da minha obsessão por tuas formas, da minha obsessão por ti.
Imagino que és Galatéia , maravilhosa, despida e imponente,
: murmurando as primeiras palavras, depois do toque de Afrodite.

E desapareces na multidão. Segues em frente seduzindo, atraindo,
instigando, provocando amores, desejos e paixão.
Segues despreocupada, segura e firme em si mesma.
Recolho meus suspiros e deixo entrar minha resignação.
Continuarei imaginando tua voz, tuas palavras, teu sorriso.

Recolhido, Inconsciente e atordoado em meu quarto,
imagino o sabor dos licores das tuas fontes.
Sinto-me ali, bebendo cada gota dos teus néctares
tentando molhar a boca e a garganta com a delicada seiva
que brota, salgada e deliciosa de cada poro da tua pele.
E sigo tentando satisfazer cada anseio teu. Cada arrufo, cada estertor.
Continuo imaginando sentir que não queres mais, que estás satisfeita.

Aguardo o teu descanso e agora, por tua sugestão e vontade, invadirei teus palácios.
Descobrirei que muito ainda falta para te conhecer.
Com delicadeza e suavidade assumes o controle.
Assim, vais esgotando toda a minha essência, todas as minhas forças,
toda a minha Imaginação em penetrar tuas defesas jamais erguidas.
Agarrado a ti qual um alpinista a um penhasco,
caio no abismo da realidade de que tudo que senti,
não passou de quimera e ilusão.



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Postado por Raul Almeida
4/1/2016 às 14h16

 
Recém chegada

Ela estava ali, encostada à parede sem demonstrar qualquer emoção, sentimento ou graça.
Esguia, exibia bizarra elegância vestindo aquela coisa estranha que tanto poderia ser uma bata, se colocada acima, um vestido se estivesse ao meio ou um saiote, logicamente abaixo da linha da cintura,
Insisti no olhar buscando algum significado para tanta displicência. Não adiantou nada. Do jeito que chegou, ficou. Meio inclinada, apoiada mesmo, como se aquele novo mundo que estava sendo oferecido nada influísse em sua vida.
Fiquei pensando: Tão jovem e não dá a mínima a um futuro possivelmente brilhante, podendo tornar-se indispensável, fundamental na vida das pessoas que a abrigaram com tanto interesse, quem sabe até com algum sentimento maior de afeição, amor, quem sabe.
Continuou alheia a tudo e a todos.
A nova casa era moderna, boa, arejada, longe da rua e da poeira levantada pelos automóveis, caminhões e ônibus. Ainda com uma bela vista para o exterior, sem poluição visual, sem favela, sem prédio do lado, sem vizinho muito próximo a ponto de incomodar e obrigar as cortinas sempre cerradas.
Quanta insensibilidade.
Rebusquei a memória recente e tive clara sua imagem passiva e sem nenhuma graça ou o que quer que fosse da escolha do destino. Tomei a decisão de uma abordagem física.
. Liguei a vitrola Telefunken Stereo e coloquei diversos elepês dançantes para tocar.
Agarrei-a pela mão e começamos um deslizar primeiro dolente, depois ritmado, até chegar a frenéticos rodopios.
Encostamo-nos, atritamos nossos corpos, sentimos um ao outro.. A volúpia do baile chegou ao bizarro, com contrapassos, cortadas, cruzadas e quebradas até que a exaustão obrigou-me a parar.
Ficamos ali os dois, no meio da sala sem dizer nada, enquanto o último acorde de um bolero romântico, acho que cantado pelo Luiz Miguel, se fazia ouvir. O verso final dizia, -" y jo nasci nel dia em que te conoci".
A levei de volta ao ponto de partida, agora menos estranha, menos misteriosa, menos metida e a bem da verdade, muito mais importante,
Só ficou faltando escolher um nome para a minha nova vassoura.
RA


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Postado por Raul Almeida
1/1/2016 às 17h13

 
Um dia em dezembro... ( republicado)

Mês magico, místico, festivo e emblemático, dezembro fecha um ciclo de esperanças, emociona aos crédulos e crentes, assusta provoca, desencanta e alegra, tudo ao mesmo tempo.

A expectativa das "boas festas" entendidas como natal e ano novo cria esperanças, promove certezas, incentiva projetos e fecha balanços nem sempre desejados.

A medida que o tempo cheio de dezembros de cada um, vai passando e o circulo se fechando em vertiginosa busca do ponto inicial, as revisões, memorias, lembranças e avaliações se revezam e alternam em quântica medida.

Nunca uma experiência repete a anterior...

Ate que a chegada e a saída se encontrem provocando o suspiro final, o encerramento dos trabalhos, enfim, quando o

espectro com o alfanje, se materializa capturando o derradeiro momento retirando o ruach akodech de dentro de cada involucro, contabilizou-se uma vida. E nem precisou ser dezembro.

Se valeu ou não a pena, ninguém saberá.

Muitos deixam impressões de êxito, vitória, realização, missão cumprida.

Mas o passar do tempo descobre que, apenas, uma parte daquela vida, a ponta do gelo flutuante, refletiu a luz do sol.

Logo abaixo, um gigantesco vazio, uma enorme solidão entre muitos, um abandono endógeno e maldito, uma sofreguidão e uma tristeza inauditas, ficaram escondidas, embuçadas em tristes lembranças de lutas e desprezo.

Alguns nem se dão conta do que tiveram, enquanto se consumiam em experiências, aventuras, vontades e desejos, imponderabilidade e loucura : Sucesso, resultado, reconhecimento, honrarias e gloria... Artistas.

Os comuns, crentes, ouvintes, leitores, espectadores, tementes e crédulos, cheios de medo, fé, paciência, tolerância, resignação, humildade, aproveitam intensamente as promessas e ofertas de dezembro.

Agradecerão aos seus mitos, festejarão suas conquistas, mesmo que simplórias ou insignificantes para a maioria.

Reunir-se-ão em jubilo magistral, farão projetos para o novo ano, seguirão costumes e tradições, praticarão fetiches e mitos, darão abraços uns nos outros, beberão pela saúde, pela festa, pela gloria do senhor, pela vida ate que dezembro, finalmente, morra e leve com ele os outros mortos: As ideias e planos não realizados, os fracassos e as esperanças gastas que, certamente, serão renovadas .



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Postado por Raul Almeida
1/1/2016 às 11h05

 
O Adultério

A minha intenção era espairecer, divagar um pouco, aproveitar o dia sem aquele calorão típico do Rio de Janeiro. Assim, peguei a barca logo depois do movimento da manhã, ali pelas 10 horas, quando um assento perto da janela é quase garantido.

Atravessei a Praça Quinze caminhando pela lateral do prédio dos Correios, outrora Paço Imperial e segui pela rua São José, com o objetivo escancarado de encontrar o meu amigo, frequentador assíduo daqueles bares com cadeiras na calçada. Então dei conta de que era muito cedo.

Antes de meio-dia ninguém fica ali olhando para nada, tomando chope, fumando e deixando a vida passar.

As mesas e cadeiras continuavam empilhadas, os empregados dos restaurantes e assemelhados, começando as rotinas pré-funcionamento, os fornecedores mais atrasados descarregando seus triciclos. Aquela bagunça organizada, com gente passando para lá e para cá.

Segui em frente e fui até o largo da Carioca, hoje um acampamento de marreteiros e camelôs, melhor dizendo, "comerciantes independentes".

Apertei o passo ao notar as mudanças do lugar que conheci na minha juventude. Tive a impressão de um cenário medieval com o majestoso convento acima da vila, formada pelas tendas dos mercadores de qualquer coisa.

Fui para os lados da rua Uruguaiana. Procurei o largo do Rosário, depois o Mercado das Flores e segui perambulando, tentando buscar referências do meu tempo de rapaz. Atingi a avenida Rio Branco e segui em direção a Cinelândia.

Fiquei quase quarenta anos fora e agora estava tudo mudado.

Lojas, prédios, bancos, quase nada sobrou. Novas marcas, letreiros, edifícios e muito buraco nas calçadas. O Museu de Belas Artes assim como o Teatro Municipal, passando por reformas. A Biblioteca, com sua fachada de quartel francês, impávida e cheia de dignidade, o Tribunal e suas portas de madeira de lei magnificamente entalhadas.

Senti alguma coisa faltando: O palácio Monroe, o antigo Senado. O prédio quase um monumento, foi transformado em jardim com um chafariz e um estacionamento embaixo.

Constatei o fim dos cinemas, travestidos em templos de igrejas milagreiras.

O Cordão da Bola Preta, um dos clubes carnavalescos de maior tradição, despejado, leiloado, sei lá. O Amarelinho de cara nova, parecendo bar de boulevard francês. Novidades, novidades. Novamente a paisagem mutilada para a realidade que eu tinha na memória.

Voltei e fui almoçar no Restaurante Ulrich, na rua São Jose. Estiquei o almoço para que meu amigo chegasse no seu escritório vespertino. Paguei a conta e sai, lembrando dos companheiros do passado.

Deu certo. Caminhei uns passos para a esquerda, olhei para o outro lado do calçadão e lá estava ele, de costas, olhando em direção a estação das barcas.

Cheguei e, como de costume, puxei a cadeira, na certeza da recepção favorável. Meu amigo ameaçou levantar-se para o abraço, esticou a mão, sorriu e disse:

-Parece mentira, mas desde cedo que estou pensando em você e, eis que apareces!

-Transmissão de pensamento, respondi. Vim, para te encontrar, bater um papo, trocar idéias. Já estava com saudades das tuas tiradas e historias!

Ele sorriu, chamou o atendente, pediu o tradicional chope, perguntou se eu queria comer algo, e começou:

-Você nem imagina o que aconteceu.

-Um amigo meu matou a mulher, depois de uma união de décadas! Uma coisa horrível, impressionante. Um drama terrível, uma desgraça total.

Fiquei surpreso com tanta dor, assim, logo de cara, sem qualquer preparação, fora do seu estilo.

-Rapaz! Que tristeza, como foi, perguntei.

-Imagine só, a mulher era uma pessoa tranquila, recatada, suave, dedicada a família e aos afazeres domésticos, uma pessoa simples, muito séria. Bem, até que ele escutou dela, dela mesma, que tinha um namorado.

-Mas deixa eu te falar dele: O cara era boa gente, trabalhador, esforçado, lutador. Entretanto, boêmio, bregueiro, aquela coisa que não é novidade para ninguém.
Trabalhava, depois dava uma esticada, tomava umas e outras, vez por outra chegava em casa de manhã.

- Então, matou a mulher assim sem mais nem menos. Por certo era uma pessoa violenta.

-Não! Nada disso. O cara era uma moça, nunca vi dizer um palavrão, nunca vi metido em confusão, escaramuça, gritaria, empurra-empurra, nada. Manso, calmo, conciliador.

-Tinha amante! Exclamei e continuei: Sabe como é, mulher tem aquela coisa de dar o troco. Sofre calada, mas morde na canela, que nem cobra.

- Não, não tinha amantes, só que era mulherengo. Se fosse fazer um cadastro, quebrava os três dígitos. Boa aparência, boa charla, dançava bem, voz de locutor de rádio, vestia-se com elegância, e... Casado.

-Foi preso. Pegou um flagrante, perguntei.

-Pior, se matou.

Pendurou-se no cano do chuveiro, chutou o tamborete, e ficou de língua de fora.

-Que coisa horrível! Você não perde uma... Murmurei com cara de nojo.

Ele sorriu, pegou mais um cigarro, deu um gole, mantendo aquela gesticulação medida e ensaiada por anos a fio.

-A coisa foi muito triste mesmo.

Viajaram para uma pousada de praia no nordeste, aproveitando o feriadão. No segundo dia, foram para uma festa popular, e conheceram outras pessoas. Até aí, nada de errado, mas o capeta estava espreitando.

Tomaram bebidinhas, deram muita risada, etc., a mulher foi ao banheiro uma vez, duas, aquelas coisas e depois se recolheram. No meio da noite ele acordou, a procurou e nada.

Ainda havia barulho no local da festa e ele foi ate la dar uma olhada. Então a viu conversando, bem chegadinha, com um outro sujeito.

Não entendeu nada. Achou que estava bêbada Chamou-a, insistiu e terminou por leva-la de volta na marra. Ai a coisa desandou.

Ela debochou, disse que sabia das patifarias, da mulherada, da falta de respeito com ela e que ele pensava que era o bom, mas... Tome risadas.

Ele implorou, pediu que parasse, disse que era mentira o que ela estava dizendo, que a amava desesperadamente, que ela era a vida dele, mas nada adiantou.

Então, agarrou-a pelo pescoço e a esganou. Ela rindo e ele chorando.

- Mas pera aí! Como é que você sabe de tantos detalhes, parece até que estavas espiando.

Meu amigo pigarreou, cuspiu no chão, deu uma olhada para mim, outra para o maço de cigarros, pegou o copo deu mais um gole e respondeu:

- Foi nada.

Tive um pesadelo esta noite, e estou sem dormir até agora.

- Mas você nem é casado, respondi com espanto.

E, tomando o resto de chope quente do meu copo, dei um sorriso e me despedi, atordoado com humor tão sinistro.



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Postado por Raul Almeida
13/12/2015 às 10h17

 
A viagem

A nesga de luz atravessou a persiana mal cerrada e, resvalando na parede caiada de branco, alumbrou o quarto, até ali em confortável penumbra.

- O que é que estou fazendo todo vestido? Perguntou-se, no momento do despertar modorrento.
Vestido assim, até sapatos... Que coisa maluca. Está quase na hora de ir ao médico...
Essa falta de memória...

Seguiu tentando articular os pensamentos. Talvez tivesse deitado e adormecido num surto de pressão baixa ou um ataque de amnésia recente.

Saiu do quarto, chegou na copa para tomar o café e percebeu que todos já tinham ido embora. Nem a empregada estava por ali.

- Que coisa. Devo estar muito atrasado, murmurou entre os dentes.

Não era preguiçoso, mas depois da aposentadoria, podia dormir até quando bem quisesse. Nem mesmo a mulher que sempre indicava o seu paradeiro fora de casa, através de bilhetes carinhosos, deixara qualquer recado. Em outros tempos duas ou três linhas no bloco de anotações mencionavam a academia, a caminhada com o cachorro, ou mesmo uma saída para as compras lá do outro lado da cidade.

Desistiu do café.

Coisa estranha em se tratando de alguém que não dispensava o queijo, o mamão as torradas de pão Petrópolis, difíceis de encontrar, o café sem leite e o cigarrinho único do dia.

O relógio pendurado na parede indicava um horário absolutamente improvável. Chegando mais perto, notou que estava parado.

Olhou o pulso esquerdo e o Omega de ouro, herança de duas gerações, ornava sem qualquer finalidade.

Entrou no elevador, marcou a portaria na botoeira polida, olhou o espelho do fundo, corrigindo o nó da gravata para o lado certo e passando as mãos pelas têmporas grisalhas.

- Ninguém na portaria... Bem, o porteiro deve ter dado uma saidinha para ligar a bomba d'água ou, sei lá. É assim que acontecem as coisas.

Já na calçada vazia, seguia pensando e observando:

- Que dia é hoje? Será algum feriado, não vejo qualquer pessoa, que coisa esquisita.

Chegou no ponto juntamente com o ônibus.

Embarcou sem mostrar o passe de idoso, acomodou-se junto a uma janela e ficou tentando lembrar como é que tinha se vestido, calçado, arrumado etc.

Sonhara com vários amigos, pessoas que não via há muito tempo, parentes, colegas de trabalho, uma loucura surrealista apagada ao despertar-se.

Ainda com o veículo parado no ponto final ruminava as últimas lembranças oníricas, quando o motorista o alertou gentilmente, esperando que descesse. Só agora dava conta que o ônibus era diferente.

Estava tão distraído que nem notou o fim do trajeto. Era atravessar a rua, passar na catraca e embarcar mais uma vez.

Estranhou o movimento da estação, muito abaixo do normal, calmo demais para o horário. Mas que horário? Os relógios estavam parados e, talvez fosse bem mais tarde do que imaginava.

O alto-falante anunciou a partida.

Olhando a barca atracada de lado percebia ser toda cheia de detalhes, e a tripulação vestida com uniformes especiais: Quepes e gorros alinhadissimos, sapatos brilhantes, platinas e polainas como num dia de grande gala.

-Que beleza. Deve ser visita de algum figurão, quem sabe até o presidente. Hoje o negocio está demais murmurou, ocultando com as mãos o movimento dos lábios.

Seguiu caminhando atrás do pequeno grupo de passageiros em direção ao cais flutuante.

Ao sentar-se junto à janela e apreciar o panorama, notou algo diferente. Não conseguia ver o horizonte.

O tempo estava claro, sem bruma ou nevoeiro, mas onde estavam as montanhas? Os contornos dos prédios? Não dava para distinguir nada em meio aos fortíssimos reflexos luminosos sobre a água.

- Que sol esplendido!

Que maravilha, pensou consigo mesmo, enquanto o Sr. sentado na cadeira ao lado cumprimentava e sorria, com um gesto de cabeça.

-Boa viagem!

-Boa viagem. Obrigado.

-O Sr. sabe que horas são? Perguntou. Meu relógio parou, esqueci de dar corda.

-Oh, desculpe não posso ajudar. Não sei que horas são, mas, com essa luz toda, devemos estar no melhor ponto do dia.

-Tem razão. Isto aqui está tão diferente, novo, reluzente. Este barco parece em sua primeira viagem e a tripulação, que elegância!

O estranho apenas sorriu e voltou a acenar com a cabeça, concordando delicadamente.

Após os três apitos de praxe a viagem começou sem balanço e sem ruído.

- É uma beleza esta nova barca, não acha? Perguntou ao vizinho de poltrona que, novamente, acenando com a cabeça, sorriu delicada e simpaticamente num gesto positivo.

- Parece que estamos indo para o céu, insistiu em tom de blague. -Pois é meu amigo, é isso mesmo, respondeu o companheiro de viagem, complementando:

Não sei se é o céu que você imagina, mas à hora que você não consegue enxergar no relógio, o teu pessoal já deve estar chegando em casa. Foram ao teu enterro. Aproveite a viagem.

Não escutou a resposta. Caiu em sono profundo, acordando quando metade dos passageiros já havia desembarcado.

- Então, chegamos? Perguntou em voz ainda turva pelo sono recém desperto.

- É. Aqui estamos. Não se esqueça de entregar as duas moedas lá na saída.

- Moedas?

- Sim,

moedas. Aquelas que você recebeu quando embarcou, não lembra? Estão aí do lado esquerdo do seu paletó.

Enfiou a mão no bolso e lá estavam as duas patacas.

- Agora dou conta do que o rapaz da catraca recomendou:Devolvê-las na saída. Só não disse a quem, respondeu de forma alegre e jovial.

- Aqui nos separamos, retrucou o companheiro de viagem, despedindo-se com um gesto e sumindo em meio à multidão.

II

Um tanto atarantado misturou-se ao povo que se distribuía entre as diversas saídas. Não havia indicação de quem deveria ir para onde. Caminhavam encontrando as suas passagens automaticamente.

Chegou a vez de entregar as moedas e receber um novo ingresso:

- Bom dia, o homem uniformizado saudou enquanto devolvia um tíquete cartonado.

- Bom dia, obrigado.

Pegou o bilhete e colocou no bolso sem olhar para o funcionário, caminhando em passo acelerado para alcançar a parte externa da estação.

- Onde estou? Não parece a Praça XV, nem Paquetá, nem...

Um leve toque em seu ombro e um amigo que não via a muito tempo, o saudou com alegria:

- Então, como foi a viagem? Encontrou alguém?

- Estou muito confuso. Não posso dizer nada. Dormi todo o percurso e quanto a conhecidos, também não me lembro de tê-los visto, pelo menos no mesmo convés em que eu estava.

- Eu também não achei nenhum conhecido, mas foi só chegar aqui e a situação mudou bastante. A gente não os vê, mas eles nos encontram.

- Nem sei por onde começar. Minha intenção não era vir parar aqui. Pretendia desembarcar na Praça XV, enfim, e você? Pensei que, bem não sei como dizer, mas...

- Ah, pois é. Eu também não esperava tomar o ônibus naquele momento.

- Eu vim de barca!

- É eu sei, mas é uma questão irrelevante, se ônibus, barca, automóvel, avião ou a pé. Chega uma hora em que a gente... Você ainda não entendeu, não é?

O sorriso amarelo despencou pelo canto da boca, o aceno discreto com a cabeça e a fisionomia escanhoada e amaciada com o balsamo pós-barba confirmaram o que o amigo estava perguntando.

-Vamos tomar um café, caminhar por aí, dar uma reconhecida nas redondezas? Perguntou o novo anfitrião tomando-o pelo braço em gesto fraterno e iniciando o trajeto em direção a um bar.

- Agora me lembro: O "colega" de viagem disse algo que não cheguei a entender, pois adormeci de súbito. Falava do meu pessoal, do céu, uma coisa meio bizarra.

- Ainda bem que você não está assustado. O novo acompanhante falava enquanto se aboletavam em uma mesa de canto.

- Agora vamos aos fatos: Lembra quando acordou todo vestido?

- Sim, me lembro! Que coisa louca. Pensei até que estava começando a ter falhas de memória, sabe como é, aquela coisa da idade.

- O que vai querer primeiro?

- Água...

Bebeu de um só fôlego, deixando escorrer algumas gotas pelos lados da boca, enxugadas com as costas da mão.

A atmosfera começava a ficar mais leve e os pensamentos iam se alinhando dentro da cabeça de poucos cabelos.

O amigo ali sentado já tinha morrido! Não havia a menor dúvida quanto a isso. Recordava o momento em que os colegas da Repartição receberam a noticia e logo começaram a organizar a lista para a coroa funerária. Morrera muito moço, todos eram muito moços naquele tempo.

Só podia ser uma alucinação.Talvez os novos remédios para afinar o sangue e diminuir o colesterol estivessem misturando seus pensamentos e recordações.

Procurou um espelho para olhar-se. Nada. Nem espelho. Nem relógio.

Ainda estavam se ajeitando quando um outro conhecido entrou e, discretamente, os saudou com um gesto de cabeça. Em poucos instantes o bar estava repleto. A falta de sombras e reflexos, apesar da boa iluminação, dava a sensação de tempo suspenso.

O companheiro de mesa começou a falar de escolhas, decisões, oportunidades e realizações. O discurso calmo e objetivo funcionava como documentário de uma vida, apesar de não haver nenhuma menção especifica, cobrança ou julgamento.

Abordando diversos exemplos de escolhas, além de juízos e avaliações igualmente válidas ou equivocadas, o assunto tomava forma, provocando emoções e percepções de intensidades e matizes variados.

Depois, o silêncio sublinhou a reflexão e a expectativa pelo rumo a ser tomado. Afinal, onde estava? Como é que esse camarada soubera daquela historia do "acordar vestido". Ainda não sabia se era um pesadelo, uma alucinação, uma confusão mental, ou o que.

Sentado ali no bar diante de uma pessoa falecida muito jovem, tentava racionalizar os últimos acontecimentos.

O amigo levantou encaminhando-se para uma porta Art Nouveau aberta para a varanda convidando-o a fazer o mesmo. A brisa refrescante e o cenário de horizonte infinito davam o tom de paz e tranqüilidade que ele precisava, exatamente agora.

- Quanta luz e que cores... Que beleza. Se você continuar teimando em não querer entender, seu tíquete vai acabar perdendo a validade, sussurrou o anfitrião em seu ouvido.

- Validade?

- É. Com ele você vai ter mais uma oportunidade de acertar nas escolhas, e assim melhor desfrutar da maravilha.

Está vendo aquelas duas arcadas? Apontou para um dos lados da varanda e depois para o outro. A primeira escolha é agora. Em uma delas o resultado é rápido. Entretanto, se você escolher entrar na que tem fila, a coisa demora um pouco.

Se achar que cansa, que dá trabalho, demora, pegue a via expressa. Ali é tudo mais fácil. É só ladeira e não irás caminhar muito. Vá escorregando. Nesse caso, tenha cuidado, pois o tíquete queima com muita facilidade e dá um trabalho danado para conseguir outro.

- Ah... Sei. Acho que vou entrar na fila. Muito obrigado.

- E você? Fica sempre por aqui?

- É. Já usei todos os meus tíquetes e agora estou trabalhando na administração. - Até a próxima.

Lá no bairro, a família tomava café requentado, com as torradas de pão Petrópolis já ressecadas, e o queijo fresco deixado sobre a mesa, enquanto combinavam a missa de sétimo dia.



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Postado por Raul Almeida
5/12/2015 às 20h55

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